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sábado, 5 de maio de 2018

CONHECENDO E DISSEMINANDO A MENSAGEM (V) – Clóvis Silveira Góis Júnior


4.5 Os batismos e o amadurecimento da fé


            Finalmente, a plenitude dos tempos havia chegado para Boqueirão. No dia 26/3/1918, numa terça-feira, depois de muita lama e três horas de caminhada, o colportor e obreiro Zacharias Martins Rodrigues chegava e gentilmente foi hospedado na casa de João Roberto Ramos. Mesmo local onde eram realizadas as reuniões sabáticas. Sem demores, iniciou estudos bíblicos acompanhados por 70 pessoas. No sábado seguinte, 30/3/1918, estabeleceu a primeira Escola Sabatina com a presença de 35 adultos e 12 crianças. Todos ávidos por ouvir a mensagem bíblica. Imagino que o tema do sermão no culto divino tenha tratado da Paixão de Cristo, pois o dia anterior foi sexta-feira santa.   Todas essas atividades foram possíveis de serem efetivadas por Zacharias, mesmo não sendo ele portador de curso teológico ou ter recebido ordenação de ministro. A administração do batismo e da Santa Ceia somente poderia ser concretizada por um pastor ordenado.

            O pastor Ricardo J. Wilfart veio de Pernambuco, onde morava, para visitar o Estado da Bahia, e Boqueirão, em hipótese alguma, ficaria de fora da sua agenda. A festa batismal, envolvendo doze almas, ocorreu em oito de abril de 1918 à beira do ribeirão do mesmo nome e foi sucedida por celebração da Santa Ceia, no local das reuniões já rotineiras. Wilfart narra da seguinte forma o acontecido: “No dia 8, fomos [de trem de ferro – provenientes de Ilhéus] para Itabuna e de lá dirigimo-nos a pé para uma fazenda de cacau, denominada Boqueirão que fica a distância de três léguas de Itabuna. Era essa a primeira vez que aquele povo recebeu a visita dum  ministro do Evangelho, e batizaram-se ali 12 pessoas”. O oficiante admirou-se com o conhecimento que possuíam da Bíblia e disse que “com grande surpresa minha, notei que havia ali um grande número de pessoas já bem instruídas”.

           O  obreiro Zacharias Martins Rodrigues conta o ocorrido assim: “Este irmão [Pr Wifart] chegou no dia 5, e no dia 8 tornamos a Boqueirão, onde 12 almas receberam o batismo onde também celebramos a Santa Ceia”.

            A sede daqueles camponeses pela Água Viva (João4:14) não ficaria por aí. Outros rurícolas ansiavam pela mesma decisão. Wilfart continua seu relato dizendo que “há ainda muitos outros naquele lugar que desejam dar esse passo, mas não o fizeram nessa ocasião por motivos diversos. Se Deus nos ajudar, teremos daqui a pouco um excelente grupo de testemunhas do poder do Evangelho naquela zona”.

            Em julho do mesmo ano de 1918, o ministro retorna ao Boqueirão quando mais seis pessoas selam sua fé com Jesus por intermédio do batismo.

            Pronto! Eis estabelecido o Adventismo nestas terras! Estava constituída a segunda igreja mais antiga da Bahia. O pastor Gustavo S. Storch, quando morou neste Estado, por volta de 1922, reconheceu o pioneirismo desse centro de adoração quando o classifica dentre os povos existentes, registro incluso em seu livro Venturas e Aventuras de um Pioneiro: “já existiam alguns adventistas na Capital, no Pontal de Ilhéus, no Boqueirão (perto de Itabuna) e no alto sertão do Estado”.

            No início, a igreja consistia de parte de componentes de cinco ou seis famílias. Dentre os primeiros a receberem o batismo do Rio do Boqueirão, entre os anos de 1918 e 1919, podemos citar: João Roberto Ramos, Senhorinha Oliveira Ramos (esposa de João Roberto), Maria Ramos Lins (filha mais velha de João Roberto), Horácio Alves Lins (esposo de Maria Ramos), José Roberto Ramos (filho de João Roberto), Ana Oliveira Ramos (estudou no CAB – filha de João Roberto), Antonia Oliveira Ramos (filha de João Roberto), Genoveva França Jacó, Joaquim Alves de Melo, Rosa de Melo, Delfim Bastos,  Matilde Bastos, Lúcio França Batista, Pedro França Batista, Ernestina França Batista (esposa de Pedro França), José Francisco Araújo, Jovina França Batista (esposa de José Francisco), Josefina Jacó Ramos (filha de Genoveva e esposa de José Ramos), Francina Evangelista dos Santos e seu esposo, Vitória Preta e Maria Gracinda de Góes Melo (filha de Joaquim de Melo e Rosa de Melo).

            A congregação cresceu. O pastor Frederico W. Spies, mesmo como presidente da União Sul Brasileira dos ASD, mencionou o crescimento da obra no Nordeste, fazendo alusão ao batismo do Boqueirão assim: “Do mesmo modo que em Pernambuco, progride também a obra na Bahia. Há pouco foi batizado um número de crentes em Itabuna, no Sul deste Estado”. Já Wilfart, responsável local pelas missões, em 1918, lança loas à congregação local:

“Muito trabalho tem sido feito por 
esses fiéis irmãos, e agora se estão 
preparando para edificar uma casa 
decente para cultos, e uma escola 
paroquial; tudo isto como resultado de 
umas poucas páginas dadas, que 
continham a verdade para este tempo. 
Irmãos, espalhemos mais literatura, 
para que a seu tempo ceifemos”

            No mesmo ano. Boqueirão já aparece no quadro do relatório de dízimos do segundo semestre de União este Brasileira, juntamente com as igrejas de Pontal (Ilhéus), Genipapo, Plataforma (Salvador) e Maceió/Al.

            A membresia de Boqueirão cresceu a ponto de sua quantidade ser destaque na Missão Este Brasileira (Bahia, Sergipe e Alagoas) e, logo q seguir, Missão do Estado da Bahia (Bahia e Sergipe). O Relatório da Escola Sabatina do terceiro trimestre de 1918 acusa 33 membros assistentes. No último trimestre de 1918, o relatório já indicava 51 membros na congregação, configurando assim a maior quantidade de membros da Missão Este Brasileira, feito repetido em todo o ano de 1919, já com a criação da Missão Bahia, aumentando o número de membros para 54, mais do que o dobro da igreja seguinte, Pontal de Ilhéus, que possuía 24.

            Depois das primeiras cerimônias batismais, as atividades denominacionais foram estabelecidas de forma a se perpetuar a comunidade adventista e garantir a organização nas liturgias. Como todos eram neófitos, alguém teria que assumir a liderança da comunidade. A assistência pastoral era por demais dificultada pela ausência de ministros ordenados, bem como pela geografia avantajada do campo baiano.

            Nos anos subsequentes, até 1920, por escolha unânime, João Roberto Ramos sempre era escolhido como diretor dos cultos. Até que um fato estranho ocorre!

            Era costume se escrever, previamente, sermões doutrinários ou admoestativos em casa que, depois, seriam lidos perante a corporação nos dias de culto; ou mesmo produzir-se artigo que seria posteriormente encaminhado para publicação na Revista Adventista. Uma dessas anotações da lavra de João Roberto foi preservada, na íntegra, onde podemos hoje ter uma noção das preocupações que rondavam a mente do patriarca quando objetivava edificar sua congregação. O escrito é datado de 22 de março de 1920, o qual ele pretendia que fosse conhecido em momento oportuno, conforme se constata em suas linhas finais.

            Ele iniciou a alocução informando ao leitor da escolha dele para ficar à frente das reuniões. Em seguida, advertiu sobre os perigos de se conhecer doutrinas espúrias por meio da leitura de literatura não adventista. Certamente, pretendia manter intactos os ensinos arduamente apreendidos naquele lugar. Contou de sua ida aos Correios de Itabuna em busca de correspondências, tendo sido surpreendido por uma encomenda que não pediu, ou seja, um livro a ele endereçado. Surpreso, leu-o e refletiu sobre seu conteúdo, tomando de imediato uma decisão: “depois de ler e meditar um pouco resolvi coloca-lo no mesmo invólucro, riscar meu nome e aplicar a palavra ‘devolvido’ e tornar a colocar nos Correios onde recebi”. Vê-se aí a convicção depositada nos ensinos bíblicos por ele aceitos! Entendeu que o teor contido da  publicação poderia manchar seu cristianismo e posteriormente desviá-lo da fé, tão alegremente e persuadidamente recebida.

            No sábado seguinte, 20 de março de 1920, tornou os fatos narrados acima conhecidos por todos os seus irmãos. Pelo contexto explanado, entendeu ele que a literatura que lhe seria comprometedora lhe foi enviada exatamente numa tentativa de incutir em seu intelecto ensinos contrários àqueles que lhes seriam importantes para o exercício da liderança da congregação do Boqueirão. À igreja fez advertências quanto aos perigos de se conhecer outro evangelho senão o do Cristo Vivo: “Reunindo-se toda a congregação fiz saber a todos os irmãos estas ocorrências e aconselhei a todos que de agora em diante estivessem precavidos...”.

            O conteúdo da obra atormentou sua mente! Na madrugada de segunda-feira viveu um mau sonho. Muito atormentador foi o pesadelo! Talvez por isso deixou registrado para a posteridade. No final do seu texto ele exclama: “Caro leitor, necessitamos é orar sem cessar”!!

            Faço minhas as palavras de João Roberto! Reitero seu desejo! O que fica de aprendizado para nós, que vivemos num mundo no limiar da eternidade, é a preocupação do pioneiro em manter incólume sua vida espiritual e de sua igreja!  Seu rogo refletia sua vontade de participar de uma igreja militante, vitoriosa e preparada para se encontrar com Jesus!

            A publicação norte-americana The Youth’s Instructor de 16/11/1926, em artigo intitulado Vislumbres do leste do Brasil – Ilhéus e o cacau, assinado por H. U. Stevens, que conhecera pessoalmente a região Sul baiana, fez uma radiografia profunda da região cacaueira, não deixando de mencionar a igreja de Boqueirão.

“A maior igreja de adventistas do 
sétimo dia nesta parte da Bahia está 
localizada no Boqueirão, cerca de sete 
milhas de Itabuna, uma cidade no 
interior várias horas de passeio de 
trem  de Ilhéus. Ali temos uma igreja 
de cerca de cinquenta membros, os 
quais estão envolvidos no lucrativo 
negócio de cultivar cacau”.

            Os cultos eram realizados na residência de João Roberto e seguiam, quase em sua totalidade, os mesmos ritos atuais. Aos sábados, as crianças começavam a adoração em conjunto com os adultos até o momento do estudo da lição, quando se separavam para uma atividade paralela que lhes fosse compatível. Um único professor ministrava a lição, que na maioria das vezes estava encartada na Revista Adventista. Depois, foi ela publicada independentemente e em tamanho reduzido de 18 por 12 cm. A capa não era cartolinada, o que exigia do leitor um cuidado especial para não a danificar. As apostilas dedicadas aos infantis eram ilustradas, compostas de rolos grandes e coloridos, porém, com os versos áureos em inglês, provavelmente material ,advindo dos Estados Unidos. Cultos eram realizados, também, às quartas-feiras.

            Os sermões, alguns lidos na totalidade, cujos textos tinham sido previamente preparados em casa, eram proferidos somente pelos homens, uns cinco ou seis pregadores, o que era um número bastante significativo para o período.

            As atividades denominacionais destinadas às mulheres estavam relacionadas com a santa ceia (preparo do pão e das toalhas do lava-pés) e coparticipação na programação  da Escola Sabatina e lição dos menores. A atuação da ala feminina era maior em ações transdenominacionais, como na visitação missionária e atendimento aos doentes e carentes.

(A GÊNESE DO ADVENTISMO GRAPIÚNA Cap. 4.5.)
Clóvis Silveira Góis Júnior


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ABL: ANTONIN ARTAUD É TEMA, NA ABL, DA CONFERÊNCIA DE ANA KIFFER, NA SEGUNDA PALESTRA DO CICLO ‘LITERATURA E LOUCURA’


A escritora, doutora em Letras, professora e pesquisadora Ana Kiffer faz, na Academia Brasileira de Letras, a segunda palestra – Antonin Artaud, o exemplo anômalo – do ciclo de conferências do mês de maio de 2018, intitulado Literatura e loucura, sob coordenação do Acadêmico e romancista Antônio Torres. O evento está programado para quinta-feira, dia 10 de maio, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson 203, Castelo, Rio de Janeiro. Entrada franca.

Serão fornecidos certificados de frequência.

A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado, Primeira-Secretária da ABL, é a Coordenadora-Geral dos ciclos de conferências de 2018.

Ana Kiffer adiantou um pequeno resumo de sua palestra: “Parte da obra de Antonin Artaud (1896-1948) buscando mostrar e discutir como esse autor encenou alguns dos pilares acerca da relação entre a literatura e a loucura da modernidade ao contemporâneo, quais sejam: (1) a potência desorganizadora do que não faz sentido; (2) a relação entre a entrada do corpo e a perda de si na literatura; (3) a literatura como patrimônio [imaterial?] das dores e das mortes do mundo; (4) violência, exclusão e loucura”.

As outras duas palestras do mês de maio serão proferidas pelo professor Roberto Corrêa dos Santos (O abismo e o obstáculo: observações pontuais de Clarice Lispector, Virginia Woolf e Jacques Rivière sobre a [lou][cura]), dia 17; e o jornalista e tradutor Eric Nepomuceno (Horacio Quiroga e seus contos de amor, de loucura e de morte), dia 24. Sempre às quintas-feiras, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr, da ABL.

A CONFERENCISTA

Escritora, doutora em Letras pela Universidade do Estado do Rio de Janeiro (2002) e doutorado Bolsa Sandwich Capes - Université de Paris VII - Denis Diderot (1998-2000), Ana Kiffer lecionou Literatura e Cultura Brasileira na Universidade de Salamanca (Espanha-2001). Atualmente, é professora Associada (40h) da Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro, tendo sido, de 2008 a 2010, Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Letras dessa Universidade.

Ana Kiffer foi eleita, em 2007, Directeur de Programme no Collège International de Philosophie (França) por seis anos consecutivos. Em 2008/09, obteve a concessão de um Acordo de Cooperação Internacional com a França, Capes-Cofecub, onde atuou como coordenadora brasileira do Convênio com a Universidade de Paris VII. De 2012 a 2016, coordenou o Instituto de Estudos Avançados em Humanidades da PUC-Rio/CTCH. Vem atuando, principalmente, nos seguintes temas: corpo, escrita, literatura, artes, política e memória. No escopo dessas questões, orientou muitas dissertações de mestrado e teses de doutorado, além de pesquisas de iniciação científica.

É especialista na obra do escritor francês Antonin Artaud e sua pesquisa vem versando sobre as relações entre corpo e escrita. Ganhou, em 2009, a Bolsa de Jovem Cientista do nosso Estado (Faperj) com uma pesquisa inédita sobre as relações entre a fome e a literatura. E, em 2010/11, a Bolsa de Produtividade do CNPq, que mantém até hoje, agora com uma pesquisa sobre a escrita de cadernos de artistas, escritores e intelectuais.

Recentemente publicou os livros Antonin Artaud (Eduerj, 2016); A Perda de si [organização, seleção e tradução de Cartas de Antonin Artaud] (Rocco, 2017); Tiráspola e Desaparecimentos [poesia] (editora Garupa, 2017); A punhalada[poesia] (7Letras, 2016, coleção Megamini); e as coletâneas Sobre o Corpo (7Letras, 2016), Expansões Contemporâneas – literatura e outras formas (UFMG, 2014), e Experiência e Arte Contemporânea (Ed. Circuito, 2013).

Possui inúmeros capítulos de livro publicados em diferentes editoras no Brasil e no exterior, além de artigos em revistas nacionais e internacionais, tais como Alea (UFRJ), Remate de Males (Unicamp), Cerrados (UNB), Ipostesi (UFJF), Comunicação e Política (Cebela), Lugar Comum (UFRJ), Revista Vazantes (Universidade Federal do Ceará), Revue Europe (França), Literatura d’America (Sapienza, Università di Roma), Textuel (Université de Paris VII), além de assinar mensalmente a Coluna literária Geopolítica dos Afetos na Revista Pessoa (revista luso-brasileira).

04/05/2018


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O CALVÁRIO DE UM PRESIDENTE – Carlos José Marques


04/maio/18
Foto: Ueslei Marcelino

Michel Temer vive dias de provação. Pela primeira vez, a família de um presidente em pleno exercício do cargo é arrolada a depor, prestar explicações, por supostos casos de corrupção.

Uma investigação da Polícia Federal dá conta de lavagem de recursos via reformas nas casas tanto da filha como da sogra em troca de um decreto de portos – que acabou por não existir, diga-se de passagem. Ruim para Temer, pior para o Brasil.

Essa é a terceira onda de ataques sistemáticos ao chefe da Nação e, com ela, o País vai vivendo à base de soluços. Anda e para a depender da atenção que a pauta de ajustes consegue arranjar. Os reveses pessoais do mandatário contaminaram a gestão. A economia ficou a reboque das insânias políticas. A agenda reformista, que tinha na previdência seu maior alvo, ficou para as calendas. Na verdade, logo foi abatida. A primeira de uma longa lista.

Há pouco mais de um ano o empresário Joesley Batista, para escapar do cerco que se fechava sobre ele, comprometeu Temer numa gravação conduzida e criminosa. De lá para cá, a prioridade de combate à crise foi abaixo. Não há tempo para as negociações, para costurar alianças em torno de projetos, para propor saídas. Os esforços são consumidos na luta por salvar a própria pele.

Há algo de perverso nessa contenda. Adversários tentam minar a resistência federal buscando colar a pecha de ineficiência em um governo que, bem ou mal, conseguiu fazer a transição.

Há resultados concretos e sabidos: da inflação e dos juros levados a níveis historicamente baixos à reforma trabalhista, o fim da recessão e uma inominável lista de boas providências. Longe de ser suficiente. Porém significaram fundamentais passos na direção correta.

A camarilha parlamentar, a despeito das conquistas, não perdoou. Nos últimos tempos, após estratégia infrutífera de afastar o presidente por meio de votação em plenária, resolveu sabotar todo e qualquer projeto de melhorias estruturais. De novo, trágico para o Brasil. A paralisia do trabalho verificada atualmente no Congresso assemelha-se a de um Parlamento em pleno status de intervenção.

Tal qual nos idos do AI-5. Não se vota nada, não se aprova qualquer medida provisória que valha. A privatização da Eletrobras empacou. A simplificação do sistema tributário, defendida desde o início do ano, não é nem mais lembrada. Até a bancada governista bandeou-se para o lado da oposição na luta contra o cadastro positivo de devedores que Temer almejou adotar. O que sai daquela casa nos dias de hoje é mera perfumaria. Deputados e senadores estão mais preocupados em garantir a reeleição. Sonham com a perpetuação do foro privilegiado contra eventuais rescaldos das investigações da Lava Jato. Eis a classe política que restou. Parlamentares atentos a questões comezinhas. A janela da troca partidária galvanizou mais interesse do que a vital preocupação com equilíbrio das contas nacionais. Cortar, reduzir gastos, eliminar desperdícios é discussão impopular para o momento eleitoral.

Na direção oposta, congressistas estão mesmo é derrubando todos os vetos de Temer a medidas que oneram o erário. A festa da distribuição de recursos inexistentes alcançou o auge. As renegociações de dívidas do Funrural, por exemplo, custarão mais R$ 15 bilhões ao Tesouro por obra e graça dos senhores do parlamento que resolveram torrar o dinheiro da viúva. E o presidente – encurralado por querelas com a PF, o TSE e a Procuradoria – fica com as mãos atadas, sem margem de manobra. O esfacelamento do seu poder reflete-se ainda nos entendimentos para a formação de uma candidatura de centro consistente e vencedora.

O fatiamento das opções eleitorais nesse eixo cria um cenário de grandes riscos à sucessão. Não há ainda uma chapa que anime. O tucanato resiste, bestamente, em fechar um acordo com o MDB para defender o legado – de resto consistente – traçado por Michel Miguel Elias Temer Lulia.

A impopularidade, inclusive nas ruas, assusta. Dois anos depois de assumir, o presidente vive o seu inferno astral. Tentará contornar a má imagem e má fase com uma forte ação de comunicação realçando suas realizações no período. Ainda acalenta a própria candidatura como alternativa para ficar vivo no jogo.



Sobre o autor
Carlos José Marques é diretor editorial da Editora Três.