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domingo, 16 de agosto de 2020

CONTRADIÇÕES FLAGRANTES - Paulo Henrique Américo de Araújo

16 de agosto de 2020

“Se falei mal, diga em quê. Se falei bem, por que me bates?”. Este simples argumento deixou evidenciada a flagrante contradição e injustiça do agressor. [Jesus Cristo diante do Sinédrio – Alessandro Mantovani, ca. 1860].

 Paulo Henrique Américo de Araújo

De todos os sublimes episódios da vida de Nosso Senhor Jesus Cristo, um em especial me veio à mente ao observar os absurdos e incongruências em que vai afundando este nosso século.

A cena ocorre durante a Paixão, quando o Redentor se encontrava diante do Sinédrio. Imputando-Lhe os juízes os crimes de sedição e revolta, tentam forçá-Lo a uma confissão. Jesus responde que havia ensinado publicamente, bastando inquirir quem O ouvira pregar no Templo e na sinagoga. Nesse momento, um dos assistentes do conselho dá-Lhe uma bofetada, dizendo: “Assim respondes ao Pontífice?”. E teve de ouvir contrafeito a resposta magnífica, irretorquível: “Se falei mal, diga em quê. Se falei bem, por que me bates?”. Este simples argumento deixou evidenciada a flagrante contradição e injustiça do agressor. Uma denúncia direta, cortante, invencível.

Em alguns acontecimentos recentes registrados pelo noticiário, sigamos o exemplo do Divino Mestre apontando neles a contradição. Mas ressaltemos desde já que a posição contraditória, nesses eventos, não é de uma pessoa em particular, mas sim a do mundo moderno neopaganizado, cujos fundamentos e instituições decadentes nadam invariavelmente nas águas turvas da incoerência.

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O programa blasfemo “A primeira tentação de Cristo”, transmitido no final de 2019, provocou a indignação dos católicos de todo o País. Dentre seus múltiplos e deploráveis escárnios, Nosso Senhor é aí representado como homossexual. Uma batalha judicial contra e a favor do filme travou-se desde então até os fins de maio último, quando houve o arquivamento definitivo de quatro representações que contestavam a exibição do programa.1

O Ministério Público Federal (MPF), favorecendo o grupo “Porta dos Fundos”, criador do filme, assim se pronunciou: “O vídeo em questão foi publicado por produtora de vídeos de comédia conhecida nacionalmente e apresenta sátiras de personagens bíblicos, o que se enquadra na liberdade de expressão de seus autores e atores, sendo que a mera intenção de caçoar (animus jocandi) exclui o elemento subjetivo do escárnio”.

Em outras palavras, ninguém deve se sentir ofendido em seus sentimentos cristãos, diante daquelas burlas proferidas contra o Redentor, pois a intenção dos autores foi apenas “fazer brincadeira”. Consequentemente, promover chacotas à Pessoa de Nosso Senhor Jesus Cristo tornou-se algo legitimado pelo MPF. Ainda conforme a decisão do Ministério Público, a encenação do “Porta dos fundos” se reveste unicamente de “liberdade de expressão”, não houve qualquer ato “malévolo” de escárnio.

Conforme a doutrina da Igreja Católica, o pecado de homossexualidade “brada aos Céus e clama a Deus por vingança”. Porém, a seguirmos a “lógica” do MPF, não há razões para tolher a “liberdade de expressão” de eventuais galhofeiros, mesmo que os católicos se sintam injuriados em sua “identidade de cristãos” quando alguém apresenta Nosso Senhor como praticante de homossexualismo. No fundo, vislumbra-se na decisão do MPF uma espécie de decreto impositivo: Calem-se, católicos, e ouçam impassíveis as injúrias ao seu Deus! Apresentar ‘sátiras de personagens bíblicos’ é normal, ninguém pode reclamar disso!

Passemos a outra sentença, também emitida no final de maio de 2020. A Justiça obrigou a Fundação Palmares a retirar de seus canais de comunicação alguns textos escritos contra a figura do líder negro Zumbi dos Palmares.2

De acordo com a juíza Maria Cândida Carvalho Monteiro de Almeida, “a permanência dos artigos questionados no sítio institucional da Fundação Cultural Palmares ameaça o patrimônio histórico-cultural brasileiro e viola o direito à identidade, ação e memória da comunidade negra e a sua garantia a condições adequadas para a preservação, expressão e desenvolvimento de sua identidade”.

Neste caso, como afirma a juíza, houve uma agressão à “identidade”, ao “sentimento” da comunidade negra. No que se refere à imagem de Zumbi dos Palmares, portanto, não há direito à “liberdade de expressão”. Se aplicarmos as palavras da juíza ao programa blasfemo inventado pelo “Porta dos Fundos”, podemos perguntar: Atingir, zombar, achincalhar a figura de Jesus Cristo não representa “ameaça ao patrimônio histórico-cultural brasileiro”?

A contradição das duas decisões é evidente: a comunidade negra tem direito à preservação de sua identidade, e justifica-se proibir o ataque à imagem de Zumbi dos Palmares, referência simbólica dessa mesma identidade. Mas a pessoa de Jesus Cristo, símbolo máximo do sentimento cristão e um poderoso alicerce da unidade nacional, pode ser escarnecida à vontade, segundo o Ministério Público Federal. Não gozam os cristãos do direito de ter a sua identidade preservada?

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Passemos à análise de dois outros eventos. A pandemia do coronavírus fez com que vozes oficiais e extraoficiais de todo o mundo se unissem numa só meta: “salvemos vidas”. Qualquer determinação neste sentido devia ser acatada, sem possibilidade de contestação ou ponderação. Houve aplausos até para decisões as mais incongruentes, como a suspensão de vacinas para crianças ou a obrigatoriedade do confinamento radical de populações inteiras, com suas perigosas consequências.3

No Reino Unido, uma das regiões mais atingidas pelo contágio, o governo tomou medidas drásticas, impondo quarentenas e pesadas restrições, sob o pretexto de “salvar vidas”. Porém, como bem apontou o bispo de Shrewsbury, Monsenhor Mark Davies,4 [foto ao lado] as autoridades inglesas deveriam rever seu conceito de “valor da vida humana”. O prelado denunciou que o Departamento de Saúde e Assistência Social do Reino Unido havia decretado novas normas para facilitar o “aborto domiciliar” durante a crise da pandemia. Com apenas um telefonema e uma receita médica, a gestante estaria livre para autoinduzir o aborto.

A incoerência é gritante: ações das mais disparatadas para “salvar vidas”, na luta contra a Covid-19; e ao mesmo tempo, favorecimento do “extermínio da vida” dos bebês indefesos nos ventres maternos!

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Voltemos ao episódio da Paixão de Nosso Senhor, lembrado no início deste artigo. A Escritura não narra que atitude tomou aquele agressor após a magnífica resposta de Jesus. Provavelmente esse ímpio reduziu-se ao silêncio, pois lhe era impossível dar qualquer resposta de valor. Quando a contradição é evidenciada, só há duas possibilidades para quem a proferiu: admitir seu erro ou silenciar.

Se quisermos ser católicos verdadeiros, procuremos sempre denunciar as contradições do nosso século, forçando desta maneira os agressores a retratar-se ou a silenciar. Assim estaremos agindo como o Divino Mestre diante da agressão injusta.

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Notas

Cfr. https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/05/25/mpf-arquiva-representacoes-contra-exibicao-do-especial-de-natal-do-porta-dos-fundos.ghtml

Cfr. https://www1.folha.uol.com.br/colunas/monicabergamo/2020/05/justica-determina-que-fundacao-do-governo-bolsonaro-apague-textos-contra-zumbi-dos-palmares.shtml

Cfr. manifesto do Instituto Plinio Corrêa de Oliveira: https://ipco.org.br/coronavirus-a-maior-operacao-de-engenharia-social-baldeacao-ideologica/

Cfr. https://www.aciprensa.com/noticias/obispo-lamenta-la-promocion-siniestra-de-abortos-en-casa-durante-pandemia-91643


https://www.abim.inf.br/contradicoes-flagrantes/

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (197)


20º Domingo do Tempo Comum | Solenidade da Assunção de Maria

 

Anúncio do Evangelho (Lc 1,39-56)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós!

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.

— Glória a vós, Senhor!

 

Naqueles dias, Maria partiu para a região montanhosa, dirigindo-se, apressadamente, a uma cidade da Judeia. Entrou na casa de Zacarias e cumprimentou Isabel. Quando Isabel ouviu a saudação de Maria, a criança pulou no seu ventre e Isabel ficou cheia do Espírito Santo. Com um grande grito, exclamou: “Bendita és tu entre as mulheres e bendito é o fruto do teu ventre! Como posso merecer que a mãe do meu Senhor me venha visitar? Logo que a tua saudação chegou aos meus ouvidos, a criança pulou de alegria no meu ventre. Bem-aventurada aquela que acreditou, porque será cumprido o que o Senhor lhe prometeu”.

Então Maria disse: “A minha alma engrandece o Senhor, e o meu espírito se alegra em Deus, meu Salvador, porque olhou para a humildade de sua serva. Doravante todas as gerações me chamarão bem-aventurada, porque o Todo-poderoso fez grandes coisas em meu favor. O seu nome é santo, e sua misericórdia se estende, de geração em geração, a todos os que o respeitam. Ele mostrou a força de seu braço: dispersou os soberbos de coração. Derrubou do trono os poderosos e elevou os humildes. Encheu de bens os famintos, e despediu os ricos de mãos vazias. Socorreu Israel, seu servo, lembrando-se de sua misericórdia, conforme prometera aos nossos pais, em favor de Abraão e de sua descendência, para sempre”. Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa.

 — Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger Araújo:


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ASSUNÇÃO DE MARIA: plenitude do seu “ser visitante”

 

“Maria ficou três meses com Isabel; depois voltou para casa”  (Lc 1,56)

Descobrimos o sentido da Assunção de Maria não tanto contemplando o céu, mas a terra. Na terra não veneramos a tumba de Maria, nem celebramos funerais por ela, ou em sua memória. Embora possa parecer estranho, os santuários onde se venera a memória de Maria são, para nós, não lugares funerários, mas fontes de vida, espaços onde a sentimos vivente, mãe, mulher do serviço, cuidadora nossa.

Ascenção, Assunção são dois nomes que damos a esta experiência de presença transformadora. Em Jesus, e a partir de Jesus, Maria também “é assunta” e se faz presente junto a seus filhos e filhas. Sua bendita presença nos abençoa e nos enche de graça.

Maria “foi assumida por Deus” porque “desceu” ao mais profundo da vida, comprometendo-se e sendo presença solidária. Ela viveu a “assunção” em todos os momentos de sua vida, de maneira especial, quando se deslocou em direção aos outros. Por isso, o Evangelho, indicado para a festa de hoje, nos fala da “presença visitante” de Maria.

Maria fecha a porta de sua pequena casa em Nazaré e inicia, apressada, o caminho para a montanha, onde vivia Isabel. O impulso do seu coração movia velozmente seus pés. Este relato nos mostra o que é “visitar”.

Maria “saiu em visita” porque, antes, foi “visitada” pela presença surpreendente de Deus. Ela entrou no fluxo do “Deus visitador”, prolongando e visibilizando as visitas divinas. Ela foi “assunta” porque, nas suas “visitas”, ela “subiu e desceu” em direção aos outros, numa atitude de serviço gratuito.

Maria foi visitar; podia não ter ido. Isabel, com mais idade e grávida, seguramente estava bem atendida. Mas, Maria foi... para estar, escutar, partilhar, ajudar...

Visitar implica mover-se, para perto ou para longe, sair, pôr-se em marcha; abandonar o espaço de conforto, adentrar-se na realidade do(a) outro(a), na expectativa de que este(a) outro(a) abra a porta de seu espaço e de sua vida, entrando em profunda sintonia com quem o(a) visita.

É uma ação pessoal, uma atitude aberta, um estar atentos aos detalhes da vida próxima, do entorno. Visitar não conta nas estatísticas. É uma ação muito silenciosa que não requer estruturas organizativas, nem contratuais. Visitar exige irremediavelmente investir tempo, gratuitamente; quem tem tempo hoje para presenteá-lo desinteressadamente?

A pessoa visitada tem também sua vida “expandida”, pois, receber o(a) outro(a) implica mudar a rotina do seu cotidiano, acolher a nova presença que vem, dedicar atenção e escuta...

Se re-lemos com atenção o relato de Lucas, encontraremos Isabel, a prima de Maria, como protótipo de uma vida “visitada”, de uma existência que poderia fechar-se na pequena felicidade de sua fecundidade surpreendente; no entanto, ela abriu passagem a uma voz que vinha mais além dela mesma. Isabel escutou aquela voz e soube reconhecer Maria como a nova Arca da Aliança que carregava a salvação dentro dela. E Lucas realça o detalhe de que “a criança pulou de alegria no ventre de Isabel”. 

Vamos nos deixar conduzir por Maria e vamos com ela “de visita” à casa de Isabel, para recuperar o sentido do “visitar” e “ser visitado” no nosso contexto atual.

Deus visita a nós e visita através de nós, assim como Ele nos visita por meio dos outros. Há uma infinidade de anjos mensageiros, cruzando nossos espaços cotidianos, inspirando-nos, ajudando-nos, movendo nossas vidas a saírem de seus lugares fechados, a romper muros, a ultrapassar fronteiras... A intolerância, o medo do diferente, a suspeita, o preconceito... são a morte de toda possibilidade de viver a “cultura da visita”.

Uma característica de nossa sociedade é o individualismo, o fechamento narcisista que nos centra e nos concentra em nosso “ego” como lugar preferencial de atenção, dedicação, cuidado e investimento de quase todas as nossas energias disponíveis. Neste contexto social em que vivemos, cada vez mais fragmentado e individualizado, as relações vão se tornando líquidas, restando as manifestações muito superficiais, reduzi-das, talvez, a um mero contato tecnológico através das redes sociais.

Temos a sensação de que, a partir de fora, tudo nos convida a viver auto-referenciados e surdos às vozes que nos vem do mais além de nós mesmos. Muitas forças externas a nós nos pressionam a reduzir nossa vida ao tamanho de um “bonsai”, a atrofiar os desejos até reduzi-los aos pequenos bens acessíveis e a conformar-nos com pequenas doses de prazer egoísta. 

Mesmo numa vida fechada, também aí irrompem as “visitações”; Maria, a “visitante” e Isabel, a “visitada”, podem nos ensinar a reconhecer Aquele que nos visita e vem a nós escondido no humilde e insignificante. Aquelas duas mulheres grávidas, Maria e Isabel, cheias e fé e grandes expectativas, envolvidas no silêncio da promessa de Deus, se encontram e no mesmo instante do abraço, a palavra se faz presente com a intensidade da compreensão, da acolhida, da alegria e da intimidade partilhada.

A visita começa a dar fruto desde o primeiro instante se há uma boa predisposição. A atitude de quem vai ao encontro e quem acolhe é elemento primordial.

Elas estavam felizes. Isabel gritou de júbilo e “a criança saltou de alegria em seu ventre”. E Maria proclamou, exultante, a oração de louvor e agradecimento ao Deus da Vida. “O Magnificat recolhe a prece da orante que se descobre, desde a humildade, fecundada por seu Senhor dentro da História da Salvação” (Mari Paz Lopes).

O Magnificat é o grande resumo da experiência de Maria; Magnificat não é um parêntese: supõe tudo o que Maria viveu. É impossível conhecê-la sem saborear demoradamente estas palavras, que são a tradução dos seus sentimentos íntimos diante da nobre missão de ser a mãe do Salvador.

No Magnificat, Maria canta a sua própria história. E isso nos desafia a fazer o mesmo. Ninguém vive uma vida espiritual fecunda enquanto não for capaz de construir a relação com Deus como um diálogo vivo entre um “eu” e um “Tu”. A oração de Maria não é feita de fórmulas. Ela expõe a sua vida naquilo que diz.

Através do Magnificat Maria vai ter a oportunidade de prolongar o seu “sim”, revelando que conhece bem as suas implicações profundas. No Magnificat, Maria sai de seu silêncio e explica o que significa o seu consentimento a Deus. E faz isso da forma mais simples e verdadeira, interpretando primeiro a sua própria experiência de fé e ancorando-se, depois, naquilo que a História da Salvação lhe ensina sobre a ação de Deus e sobre a missão do Povo de Deus neste mundo.

Maria permaneceu em casa de Isabel “três meses e voltou para sua casa”. Moveu-se, investiu seu tempo e podemos imaginar quê maravilhosos três meses passaram juntas, vendo como a vida crescia dentro delas, cuidando-se, rindo, partilhando.... Deixemo-nos inspirar por este “ícone da Visitação”. 

Texto bíblico:  Lc 1,39-56 

Na oração: Depois de empapar-se do evangelho deste dia é preciso perguntar-se: “o que me inspira o ‘movimento’ de Maria visitando Isabel? E se realmente, o fato de visitar, tem um significado em minha vida.

- Diante da situação pandêmica, quê outras formas de visita poderiam ser ativadas? São tantas as pessoas que estão esperando uma visita, mesmo virtualmente. Há muitas carências de abraços e de afeto.

- Recorde aqui as obras de misericórdia: duas delas se referem ao fato de “visitar” – “enfermos e presos”.

Pe. Adroaldo Palaoro sj

13.08.2020

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2116-assuncao-de-maria-plenitude-do-seu-ser-visitante


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