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segunda-feira, 19 de junho de 2017

UM ARRAIAL ALEGRE – Sherney Pereira


Um Arraial Alegre


            O arraial do Salobrinho era realmente um lugar assaz divertido. O seu povo era alegre e folgazão, tendo na expressão a singeleza das coisas imaculadas. Tudo ali estava bem, e as pessoas viviam individualmente, livres do fantasma do medo, da inveja e da arrogância. Ninguém criticava, discriminações não havia, tudo era belo e risonho.

            Havia brincadeiras das mais variadas, sem agressões e desprovidas da maldade. A alegria de viver era a tônica principal, e as festas tradicionais eram comemoradas com mais vida, mais calor e mais entusiasmo, a exemplo dos ternos-de-reis, promovidos por Dona Pureza, uma sergipana muito alegre e descontraída. Havia os ensaios, os preparativos para que tudo ficasse direitinho e, no dia de santos reis, lá estava Dona Pureza e família arrastando a multidão às ruas.

           Quantas recordações das festas juninas! Fogueiras enormes crepitavam por toda a noite, iluminando as ruas escuras do arraial, além dos balões que coloriam o céu ante os olhares fascinados das crianças.

            No período carnavalesco, cordões e batucadas tomavam conta do lugar. Blocos disputavam entre si o primeiro lugar, porque cada qual queria melhor mostrar o seu trabalho, por isso havia sempre algumas brigas sem maiores consequências. Certa ocasião, o encontro de dois blocos, na Rua do Zinco, redundou numa grande confusão. As porta -bandeiras  aproveitaram o ensejo para extravasarem uma antiga rixa. Nunca vi tamanha balbúrdia... E o saldo daquela parafernália foi muita gente com a cara quebrada, pois a briga envolveu quase todos os foliões.

            Os blocos pertenciam a Amândio Arouca e a Dona Dudu. Apesar dos incidentes desagradáveis que às vezes aconteciam, tudo era considerado como natural, porque só se verificavam estas coisas em épocas festivas, assim mesmo quando alguém se excedia na bebida, para provocar desordens. No mais, tudo transcorria normalmente, sem nenhum problema. As festas natalinas eram promovidas com muito esmero e cuidado: ao longo das pracinhas, viam-se dezenas de barracas, que vendiam adereços, bolas de soprar e uma variedade de brinquedos, enquanto outras sorteavam objetos domésticos.

            No ar, uma música lenta se fazia ouvir... Era o serviço de alto-falante “A Voz do Salobrinho” que, sob o comando do Mestre Leal , tocava uma música suave  do Natal e anunciava aos quatro ventos, convidando o povo para a missa do galo. Aquele serviço de comunicação foi um marco importantíssimo na história do Salobrinho. Através dele, conseguiram-se inúmeros benefícios em prol da comunidade.

            No que se refere às datas comemorativas, creio que foi válida  a nossa modesta participação, porque muitas vezes promovemos festinhas alusivas aos dias das mães, das crianças e dos namorados. Em frente ao Grupo Escolar Herval Soledade, alegrávamos as crianças do arraial com programas de calouros, à proporção em que distribuíamos presentes para a meninada.

            O anoitecer ali era sereno e mais bonito, porque através do serviço de alto-falante , podíamos retransmitir A VOZ MARIANA, um programa religioso que havia na Rádio difusora Sul da Bahia, da cidade de Itabuna e que era levado ao ar todos os dias às dezoito horas. Aos domingos, moças e rapazes solicitavam músicas apaixonadas; quando havia aniversários, casamentos, batizados, aumentavam os pedidos musicais, que deixavam o Salobrinho embevecido.

(SALOBRINHO - ENCANTOS E DESENCANTOS DE UM POVOADO)

Sherney Pereira

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JUNHO - MÊS DE MACHADO DE ASSIS (XII)

Reflexos


Vou rio abaixo vogando
No meu batel e ao luar;
Nas claras águas fitando,
Fitando o olhar.

Das águas vejo no fundo,
Como por um branco véu
Intenso, calmo, profundo,
O azul do céu.

Nuvem que no céu flutua,
Flutua n'água também;
Se a lua cobre, à outra lua
Cobri-la vem.

Da amante que me extasia,
Assim, na ardente paixão,
As raras graças copia
Meu coração.

  
(Machado de Assis)


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Wilson Martins

História interessantíssima

29.05.2004




          Machado de Assis leu, com certeza, Octave Feuillet e Gustave Flaubert, Balzac e Zola, mas, enquanto romancista, sua pátria espiritual era a Inglaterra, “o país do romance”, como a denominou Edmond Jaloux, insuspeito por ser francês. Isso contrariava as expectativas por assim dizer automáticas do leitor brasileiro oitocentista, desorientando boa parte dos críticos, muitos não sabendo o que fazer com aquele corpo estranho que, a partir de “Ressurreição” (1872), caía-lhes de repente sobre a mesa e as idéias feitas. É história interessantíssima, como diria José Dias, ordenada por Ubiratan Machado em livro igualmente interessantíssimo (“Machado de Assis: roteiro da consagração”. Crítica em vida do autor. Rio: EdUERJ, 2003).

          Era romancista vitoriano, oposto, por temperamento, à libertinagem literária do século anterior, supremo artista da litotes no vocabulário e no desenvolvimento narrativo. Adotando no “Brás Cubas” algumas inovações técnicas de Sterne, ele mesmo desencaminhou os críticos de leitura superficial e apressada, que passaram mecanicamente a encará-lo, não como “humorista” autêntico e nativo, mas, nas palavras de Sílvio Romero, como “uma imitação, aliás pouco hábil, de vários autores ingleses”. Não sendo inglês, não podia ser “humorista”, pela simples razão de que o humour (como então se escrevia) é uma secreção orgânica específica da “raça inglesa”, tese defendida num clássico dos estudos machadianos. Ou, ainda no gracioso julgamento de Sílvio Romero: “O humour de Machado de Assis é um pacato diretor de secretaria de Estado e o horrível de seus livros é uma espécie de burguês prazenteiro, condecorado com a comenda da Rosa... (...) O temperamento, a psicologia do notável brasileiro não são os mais próprios para produzir o humour , essa particularíssima feição da índole de certos povos. Nossa raça em geral é incapaz de o produzir espontaneamente”. Ora, o primeiro erro dessa leitura está, precisamente, na suposição todo arbitrária de encará-lo como humorista, o que não é em nenhum dos seus livros, sem excluir o “Brás Cubas”. Os que o afirmam leram-no de afogadilho, saltando páginas à procura de curiosidades tipográficas, sem realmente entender o que estavam lendo. A questão foi colocada por Oliveira Lima em gabarito intelectual mais elevado:

          “É possível que Machado de Assis tenha experimentado a influência de Sterne ou de Swift. Ele admira os bons modelos e preza os antigos como todo homem dado às letras, mas a razão da sua delicadeza parece-me antes estar em que o seu temperamento corresponde ao dos citados autores do século XVII, em que a sua característica urbanidade tão pessoal e imudável, condiz com aquela ironia flagelada mais do que flageladora, com aquela que, se não era ainda dolorosa, já era humana e tinha a refreá-la o respeito das normas, que o romantismo se aprouve em destroçar”.

          Para a “voracidade insaciável dos leitores de língua inglesa”, escreve Jorge de Sena, a leitura de romances substituía a oratória do púlpito ou parlamentar: o romance tornou-se, acima de tudo, um veículo para o conhecimento do homem, uma lição moral, não só pelo que pudesse ter de proveito e exemplo, mas, ainda, como estudo da condição humana e suas paixões, não em abstrato, mas integrada na vida social. A complexidade da intriga, as múltiplas linhas narrativas que se cruzam, a variedade e o antagonismo dos caracteres, tudo devia transmitir a sensação do mundo real.

          É fácil perceber a similaridade de concepção e trama narrativa entre “Iaiá Garcia”, que é de 1878, e “Middlemarch”, de George Eliot, publicado sete anos antes, romance que, “pela amplidão da estrutura, a perspicácia das análises, a problemática complexa, o dramatismo da ação, a serenidade da narrativa, a dignidade intelectual, a consciência do tempo agindo sobre as vidas das personagens”, é, não só “o mais ambicioso dos romances vitorianos” (Jorge de Sena), mas o protótipo de todos eles. Descrição que se pode aplicar, ponto por ponto, a “Iaiá Garcia”, romance geralmente subestimado sob a alegação todo fantasiosa de ser o último de uma suposta “primeira fase”.

          A aceitar tal dicotomia, romance de soberba maturidade intelectual, será, antes, o primeiro da série magistral que terá prosseguimento, justamente, com “Brás Cubas”, romance irônico, este, que se desdobrou em romance dramático. Ao lado de “Dom Casmurro”, que requer leitores amadurecidos e cultos, “Iaiá Garcia” será, dos livros de Machado de Assis, o mais exposto às tresleituras, iniciadas, já no lançamento, com o artigo de Urbano Duarte: “Foi-se também ‘Iaiá Garcia’, e tão desenxabida como no dia em que nasceu. Inda estamos por saber que tese quis o autor desenvolver em seu livro, sendo fora de dúvida que ele quis ali desenvolver qualquer tese. Tratamos de descobrir o fito do pensador em meio daquele langoroso idílio e chegamos à conclusão final de que a sua era uma tese garciológica ”.

          Claro, José Veríssimo situava-se acima dessa indigência mental: “‘Iaiá Garcia’, como ‘Ressurreição’ e ‘Helena’, é um romance romanesco, talvez o mais romanesco dos que escreveu o autor. Não só o mais romanesco, como talvez o mais emotivo. Nos livros que se lhe seguiram, é fácil notar como a emoção é, diríeis, sistematicamente realçada pela ironia dolorosa do sentimento realista de um desabusado”. Veríssimo percebeu por instinto de leitor familiarizado com “homens e coisas estrangeiras”, que “Iaiá Garcia” era um romance vitoriano — até o protagonista Jorge tinha “um nome romanesco”, nome de harmônicas inglesas mais do que evidentes.

          Formados na escola descritiva de Alencar, os leitores da época, sem excluir os melhores, viram-se, de repente, em face de uma nova concepção do romance, custando a reconhecê-la e, mais ainda, a aceitá-la. Caberia a Capistrano de Abreu refletir a perplexidade geral diante do exemplo mais desafiador: “As ‘Memórias póstumas de Brás Cubas’ serão um romance? Em todo o caso são mais alguma coisa”. Essa “coisa” exigia simplesmente um novo tipo de leitor, o leitor para quem a literatura existe nela mesma, sem considerações de qualquer outra ordem. Com corrosiva ironia, Machado de Assis encarregou o finado Brás Cubas de responder “que sim e que não”: era e continua sendo romance para uns, não o sendo para outros. Em Machado, a ambiguidade era a forma específica de afirmação: pede-se aos espíritos de geometria que se abstenham.



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PERVERSIDADE DO COMUNISMO LEVADO ÀS ÚLTIMAS CONSEQUÊNCIAS

19 de junho de 2017
Plinio Maria Solimeo
Ossuário de vítimas dos comunistas do Khmer Rouge no Combodge

A doutrina comunista é intrinsecamente má, mesmo em suas formas mais atenuadas. Entretanto, quando levada às suas últimas consequências, ela se torna verdadeiramente satânica. Um pavoroso exemplo disso foi o ocorrido no Cambodge, quando o Khmer Rouge (ou Khmer Vermelho — guerrilheiros do partido comunista daquele país) conquistaram o poder e procuraram extirpar da nação, pelos meios mais violentos, qualquer vestígio de civilização ocidental. O objetivo deles era criar o utópico “homem novo”, para o qual era necessário dizimar completamente a população e recomeçar tudo do zero.

País pobre e sofrido

O Cambodge fica no sudoeste da Ásia e sucedeu ao Império Khmer hinduísta e budista, que reinou praticamente em toda a península da Indochina. Tem fronteiras com a Tailândia, o Laos e o Vietnã. Com 96% de sua população formada por seguidores do budismo — religião oficial do Estado —, possui uma pequena comunidade muçulmana, outra católica, e algumas tribos das montanhas.

O país vive principalmente da agricultura (57,6% da população ativa), do turismo e da indústria de confecções. Há pouco tempo foram descobertos petróleo e gás natural em suas águas territoriais. Embora no final dos anos 90 tenha havido um forte desenvolvimento econômico, graças ao afluxo de investimentos internacionais e ao turismo, o país é muito pobre: 31% de sua população vivem abaixo do limite da pobreza.

Essa pobreza foi muito acentuada a partir do ano de 1975, com a tomada do poder pelo Khmer Rouge, formado por comunistas da linha maoísta mais radical. É dessa época que vamos tratar.

Radicalidade no mal

Antigo protetorado francês, o Cambodge ganhou sua independência em novembro de 1953, quando se tornou uma monarquia constitucional com o rei Norodom Sihanouk [foto ao lado].

Muito bem armados pela China comunista, membros do movimento guerrilheiro Khmer Rouge iniciaram no fim da década de 60 uma bem-sucedida investida terrorista. Em 1975 tomaram Phnom Penh, capital do país, bem como algumas de suas cidades principais, nas quais instalaram um regime de terror. Sem Deus nem entranhas, eles evacuaram violentamente as cidades — inclusive os hospitais — e obrigaram todos os seus habitantes a marchar, quase sem água nem alimento, rumo à floresta ou a campos de trabalho forçado. Para que não pensassem em voltar, muitas vezes queimavam suas casas.

Milicianos de um movimento profundamente igualitário, eles simplesmente eliminavam, ou mandavam executar os trabalhos mais servis, os “parasitas da sociedade” que tivessem aparência de intelectual ou de pertencerem à elite.Desse modo liquidaram sumariamente quase todos os médicos, engenheiros, advogados, professores e membros da administração anterior.

Os guerrilheiros khmers rouge [foto ao lado] aboliram a propriedade privada e não davam qualquer importância ao dinheiro, que era jogado nas ruas como coisa sem valor. Os doentes dos hospitais que não podiam acompanhar a marcha forçada para a floresta se arrastavam pelas ruas e morriam pelo caminho, sem atendimento médico nem remédios.

Phnom Penh transformou-se numa cidade fantasma, enquanto milhares de pessoas morriam de fome ou doenças nos campos de concentração, quando não eram simplesmente assassinadas.

O Khmer Rouge destruía de modo sistemático todas as fontes de alimento que não podiam ser controladas facilmente pelo Estado; cortou árvores frutíferas, proibiu a pesca, interditou o plantio e a colheita do arroz silvestre que dava nas montanhas. Sua sanha levou-o a abolir até mesmo os remédios e os hospitais. Apesar da penúria em que ficou o povo, exportava os alimentos e recusava as ofertas de ajuda humanitária. Também destruiu bibliotecas, templos, eliminando tudo aquilo que pudesse lembrar o Ocidente ou ser obstáculo ao regime.

Desse modo, segundo estimativas, as vítimas fatais do Khmer Rouge chegaram aproximadamente a três milhões, ou seja, cerca de um quarto da população.

Invasão dos vietnamitas

Esse regime maoísta era tão cruel, que o seu vizinho Vietnã, apesar de comunista, temendo que o caos provocado se instalasse em seu território, invadiu o Cambodge e derrubou o regime dos khmers vermelhos, que passou para a clandestinidade e a luta de guerrilhas.

Entretanto, para o sofrido país quase não houve alteração, pois o regime de “Lúcifer” apenas fora mudado pelo de “Satanás”, sendo os comunistas vietnamitas apenas um pouco menos radicais que os do Khmer Rouge.

Durante toda a década dos 80, sob o jugo comunista do Vietnã, o Cambodge continuou a ser arruinado e dividido segundo o resultado dos combates. A falta de alimentação e de remédios provocou devastações, e as epidemias milhares de mortos. Nesses nefastos anos, centenas de milhares de refugiados cambojanos fugiram para a Tailândia.

Volta a uma seminormalidade

Com a retirada dos vietnamitas em 1989 e o envio de forças da ONU no princípio dos anos 90, aos poucos a normalização começou a voltar, embora persistissem muitas violações da lei e arbitrariedades.

O atual primeiro-ministro do Cambodge é Hun Sem. Ele foi colocado pelos vietnamitas e vem se mantendo no poder graças a três eleições duvidosas, realizadas em clima de violência política. Sihanouk voltou ao poder em 1993, mas abdicou em 2004 em favor de seu filho mais novo, Norodom Sihamoni.

A Igreja Católica no Cambodge tem atualmente 23 mil fiéis, num país de quase 16 milhões de habitantes (0,14% da população). Eles eram 65 mil em 1970, mas foram sucessivamente exterminados pelo regime do Khmer Rouge: primeiramente de 1975 a 1979, e depois durante a ocupação vietnamita (1979-1989). Em 1990 só restavam cinco mil, pois 92% haviam sido assassinados ou fugiram.

Com a volta de uma relativa normalidade, no Domingo de Páscoa de 1990 — pouco depois do fim do comunismo vietnamita — foi novamente possível celebrar uma missa pública nesse tão dilacerado país.

Museu do Genocídio Tuol Sleng contêm milhares de fotos tiradas pelo Khmer Vermelho de suas vítimas.
Os 35 mártires do Cambodge

Durante a diabólica ocupação dos khmers rouge, muitos católicos, como dissemos, foram martirizados. Está em curso o processo de beatificação de 35 deles — entre os quais um bispo, missionários estrangeiros, sobretudo franceses, sacerdotes locais e catequistas leigos —, mortos de fome ou de exaustão, ou simplesmente assassinados.

Dom Joseph Chmar Salas, bispo de Phnom Pen, que encabeça a lista desses mártires, morreu de fome aos 40 anos, num campo de concentração. Seus pais recolheram sua cruz peitoral, em torno da qual os prisioneiros católicos se reuniam para fazer suas orações.

É espantoso notar que, apesar de todas essas abominações e morticínios (calcula-se que um quarto da população foi exterminado), o Khmer Rouge obteve na época o reconhecimento de 63 países como verdadeiro governo do Cambodge e indicação para ter assento na ONU!

Epilogo

David Roberts, especialista em Direitos Humanos no sudeste asiático, descreve muito bem o atual Cambodge: “Um Estado de livre mercado vagamente comunista, com uma coalizão relativamente autoritária governando uma democracia superficial”.

Entretanto, apesar desse trágico quadro, a Igreja Católica está progredindo. Só na Vigília Pascal deste ano, 300 cambojanos nela ingressaram pelo Santo Batismo.
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Notas; 

[i] Cfr. https://fr.wikipedia.org/wiki/Cambodge
[ii] Id. Ib.
[v] https:en.wikipedia.org/wiki/Cambodia#cite­_note-ReferenceA-16



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