Passei três semanas na agradável e prazerosa companhia de
Ernestina, Ludmila, Fabíola e Milceia, as filhas do coronel Mendonça que vieram
me visitar. Com elas, conheci o músico Conrado, o major Silveira, o doutor
Lustosa, Bibiana, Didá, seu filho João Rafael, Claudionor, Marcelino, o doutor
Ariano Condé, Ziraldo Conceição e algumas outras figuras bastante
interessantes. Pessoas simples e comuns que nos levam a refletir sobre nossas
visões de mundo, nossos medos, nossos preconceitos, nossas paixões
desencontradas, nossos desejos e sonhos postergados, realizados, irrealizados
ou por se realizar.
As meninas do Coronel me levaram a cruzar a fronteira do
tempo e passear pelas ruas tranquilas de uma Salvador ainda pacata, mas já com
ares metropolitanos e suas mazelas. Revivi o tempo em que, ainda estudante de
Letras, morei na casa de minha irmã Maria José Freire na Ribeira e andava
despreocupadamente pela península itapagipana, já que elas eram minhas
vizinhas. Foi um belo retorno ao tempo da delicadeza que tanto nos falta nos
dias de hoje. Com elas, viajei mais um pouco para trás, para a década de 50, e
fizemos ‘footing’ na elegante rua Chile e suas lojas chic. Com Conrado, andei
de bonde da Ribeira à Praça Cayru, tomamos o Elevador Lacerda e saboreamos
deliciosos sorvetes na Cubana. Depois seguimos para vê-lo tocar com sua
orquestra no Palace Hotel, no Tabaris Night Club (onde hoje se localiza o
Teatro Gregório de Matos), no Hotel da Bahia e no Clube Baiano de Tênis.
Todas essas experiências e emoções – com direito a um
variado fundo musical, parte de uma trilha sonora que se gestava naquela época
em bailes dançantes e emissoras de rádio que lançavam novos ritmos e modas como
o rock e a bossa-nova – me foram proporcionadas pelo livro “As meninas do
coronel”, terceiro romance do excelente escritor Aramis Ribeiro. Sua narrativa
nos puxa pelo braço e ganha nossa atenção do começo ao fim através de uma
técnica bastante sedutora que cria um grande suspense em relação ao desenrolar
dos fatos e faz com que atravessemos tranquilamente suas mais de seiscentas
páginas, sempre com gosto de quero mais. E é esta a sensação que sentimos ao
final, uma vontade de continuar em companhia desses personagens demasiado
humanos que o autor nos apresenta de forma magistral.
Aramis Ribeiro faz parte do rol de grandes escritores
contemporâneos, com 28 livros publicados, e que merece maior divulgação,
principalmente aqui na Bahia, sua terra de origem. Depois de ter comentado aqui
no FB sobre o impacto que seu livro de contos “Reportagem Urbana” me havia
provocado, tive o prazer de ser presenteado pelo próprio autor com este
fantástico livro que acabo de ler e recomendo a todos que buscam uma excelente
companhia de leitura. Abaixo encontra-se o link da editora para quem deseja
encomendar. Tenho certeza de que irão gostar. Boa leitura e bom passeio por
esta cápsula do tempo!
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, quando a multidão viu que Jesus não
estava ali, nem os seus discípulos, subiram às barcas e foram à procura de
Jesus, em Cafarnaum. Quando o encontraram no outro lado do mar,
perguntaram-lhe: “Rabi, quando chegaste aqui?”
Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade, eu vos digo:
estais me procurando não porque vistes sinais, mas porque comestes pão e
ficastes satisfeitos. Esforçai-vos não pelo alimento que se perde, mas
pelo alimento que permanece até a vida eterna, e que o Filho do Homem vos dará.
Pois este é quem o Pai marcou com seu selo”.
Então perguntaram: “Que devemos fazer para realizar as obras
de Deus?”
Jesus respondeu: “A obra de Deus é que acrediteis naquele
que ele enviou”.
Eles perguntaram: “Que sinal realizas, para que possamos ver
e crer em ti? Que obra fazes? Nossos pais comeram o maná no deserto, como
está na Escritura: ‘Pão do céu deu-lhes a comer’”.
Jesus respondeu: “Em verdade, em verdade vos digo, não foi
Moisés quem vos deu o pão que veio do céu. É meu Pai que vos dá o verdadeiro
pão do céu. Pois o pão de Deus é aquele que desce do céu e dá vida ao
mundo”.
Então pediram: “Senhor, dá-nos sempre desse pão”.
Jesus lhes disse: “Eu sou o pão da vida. Quem vem a mim não
terá mais fome e quem crê em mim nunca mais terá sede”.
— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.
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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger
Araújo:
“Quem vem a mim não terá mais fome e quem crê em mim nunca
mais terá sede” (Jo 6,35)
Depois da multiplicação dos pães, Jesus, ao perceber que o
povo não tinha entendido nada do que acontecera, pois tentava fazê-lo rei,
retirou-se a uma montanha, sozinho. A multidão ficou satisfeita por ter se
alimentado; ela segue Jesus por aquilo que Ele pode dar. No entanto, a
identificação com Ele e seu projeto passa longe. Seus interesses vão em sentido
contrário à atitude de Jesus de despertá-la para a compaixão e
a partilha. Jesus ensina como repartir, isto é, como as pessoas
precisam ser umas com as outras.
Jesus empenha-se por uma nova humanização, onde as
pessoas possam ser livres, mas elas preferem continuar dependendo de outro
(rei). Enquanto as pessoas buscam alguém que se responsabilize por elas, Jesus
ensina a responsabilidade mútua, a corresponsabilidade. A abundância de
alimento é graça de Deus, mas é igualmente empenho de cada pessoa e de todas
juntas.
A solução para uma nova humanidade não é o dinheiro, o
poder, o domínio ou um milagre externo, mas saber compartilhar tudo com todos.
O problema não se soluciona comprando, o problema se soluciona compartilhando.
A verdadeira salvação não está em que alguém solucione nossos problemas, nem
sequer em ajudar a solucionar todos os problemas dos outros. A verdadeira
liberdade está em superar o egoísmo e estar disposto e dividir com os outros o
que cada um tem e o que cada um é.
“Não temos em nossas mãos a solução de todos os problemas do
mundo, mas diante dos problemas do mundo temos nossas mãos” (Congresso de
jovens latino-americanos).
No entanto, segundo o relato de João, a multidão continua
buscando a Jesus. Há algo n’Ele que a atrai, mas ainda não sabe exatamente por
que o busca nem para quê. As pessoas começam a intuir que Jesus está lhes
abrindo um novo horizonte, mas não sabem o que fazer, nem por onde começar.
“Do outro lado do mar” Jesus começa a conversar com
elas. Há coisas que convém aclarar desde o princípio. O pão material é
importante. Ele mesmo lhes ensinou a pedir a Deus “o pão de cada dia” para
todos.
Comer nunca significa um mero ato biológico de ingerir
alimentos; é sempre um ato comunitário e um rito de
comunhão. À mesa, onde se parte o pão do Senhor, o cristão
aprende a partir e a partilhar o “pão de cada
dia” com os outros.
Além disso, o pão que comemos esconde toda uma
rede de relações anônimas; antes de chegar à mesa, ele passou pelo
trabalho de muitos braços; há muitas lágrimas e suores escondidos em cada pão,
como também há muito de solidariedade e partilha. Portanto, o pão que
é produzido junto deve ser repartido junto e consumido junto. O Senhor resgata
em nós a fome e a sede mais profunda de encontro, partilha e vida. A mesma
necessidade básica nos iguala a todos; a satisfação coletiva nos confraterniza.
Só então podemos, verdadeiramente, pedir: “Senhor, dá-nos sempre desse
pão”.
A conversa de Jesus com o povo, com os judeus e com os
discípulos é um diálogo bonito, mas exigente. Jesus procura abrir os olhos do
povo para que aprenda a ler os acontecimentos e descubra neles o rumo que deve
tomar na vida. Pois não basta ir atrás de sinais milagrosos que multiplicam o
pão para o corpo. Não só de pão vive o ser humano. A luta pela vida sem uma
mística que inspira, não alcança a raiz do próprio ser.
Enquanto vai conversando com Jesus, o povo fica cada vez
mais contrariado com as palavras dele. Mas Jesus não cede, nem muda as
exigências. O discurso parece um funil. Na medida em que a conversa avança, é
cada vez menos gente que sobra para ficar com Ele. No fim só sobram os doze, e
nem assim Jesus pode confiar em todos eles. Esse é o eterno problema da vida
cristã: quando o evangelho começa a exigir compromisso, muita gente se afasta;
quando se trata de seguir e se identificar com uma Pessoa (Jesus), muitos se
refugiam na doutrina, no legalismo, no ritualismo..., vivendo um seguimento
estéril.
O dinamismo do seguimento é gerar vida, fazer o(a)
discípulo(a) viver a partir da verdade mais profunda de si mesmo(a); ou seja,
viver a partir do coração, do “ser profundo”.
“Trabalhai não pelo alimento que perece, mas pelo alimento
que permanece até a vida eterna”.
No gesto da multiplicação dos pães se condensou todo o
caminho de Jesus: vida doada na luta contra todo tipo de sofrimento e fome, na
mesa partilhada onde as relações humanas alimentam a fraternidade do Reino.
Aqui se conecta a essência da Vida de Jesus com a vida dos seus seguidores.
Para a mentalidade bíblica, o pão é um dos sinais
primordiais da graça e do amor com que Deus nos sustenta e nos protege. Diante
do pão estamos face a uma realidade santa. O pão é tratado
com respeito e veneração. O pão é santo porque está associado ao
mistério da vida que é sacrossanta. Em cada pedaço de pão há
mais presença da mão de Deus do que da mão do ser humano.
Para o cristão o pão é ainda mais santo porque
simboliza a reconciliação final de todos no banquete definitivo do
Reino; o pão carrega a promessa de uma plenitude de vida.
O “pão do Reino” já se antecipou e é Jesus mesmo
em sua vida e mensagem; Jesus continua presente na história e na vida de cada
um através do “pão eucarístico”, alimento dos peregrinos rumo à
pátria celeste. Somos eternos insatisfeitos; nunca nos saciamos de pão e
milagres; queremos mais e mais. Isso nos revela que nosso interesse é ter vida
assegurada e o estômago cheio.
Esta realidade nos leva a perguntar: que pão nos sacia?
Porque há pães que, enchendo o estômago, nos tiram a
liberdade. São pães repartidos em escravidão, pães seguros com sabor de suor e
lágrimas; pães de Egito, pães que dão a falsa sensação de saciedade.
Há pães que nos despertam para confiar em Deus; são pães que
chegam providencialmente e de maneira gratuita. Aparecem quando menos esperamos
e tem o sabor do caminho e do encontro. Para qual pão trabalhamos? Ou
ainda, a partir de onde pedimos pão? A partir da segurança e da escravidão ou a
partir da insegurança e da confiança?
Jesus se apresenta a nós como o alimento que não perece.
Buscá-Lo é descobrir o que Deus quer de nós e agradecer o que nos dá para o
caminho. Quem o rejeita fica atado aos pães deste mundo que exigem fadiga,
competição e escravidão. Quem o aceita, liberta-se dos tempos e espaços e se
sacia de confiança.
Que pão buscamos? Que pão desperta outras fomes em nós?
“O que é que nutre realmente o nosso ser essencial?”
“Não somente o nosso corpo, não somente nosso psiquismo, não
somente nossa afetividade, mas o que é que nutre aquilo que não morrerá em
nós?”
“O que é que nutre a eternidade em nós?”
“O que é verdadeiramente nutritivo? O que é que nutre a
nossa identidade?
Texto bíblico: Jo. 6,24-35
Na oração: Não é possível reconhecer o Corpo do
Senhor presente na Eucaristia se não se reconhece o Corpo do Senhor na
comunidade onde alguns passam necessidades. Pois, se fechamos os olhos às
divisões e às desigualdades mentimos ao dizer que Cristo está presente na
Eucaristia.
Enquanto não nos mobilizamos a mudar nossa sociedade de
maneira que mais pessoas aceitem a alegria de compartilhar o pão e
a vida, faltará algo em nossa Eucaristia. Essa “ferida” o cristão deve
sempre tê-la presente.