Total de visualizações de página

terça-feira, 31 de maio de 2022

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: Guardar - Antonio Cícero


 

Guardar

Antonio Cícero

 

Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
Em cofre não se guarda coisa alguma.
Em cofre perde-se a coisa à vista.
Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por
admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado.
Guardar uma coisa é vigiá-la, isto é, fazer vigília por
ela, isto é, velar por ela, isto é, estar acordado por ela,
isto é, estar por ela ou ser por ela.
Por isso, melhor se guarda o vôo de um pássaro
Do que de um pássaro sem vôos.
Por isso se escreve, por isso se diz, por isso se publica,
por isso se declara e declama um poema:
Para guardá-lo:
Para que ele, por sua vez, guarde o que guarda:
Guarde o que quer que guarda um poema:
Por isso o lance do poema:
Por guardar-se o que se quer guardar.

 

Antonio Cícero Correia Lima - 06/10/1945

Compositor, poeta, crítico literário, filósofo e escritor.

Prêmio ABL de Poesia (2013)

 Sétimo ocupante da cadeira nº 27 da ABL, eleito em 10 de agosto de 2017, na sucessão de Eduardo Portella, foi recebido em 16 de março de 2018 pelo Acadêmico Arnaldo Niskier.

-------------

Saiba mais sobre o autor na Wikipedia

Leia mais poetas famosos sem erros


* * *

segunda-feira, 30 de maio de 2022

OS PINGOS NOS IS - 30/05/2022

A MATA FECHADA - Cyro de Mattos



A mata fechada

Cyro de Mattos


 

Você diz que na mata 

é perigoso de andar,

cada bicho traiçoeiro

vive lá na terra e ar.      

 

 Não é assim como diz,

lá não se mata por prazer, 

só pra comer ou defender

se mata, mas com ordem.

 

Bichos pulam nos galhos, 

                  alegres comem os maduros,                       

no chão adormecido a flor nasce,  

o tronco tombado vira árvore.   

 

No seio fresco da mata

sons e cores festejam o dia,

a flor é tecida com o sonho,

o ramo de luz com o verde.

 

Riacho mina na pedra,

desce, dá volta como cobra,

barco da noite com a lua

no cipoal derrama prata.

 

Quando vai à mata a índia,

na trilha caminha esperta, 

acode nas asas maternais

o bicho que caiu na cilada.  

 

Solta o passarinho no alçapão,

protege perdido o filhote,

para pra admirar o carinho

das araras, uma na outra. 

.

Rio não se esconde da chuva,

a terra não dorme amarga,

abelhas operosas zumbem,

de mel fabricam as horas.     

 

Macaco, tamanduá-bandeira, 

preguiça, capivara, veado,

pelo dia expelem odores. 

estrelas carregam à noite. 

 -----------------

Cyro de Mattos é jornalista, cronista, contista, romancista, poeta e autor de livros para crianças. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz.

* * *




AMALCARG EMPOSSA NOVA DIRETORIA

 

Em memorável noite, com as presenças da maioria dos acadêmicos, representantes de diversas Lojas maçônicas da região, familiares e convidados, no último dia 17/5 (terça-feira), no Templo da A\R\L\S\ 28 de Julho, Or\ de Itabuna, a Academia Maçônica de Letras, Ciências e Artes da Região Grapiúna (AMALCARG), empossou sua nova diretoria para o biênio 2022/2024.

A reunião foi presidida pelo acadêmico José Carlos Oliveira – ex-presidente e um dos fundadores da “Casa das Letras Maçônicas” –, que convidou o confrade Washington Farias de Cerqueira (presidente reeleito) e o representante da A\R\L\S\ 28 de Julho, Ir\ Enault Freitas da Rocha Filho, para comporem a mesa e aos acadêmicos José Augusto Carvalho e Helder Pereira Dantas para que dessem entrada aos convidados para participarem da Solenidade de Posse.


O Ir\ José Carlos Oliveira solicitou a todos os presentes para que de pé e perfilados acompanhasse o Hino Nacional Brasileiro. Após a audição, declarou aberta a solene reunião de posse agradecendo a todos pelas suas presenças e em especial os convidados. E em seguida pediu ao acadêmico-secretário Ernande Costa Macedo, que efetuasse a leitura do Termo de Posse da nova diretoria executiva, composto pelos acadêmicos Washington Farias de Cerqueira, presidente; Luiz Roberto Albuquerque Rodrigues Maia, vice-presidente; Ernande Costa Macedo, secretário-geral e Renato Burití Oliveira, tesoureiro.

Na oportunidade, foram empossado também o novo Conselho Fiscal, composto pelos acadêmicos titulares – Frederico Carlos Machado, José Rebouças Souza e José Noélio Santana de Oliveira e como Suplentes – Itatelino Oliveira Leite, Khalil Augusto Botelho Nogueira e Alessandro Góes Lima. E na sequência, após as assinaturas, o acadêmico-presidente proclamou todos os empossados para um mandato de dois anos, com início dia 17/5/22 e finalizando no dia 30/5/24, quando foram aclamados por calorosa salva de palmas dos presentes.

Após a posse da nova diretoria, a reunião passou a ser conduzida pelo acadêmico-presidente Washington Farias de Cerqueira, que solicitou ao acadêmico José Augusto Carvalho que desse entrada ao seu afilhado, o Ir\ Vinicius Misael Portela para prestar juramento como membro da AMALCARG e para a formalização de sua posse como o seu mais novo “imortal”, ocupando a cadeira de nº 8, que tem como patrono o Ir\ Carivaldo Lopes Pereira.

Prosseguindo com o ato de posse, Washington Cerqueira, solicitou a cunhada Isbela Wagmaker Cavalcanti Portela, que colocasse a pelerine no acadêmico Vinicius Portella e à sobrinha Luzia Lopes Pereira que lhe entregasse o curriculum do patrono da cadeira de nº 8 Ir\ Carivaldo Lopes Pereira, que era seu pai, que antes era ocupada pelo saudoso acadêmico Luciano Lopes Pereira, seu irmão. O acadêmico-presidente pediu ainda ao acadêmico José Augusto Carvalho, que fizesse a saudação ao novo acadêmico, logo depois Vinicius Portella fez um excelente discurso dizendo da sua alegria em participar da AMALCARG, falou também sobre a sua trajetória maçônica, agradeceu a sua família que sempre lhe apoia e ao acadêmico José Augusto, pela apresentação do seu nome a gloriosa academia. E finalizou declarando que veio para somar junto com os demais acadêmicos.

Por último, Washington Farias de Cerqueira, disse da sua alegria e satisfação em presidir mais uma vez a AMALCARG, comentou sobre as dificuldades que teve no primeiro mandato por conta da pandemia (Covid-19), disse da gratidão que tem com todos os membros da “Casa das Letras Maçônica”, e em especial o acadêmico Ernande Costa Macedo, pelos seus relevantes serviços prestados a secretaria dessa egrégia casa e a Maçonaria Universal. Agradeceu também as presenças dos IIr\ Vercil Rodrigues, representando a imprensa maçônica baiana (leia-se jornal e site O COMPASSO) e a Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA) e Edmundo Dourado, representante da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL) e a todos os convidados presentes. O presidente avisou que a próxima reunião acontecerá no dia 7/6 e convidou todos para participarem de um jantar no salão de banquetes.


------------------

Por Vercil Rodrigues.

Jornalista DRT/FENAJ 5.801.

Membro-fundador da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL), Cadeira 1; membro-idealizador-fundador da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), Cadeira 1 e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI), Cadeira 21.

* * *

domingo, 29 de maio de 2022

ITABUNA CENTENÁRIA UM SONETO: Amor Condusse Noi Ad Nada - Paulo Mendes Campos

 


 
Amor Condusse Noi Ad Nada

Paulo Mendes Campos


Quando o olhar adivinhando a vida
Prende-se a outro olhar de criatura
O espaço se converte na moldura
O tempo incide incerto sem medida

As mãos que se procuram ficam presas
Os dedos estreitados lembram garras
Da ave de rapina quando agarra
A carne de outras aves indefesas

A pele encontra a pele e se arrepia
Oprime o peito o peito que estremece
O rosto a outro rosto desafia

A carne entrando a carne se consome
Suspira o corpo todo e desfalece
E triste volta a si com sede e fome.


(Paulo Mendes Campos)

 

Saiba mais: Paulo Mendes Campos – Wikipedia

Leia mais poemas de grandes poetas famosos sem erros


* * *

PALAVRA DA SALVAÇÃO (265)

 


Solenidade da Ascensão do Senhor | domingo, 29 de maio de 2022

 

Anúncio do Evangelho (Lc 24,46-53)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Assim está escrito: O Cristo sofrerá e ressuscitará dos mortos ao terceiro dia e no seu nome serão anunciados a conversão e o perdão dos pecados a todas as nações, começando por Jerusalém.

Vós sereis testemunhas de tudo isso. Eu enviarei sobre vós aquele que meu Pai prometeu. Por isso, permanecei na cidade, até que sejais revestidos da força do alto”.

Então Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os. Enquanto os abençoava, afastou-se deles e foi levado para o céu. Eles o adoraram. Em seguida voltaram para Jerusalém, com grande alegria. E estavam sempre no Templo, bendizendo a Deus.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.

https://liturgia.cancaonova.com/pb/

---

Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Donizete Ferreira – Sacerdote da Comunidade Canção Nova:


__

Ascenção: bênção que se espalha sobre a humanidade

 


Jesus levou-os para fora, até perto de Betânia. Ali ergueu as mãos e abençoou-os” (Lc 24,50) 

Segundo o relato de Lucas, na Ascenção, Jesus “desaparece” em Deus; Ele não se afasta da humanidade, mas continua presente de uma outra maneira: junto com o Pai e o Espírito faz sua “morada” no interior de cada pessoa.

Por isso, Jesus não deixa uma estrutura religiosa organizada (com sua hierarquia, seus ritos, leis, doutrinas...); Ele deixa na terra “testemunhas”, ou seja, aqueles(as) que comunicam a sua experiência de um Deus de bondade e contagiam com seu estilo de vida centrado no modo de agir e viver do próprio Jesus. Serão testemunhas cristificadas, trabalhando por um mundo mais justo e humano.

Mas Jesus conhece bem os seus discípulos; sabe que eles são frágeis e medrosos. Onde encontrarão a audácia para serem testemunhas de alguém que foi crucificado pelo representante do Império e pelos dirigentes do Templo? Jesus tranquiliza-os: “Eu enviarei a vós aquele que Pai prometeu”. Não lhes vai faltar a “força do alto”. O Espírito de Deus os defenderá. 

A “ausência física” de Jesus revelar-se-á, então, como oportunidade para fazer crescer a maturidade de seus seguidores. Ele lhes deixa o dom de seu Espírito que promoverá o crescimento responsável e adulto dos seus. É inspirador recordar isso nesse momento em que parece crescer entre nós o medo à criatividade, a tentação do imobilismo, a petrificação no ritualismo e na doutrina, ou a saudade de um cristianismo pensado para outros tempos e outra cultura.

A festa da Ascenção do Senhor nos recorda que, terminada a presença história de Jesus, vivemos “o tempo do Espírito”, tempo de criatividade e de crescimento responsável no seguimento de Jesus. O Espírito não nos oferece “receitas eternas”. Ele nos dá luz e alento para ir buscando caminhos sempre novos e alternativos para atualizar hoje o modo de ser e agir de Jesus. Assim Ele nos conduz para a verdade completa d’Aquele que sempre se revelou verdadeiro. 

Para expressar graficamente o último desejo de Jesus, o evangelista Lucas descreve a sua partida deste mundo de forma surpreendente: Jesus volta ao Pai levantando as suas mãos e abençoando os seus discípulos. É o seu último gesto. Jesus entra no mistério insondável de Deus e sobre o mundo faz descer a sua bênção. Seus seguidores começam sua peregrinação pelo mundo protegidos por aquela benção com a qual Jesus curava os enfermos, perdoava os pecadores, abençoava e acariciava as crianças...

Bênção atravessa toda a Bíblia, e quer atravessar também nossas vidas. Ela brota do olhar primeiro e amoroso de Deus que, admirado, viu que toda Criação era boa e preciosa. Também nossa missão, confiada pelo Ressuscitado, consiste em recuperar este olhar, esta benção original, sobre nós e sobre a terra; uma bênção que desperta admiração e assombro ao perceber a bondade e beleza no interior daqueles que não são considerados bons e dignos de beleza. 

A palavra “bênção” tem um sentido amplo e direto; procede do termo latino “benedictio” e significa “dizer bem”. Mas, determinados pelo nosso contexto social e político que preza pelo ódio, preconceito, maledicência, “fake news”..., a sensação que temos é que há uma curiosidade viral, uma excitação, um prazer mórbido em “dizer mal”, destruir reputações, emitir juízos moralistas, ferir e excluir o outro que pensa, sente e ama de maneira diferente. Há uma “maledictio” (“mal-dizer”) que paira em todos os meios de comunicação e redes sociais, envenenando relações, rompendo vínculos, criando divisões. E tudo isso emerge da interioridade petrificada das pessoas, alimentando um fúnebre processo de desumanização. O trágico é que essas manifestações de maldição são expressas por quem se confessa seguidor(a) d’Aquele que sempre foi presença visível da Verdade e fonte de perene Benção. Quanta incoerência no seguimento de Jesus Cristo!

“Não há pior patologia que essa dissipação da alma, esse olhar cheio de pré-juizos que nos torna pequenos e amargos, esse juízo que se deixa escravizar pelo defeito e pelo peso da imperfeição e depois não nos deixa sair até que ignoramos a liberdade. Não há exercício mais esterilizante que essa espécie de ressentimento expresso como anátema em relação com a vida, esse totalitarismo da queixa que, sem nos dar conta, nos asfixia, essa incapacidade de romper com a engrenagem da maldição sobre todos e sobre tudo, da qual nem nós mesmos escapamos” (Cardeal Tolentino).

Somos herdeiros(as) de uma benção, herdeiros(as) da doação e da esperança de tantos homens e mulheres que, ao longo da história, aliviaram sofrimento, recobraram dignidades e ajudaram a viver.

Agora, somos nós a geração portadora dessa benção. Presente, passado e futuro.

Como seguidores(as), esquecemo-nos que somos portadores(as) da bênção de Jesus. A nossa primeira tarefa é ser testemunha da Bondade de Deus, manter viva a esperança, não nos rendermos diante do “maledictio”.

Na Igreja de Jesus, temos esquecido que a primeira coisa a se fazer é promover uma “pastoral da bênção”. Temos de nos sentir testemunhas e profetas desse Jesus que passou a sua vida semeando gestos e palavras de bênção, de bondade e de misericórdia. Assim, despertou nas pessoas da Galiléia a esperança no Deus Salvador, abriu um horizonte de sentido. Jesus era uma bênção visível e as pessoas reconheciam isso.

Somos chamados a ser presença de “bênção”. Que todos aqueles que vivem situações de desamparo, de miséria, de desamor, de indefesa, de maldição... possam sentir em nós o prolongamento da Benção do Ressuscitado; possam sentir-se bem acolhidos, bem nomeados, bem olhados, bem-amados.

“Dizer bem”, “bendizer”, “abençoar”, é nossa vocação primordial, porque só isso desperta a consciência de que cada um de nós é portador(a) autorizado(a) de uma indestrutível benção, e esse é o modo de fazer justiça ao maravilhoso milagre que é estar vivos. “Dizer bem” é conectar-nos com aquela verdade mais profunda, que é o puro vínculo na ordem do ser. Sem essa ancoragem compassiva na raiz do nosso ser e no nosso modo cristificado de viver, não chegaremos a compreender verdadeiramente o enorme e misterioso pulsar da própria existência.

Cada um de nós depende – porque a vida é dom e confirmação reiterada do dom – daquilo que a benção desencadeia. Somos um elo na longa corrente de bênçãos; são inúmeras as pessoas que deixaram impregnadas em nosso coração a marca da bênção oblativa, aberta e desafiadora. Crescemos e amadurecemos sob o impulso da “benedictio” daqueles(as) que conviveram ou convivem conosco.

E, por isso, é tão importante buscar a benção, colocar-nos de seu lado luminoso, ativá-la e exercitá-la ao nosso redor. O tempo se ilumina quando nos deslocamos da sombra da “maledictio” e nos re-situamos na órbita da “benedictio”.

Assim se expressa a maravilhosa e antiga bênção irlandesa: “Que o caminho seja brando a teus pés,/ que o vento sopre leve em teus ombros./ Que o sol brilhe em teu rosto sem ferir-te,/ e as chuvas caiam serenas em teus campos./ E até que eu de novo te veja,/ Deus te guarde cada dia na palma de Sua mão”. 

Texto bíblico:  Lc 24,46-53 

Na oração: Todo(a) seguidor(a) de Jesus é “canal” de transmissão de Sua bênção que salva, eleva, exalta a dignidade de cada pessoa.

- Sua presença cotidiana é reveladora de “benedictio” ou “maledictio”, de elogio ou de maledicência, de vibração diante da nobreza do outro ou de queixa amarga?...

 


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2579-ascencao-bencao-que-se-espalha-sobre-a-humanidade

* * *

quinta-feira, 26 de maio de 2022

MEU TIO RAIMUNDO – Cyro de Mattos


  

                             Meu tio Raimundo 

                               Cyro de Mattos

 

            Meu tio Raimundo tinha uma fazenda grande de criatório de gado. Às vezes ele pedia a meu pai para deixar eu ir passar com ele alguns dias na sua fazenda chamada Bela Paisagem. Lá o capim era verde e parecia que não tinha fim, se perdia nos pastos até onde as vistas pudessem alcançar.  Meu tio era muito sorridente, mostrava que estava de bem com a vida, apesar de não ter um filho, ele dizia que isso tia Edite não podia lhe dar. Ele dizia que eu era o sobrinho que ele mais gostava, o filho que ele queria ter.

         Gostava de pegar na minha cabeça e ficar repetindo Mundeco, meu sobrinho esperto, corra bem depressa, que é evem o boi brabo, maior que um boneco. Gostava de fazer adivinha comigo. Se eu acertasse uma adivinha, ele me dava sorvete, saco de pipoca, cocada ou um copo grande com caldo de cana. Eu escolhesse. Se eu não acertasse, ele dizia que não tinha importância. Era uma adivinha com a reposta difícil. Guardasse comigo, fosse apostar guloseima com os amigos para ver quem acertava a resposta da adivinha difícil, que somente ele e eu sabíamos.  

         Guardei várias adivinhas que ele me passou. Como essa: O que é, o que é? Bolota voadora, Tem um zumbido Que não para, Entrando e saindo De uma casa Com cem portas? Ou essa outra: O que é, o que é?  Tem cabeça, Não tem rosto, Fura e segura, Marca o caminho Para a agulha Andar na costura? Olhe, se você não for um menino esperto, não vai responder certo. Eu lhe ajudo com a resposta certa. A primeira é abelha, a segunda só pode ser alfinete.

         Meu tio presenteou-me no aniversário com um carneirinho. Pai e mãe não aprovaram o presente, ia dar preocupação e trabalho até que ficasse crescido. A ovelha, mãe do carneiro, morreu de uma picada de cobra, o carneirinho ficou órfão, berrando sem parar, de causar pena, segundo meu tio informou. Agora eu ia ter que cuidar dele dando leite na mamadeira. Fiz a dormida dele no quintal, na casa onde guardava meus brinquedos, como bicicleta, skate, bola de futebol, bambolê e patim.

         Quando chegava da escola, ele ficava no quintal berrando até que eu chegasse com a mamadeira grande de leite. Saía comigo pela rua puxado pelo cabresto. Gente adulta parava, ficava olhando admirada o menino e seu carneiro, fazendo seu passeio pela rua do comércio. Ao passar a mão nele para fazer agrado, os dedos pareciam que estavam pegando em algodão. Ele tinha uma pelagem fofa. Daí eu passar a lhe chamar de Lanzudo. Quando deixou de beber leite e começou a comer capim, que meu pai mandava trazer na carroça, a mãe dizia que ele devia voltar para a fazenda do tio, era melhor ele viver no meio dos outros carneiros. Lugar de carneiro era no campo, finalizava, meu pai concordava com ela, sem pestanejar.  

         De fato, isso aconteceu, não que me conformasse com a ausência dele.  Era meu bicho de estimação, com quem me exibia com os amigos lá da rua. Cada um tinha seu bicho de estimação, cada um achava que o seu era melhor, mais bonito e esperto do que o do outro menino.

          Quando meu tio Raimundo faleceu, meu pai ficou muito triste, minha mãe chorou bastante, era o único irmão que ela ainda tinha. Eu, nem é bom falar do quanto chorei, até hoje fico saudoso quando lembro dele.  Não escondo, choro porque tenho saudades de mim.

 

Cyro de Mattos - é escritor e poeta com prêmios literários importantes, no Brasil e exterior. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz, Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil e Ordem do Mérito do Governo da Bahia, no grau de Comendador

* * *

 ACADEMIA DE LETRAS DE ILHÉUS REALIZA SESSÃO DA SAUDADE


 

Cumprindo o que preceitua o seu regimento interno, que aduz que quando um dos seus acadêmicos falece, a Academia de Letras de Ilhéus (ALI) deve realizar uma sessão da saudade em sua homenagem, assim foi feito na noite de sexta-feira (20), quando o confrade Mário Augusto Albiani Alves, morto no dia 11 de junho de 2021, em Salvador, foi postumamente homenageado.

A solenidade, que foi presidida pelo acadêmico-presidente Pawlo Cidade (Cadeira 13), ocorreu no Salão Nobre da “Casa de Abel” e contou com a participação de familiares e autoridades, entre elas o juiz e membro da ALI, Antônio Carlos de Souza Hygino (Cadeira 1) e o desembargador Mário Albiani Alves Júnior, que com emoção e reverência discorreram sobre a trajetória do desembargador aposentado, figura importante no meio jurídico baiano.

O ex-presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), Mário Augusto Albiani Alves ocupava a Cadeira nº 37 da ALI, cujo patrono é Vasconcelos de Queiroz e fundador Nathan Coutinho, cursou Direito na Universidade Federal da Bahia (UFBA).

Na função judicante, ele atuou na comarca de Palmeiras, na Chapada Diamantina. Em dezembro de 1989 foi promovido desembargador do TJ-BA e no ano seguinte tornou-se presidente.

Mário Albiani foi também presidente da Associação dos Magistrados da Bahia (Amab) por sete mandatos, fundou a Escola de Preparação e Aperfeiçoamento de Magistrados (Epam), em 1987, no ano 1991 assumiu o cargo de governador da Bahia pelo período de 10 dias, durante o governo de Nilo Augusto de Moraes Coelho (15/5/1989 – 15/3/1991).

Na solene e prestigiada sessão, discursou em nome do sodalício o acadêmico Antônio Carlos Hygino, que sobre o confrade Mário Albiani declarou: “Foi um juiz que se destacou por participar do meio social em que vivia, inteirando- -se dos problemas, anseios e aflições da sociedade, com vista a solução dos conflitos e em busca da paz social. Era um conciliador nato e será lembrado pelo seu talento, como o eterno presidente do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA)”.

 

Por Vercil Rodrigues

Advogado, professor e escritor. Membro-fundador da Academia Grapiúna de Letras (AGRAL), Cadeira1; Membro-idealizador fundador da Academia de Letras Jurídicas do Sul da Bahia (ALJUSBA), Cadeira1 e membro da Academia de Letras de Ilhéus (ALI), Cadeira 21.

E-mails: vercil@jornaldireitos.com

 jornalocompasso@gmail.com

 vercil5@hotmail.com

 ---------

Fonte: JORNAL DIREITO, EDIÇÃO 141 – MAIO DE 2022


* * *

segunda-feira, 23 de maio de 2022

A MORTE – Gibran Khalil Gibran



A Morte

 

            Então, Almitra falou, dizendo: “Gostaríamos de interrogar-te a respeito da Morte”.

            E ele disse:

            “Quereis conhecer o segredo da morte.

            Mas como podereis descobri-lo se não o procurardes no coração da vida?

            A coruja, cujos olhos, feitos para a noite, são velados ao dia, não pode descortinar o mistério da luz.

            Se quereis realmente contemplar o espírito da morte, abri amplamente as portas do vosso coração ao corpo da vida.

            Pois a vida e a morte são uma e a mesma coisa, como o rio e o mar são uma e a mesma coisa.

            Na profundidade de vossas esperanças e aspirações dorme vosso silencioso conhecimento do além.

            E como sementes sonhando sob a neve, assim vosso coração sonha com a primavera.

            Confiai nos sonhos, pois neles se ocultam as portas da eternidade.

            Vosso temor da morte é semelhante ao temor do camponês quando se encontra diante do rei, e este entende-lhe a mão em sinal de consideração.

            O camponês não se regozija, apesar do seu temor, de receber as insígnias do rei?

            Contudo, não está ele mais atento ao seu temor do que à distinção recebida?

            Pois, que é morrer senão expor-se, desnudo, aos ventos e dissolver-se no sol?

            E que é cessar de respirar senão libertar o hálito de suas marés agitadas, a fim de que se levante e se expanda e procure a Deus livremente?

 

            É somente quando beberdes do rio do silêncio que podereis realmente cantar.

            É somente quando atingirdes o cume da montanha que começareis a subir.

            É quando a terra reivindicar vossos membros que podereis verdadeiramente dançar.”

 

(O PROFETA)

Gibran Khalil Gibran

  

Gibran Khalil Gibran - Poeta libanês, viveu na França e nos EUA. Também foi um aclamado pintor. Seus textos apresentam a beleza da alma humana e da Natureza, num estilo belo, místico, conseguindo com simplicidade explicar os segredos da vida, da alegria, da justiça, do amor, da verdade.        

 ----------

O ERRANTE, UM LIVRO E IRONIA E AMARGURA

 

          O livro começa assim: “Encontrei-o nas encruzilhadas, um homem que tinha apenas uma capa e um bordão, e um véu de dor sobre a face. Cumprimentamo-nos um ao outro, e eu lhe disse: “Venha à minha casa e seja meu hóspede”. E ele veio... E contou-nos muitas histórias naquela noite, e também no dia seguinte...”

          O livro relata estas histórias, que refletem a experiência (e a amargura) dos dias. E também a poeira – e a paciência – das estradas.

          Muitas dessas histórias são realmente fábulas, nas quais os animais manifestam todas as loucuras do homem, como a história do rato e do gato, ou das rãs, ou da hiena e o crocodilo.

          Mas, em outras histórias, os heróis são mesmo homens, que têm pouco das qualidades e muito dos defeitos que distinguem o gênero humano.

        Contrariamente a outros livros de Gibran, este não é uma mensagem de compaixão e de compreensão, mas uma explosão de amargura e de ironia para com a estupidez e pequenez dos homens. E sua leitura é um excelente antídoto para o que há de bondade, às vezes imerecida, nos outros livros, e contribui para dar à mensagem global de Gibran um benéfico caráter de realismo e equilíbrio. Uma leitura para mentes maduras.

* * *

    

          


domingo, 22 de maio de 2022

PRENÚNCIO NUVENTE - Carlos Nejar


Prenúncio nuvente

Carlos Nejar


- Estou aqui pela palavra, disse. Não pelo silêncio.
- Como?
- Sim, no silêncio é que pude contemplar o inseto invisível que ataca o mundo.
- E o motivo?
- Vou queimar na nuvem o inseto!
- Insisti: - Letícia, e a vacina?
- Quando chegarem todas as doses para o povo, não haverá mais o vírus! E além disso, o vírus acaba o vírus.
Não entendi. Todos usamos máscaras, ficamos reclusos, evitando o aglomeramento...
- São sábias medidas da ciência!, retrucou Letícia.
Mas minha ciência é outra. Há um fogo em mim que inventa o tempo.
- Um novo tempo?
- Sim. E a luz não é do tempo, é da palavra. Eu sou palavra quando sonho.
- Ninguém sonha sozinho: a palavra sonha junto.
E a Nuvem Letícia sorriu. Estava saudoso de sua presença. Ou do assombro de vê-la branca, e os dentes e olhos puros, brilhando.
E ficamos sabendo que o tal de vírus foi queimado e extinto.
- Muitos morreram e nós choramos os mortos.
Mas é preciso viver. E, se a palavra vive, nós vivemos.
- Todos juntos na palavra!, exclamou Letícia. E o que se crê, já começa a existir.
E vi que a Nuvem me abraçou. Com a palavra que derramava luz.

Tribuna Online, 23/05/2021

https://www.academia.org.br/artigos/prenuncio-nuvente


Carlos Nejar - Quinto ocupante da cadeira nº 4 da ABL, eleito em 24 de novembro de 1988, na sucessão de Vianna Moog, foi recebido em 9 de maio de 1989 pelo Acadêmico Eduardo Portella.

* * *

PALAVRA DA SALVAÇÃO (264)



6º Domingo da Páscoa | 22/05/2022


 Anúncio do Evangelho (Jo 14,23-29)

— O Senhor esteja convosco.

— Ele está no meio de nós.

— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.

— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou.

Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.

Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.

Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu.

Disse-vos isso, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis.

— Palavra da Salvação.

— Glória a vós, Senhor.


----

Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger Araújo:


---

A nobreza de ser morada da Trindade

 


 “Se alguém me ama, guardará minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23)

Neste último domingo de Páscoa a liturgia, mais uma vez, nos faz ter acesso a um trecho do discurso de despedida de Jesus, no evangelho de S. João. Na realidade, trata-se de um “discurso pascal”, onde o evangelista recolhe os dons principais revelados pelo Ressuscitado: vida, amor, paz, fé, Espírito Santo.

A narração deste domingo dá destaque a uma nova presença do Cristo Ressuscitado entre os seus seguidores e seguidoras: junto com o Pai e o Espírito, Ele faz do interior de cada um(a) sua “morada”. 

Sabemos que o ser humano é  interioridade; é sua essência, é a dimensão mais nobre e sagrada de todos. E essa interioridade é habitada por uma Presença, sempre inspiradora e iluminadora como o Sol.“O Sol res-plendente está sempre dentro da alma e nada pode arrebatar sua magnificência” (S. Teresa D’Ávila).

Presença que fala dentro de nós; presença que é Fonte de paz; presença que, através do seu Espírito, nos inspira, nos sustenta e desperta as melhores energias e forças mobilizadoras de nossa vida.

Os mestres espirituais chamam a esta interioridade também de “Imago Dei” (imagem de Deus), ou a própria presença divina em nós.

Só descobrindo o que há de Deus em nós, poderemos cair na conta da nossa verdadeira identidade. Ele é nosso verdadeiro ser, nosso ser profundo, nossa essência. Somos templos de Deus, presença constante do Espírito de Deus conosco. Somos seres habitados; não estamos sozinhos.

É próprio do ser humano mergulhar e experimentar sua profundidade. Auscultando a si mesmo, percebe que brotam de seu “eu profundo” apelos de compaixão, de amorização e de identificação com os outros e com o grande Outro (Deus). Dá-se conta de uma Presença que sempre o acompanha, de um Centro ao redor do qual se organiza a vida interior e a partir do qual se elaboram os grandes sonhos e as significações últimas da vida. 

Normalmente quando falamos de Deus nós o imaginamos bem distante e quase inacessível. Vemos longe Aquele que está tão perto, Aquele que trazemos dentro de nós mesmos. Vemos longe Aquele que vive e nos dá vida cada dia. Basta um simples olhar por dentro para nos encontrar com Ele.

Às vezes, sentimos como se tivéssemos medo de nosso próprio mistério; temos medo de sentir que nós somos o céu de Deus; temos medo de pensar que somos a “casa” onde vive e habita Deus.

Muitas vezes não nos damos conta dessa Presença, mas ela não nos invade, não nos anula, não se impõe... Simplesmente se faz habitante, presença, inspiração...

No entanto, esta é a nobreza de nosso ser: todos somos “morada” divina, porque nosso verdadeiro ser é o que há de Deus em nós; embora a imensa maioria das pessoas não tem consciência disso ainda, não podemos deixar de manifestar o que somos. Deus sempre habita no mais profundo de cada um de nós; podemos ou não entrar em sintonia com essa presença para nos deixar conduzir por ela.

Deus anda abraçado conosco e sua graça banha suavemente todas as dobras do nosso ser e agir. Agostinho cunhará a expressão de que Deus é “intimior intimo meo”, mais íntimo que nossa própria intimidade. Esta presença é fonte de vida espiritual, uma vida que pulsa dentro de nós e flui com diferentes “moções” que nos fazem sentir perto d’Aquele que já está perto.

Em nosso coração há sempre um movimento profundo que é manifestação da ação de Deus no mais íntimo de cada um.

Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e experimentar a comunhão com tudo e com todos. Na linguagem do quarto evangelho, Deus é o “centro” último do nosso interior, o que constitui nossa identidade mais profunda. A expressão do pensador Pascal - “o ser humano supera infinitamente o ser humano” -, resume bem esta vivência da Trindade que nos habita, nos move e nos faz transbordar em nossa mesma intimidade.

É o céu que vem tocar a terra, é Deus que se aloja no coração humano, é o Reino que se entrelaça na configuração de nossa convivência, é a fé que se revela como atitude de confiança inabalável.

Em Deus sempre vivemos. Em Deus nos movemos. Em Deus somos. A Ele nunca vamos. D’Ele nunca saímos. N’Ele sempre nos encontramos. Ele está nos gerando a cada momento (“o ser humano é criado para...).  Precisamos vivenciar a Fonte donde tudo jorra  e onde tudo deságua; precisamos caminhar à luz do Sol primordial, regressar ao seu seio luminoso.

Eis a meta derradeira do ser humano: a auto-transcendência

Ao fazer morada em nós, Deus acende nosso desejo no desejo d’Ele, ativa a nossa vontade na Vontade d’Ele, faz pulsar o nosso coração no ritmo do Coração d’Ele. Ele entra com sua Liberdade nas raizes da nossa liberdade e alarga os espaços internos para que a Vida divina atravesse todas as dimensões de nosso ser, tornando nossa vida mais oblativa, aberta e comprometida. Segundo José  Saramago “a vida é breve, mas cabe nela muito mais do que somos capazes de viver”. 

Podemos ter acesso ao mais profundo de nós mesmos porque em nós está a dimensão de eternidade, a dimensão “divina” que nos situa acima do vai-e-vém das coisas, para além da superficialidade e da aparência.

Enraizados nessa Presença divina que nos habita, podemos transitar pela história com mais sentido e inspiração. Nós nos movemos, pois, entre transcendência e história, entre contingência e eternidade. É no “substrato humano” que o mistério da Trindade marca presença e age. É na “natureza humana” que Deus constrói a Sua Tenda e, na Sua ternura, abraça a pessoa no seu todo; abrange todas as áreas da vida.

Deus se serve das mediações humanas para revelar-se e falar ao coração. Ele quer assumir o humano na sua totalidade. Ele deseja ser o responsável pela “terra sagrada” da vida humana. Da parte de cada pessoa, Ele pede, apenas, para deixá-Lo trabalhar, limpar, semear, fazer crescer e colher os frutos. A pessoa é solicitada para que deixe espaço aberto e livre ao plano da ação de Deus.

É nas entranhas mais profundas do ser que Deus “toca” com a Sua bondade, ternura e misericórdia. Esta experiência gera compromisso de viver a bondade, a ternura e a misericórdia na missão.

Assim é a Trindade amorosa revelada por Jesus, que se deixa “transparecer” no interior e na vida de cada um de nós. Se nos sentimos “morada de Deus”, se verdadeiramente Deus está em nós, devemos necessaria-mente  manifestá-lo em nossa vida. Deus é amor e o melhor de nós é nosso ser amoroso; por isso, também nós devemos ser “diáfanos”, ou seja, deixar transparecer, em nossa vida e em nossa ação, o Deus íntimo, fundamento de nosso ser e identificado com cada ser humano.  Quem é “diáfano” também “vê” o Deus que se deixa transparecer no outro.

Somos presença do amor de Deus no mundo. Os outros descobrirão essa Presença em nossa vida quando manifestemos, através de nossas atitiudes, o que de Deus há em nós: bondade, compaixão, disponibilidade, atitude de serviço aos outros; quando, de verdade, sejamos um ser para o outro, a partir de nosso ser amoroso. Isso significa viver já como seres ressuscitados, uma nova humanidade; isso significa nascer de novo, nascer para a Vida divina, eterna, definitiva. E isto, aqui e agora, sem deixar para mais tarde. 

Texto bíblico:  Jo. 14,23-29

Na oração: Na oração, mergulhamos em Deus e libertamos em nós profundidades que desconhecemos.

Se a nossa oração for um autêntico face-a-face com Deus, ela de-verá fazer emergir à nossa consciência as profundidades desconhecidas do nosso ser. Descobriremos recursos e dons ainda inexplorados, que nascerão para a vida sob a ação da Graça de Deus. Ele é a verdadeira fonte do nosso ser, mais próxima de nós do que nós de nós mesmos.


Pe. Adroaldo Palaoro sj

https://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/2574-a-nobreza-de-ser-morada-da-trindade

* * *