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terça-feira, 18 de abril de 2017

UM ANJO NEGRO – Helena Borborema

Um Anjo Negro 


          O pequeno cortejo apontou na entrada da rua. Pelo aspecto dos dois homens que carregavam a rede, podia-se notar que estavam muito cansados, mas assim mesmo apressavam os passos o quanto podiam, meio vergados sob o peso do fardo que carregavam. Atrás da rede, três acompanhantes, dois homens e uma mulher. Os passantes olhavam a cena com indiferença. Já estavam acostumados a ver diariamente redes como aquela, portando um morto ou doente grave de tiro ou de mordedura de cobra e, por último, da febre braba. O pequeno grupo parou na porta do Quartel, onde estava o delegado de polícia e a rede foi arriada no chão poeirento. Aquele caso era grave; nem sabiam se o homem lá dentro, todo crivado de balas, ainda respirava. Veio o delegado e espiou o ferido.

          - Quem fez este trabalho?

          - Cinco jagunços, seu delegado.

          - O homem já está morto, levem daqui. Conhecem algum dos criminosos?

          - Nenhum.

          - Que querem que eu faça? Carreguem a rede daqui.

          Um débil gemido desmentiu a opinião apressada do responsável pela polícia. A mulher chorosa espia o seu homem semimorto e pede suplicante: - Nós queremos um doutor.

          Moscas começaram a voejar sobre o ferido. O sangue já embebera parte do lençol que o cobria e o fundo da rede.

          - Que diabo querem que eu faça? Parados aqui na rua é que não podem ficar. Procurem outro lugar para onde ir.

          Aquilo era rotina, um fato banal no dia-a-dia da vila. O que queriam apurar, se nem sabiam quem fizera tamanho estrago naquele homem? Naquelas matas era difícil descobrir-se um malfeitor, geralmente bem apadrinhado.

          - Pelo menos, seu delegado, vamos deixar o homem aqui, enquanto chamamos o doutor para ver se ainda salva ele – rogou a mulher limpando, com o polegar, o suor que lhe descia pela testa.

          Sem dar resposta, o delegado afastou-se impaciente. Que ano aquele! Já não bastava a febre que estava quase a dizimar a população e o obrigava a um nunca mais acabar de atender a pedidos de guias de enterramentos. Doido estava para deixar o cargo, do qual já havia pedido demissão. Felizmente, era só o tempo de chegar o substituto, ia ele remoendo com seus botões. Aquele ano foi só para morrer gente; além dos que eram derrubados por tiros, agora juntavam-se as vítimas da febre. Nem à noite tinha descanso, queixava-se a si próprio. Era sempre uma agonia ouvir as rezas cantadas dos que desfilavam nas ruas quietas: Ave! Ave! Ave Maria! Ave! Ave! Ave Maria!, quando a pequena procissão, à luz das velas dos fiéis, passava lenta. De pedaço em pedaço todos paravam, se ajoelhavam e batiam no peito cantando contritos o “Senhor Deus, misericórdia”.

          Nessas procissões iam, devotamente, senhoras simples do povo, mulheres da vida, ao lado das senhoras dos coronéis. O terror da morte que descera na vila, igualava a todos na piedade. Quantos a maligna já não tinha vitimado? Tanto fazia pobre como rico, tanto velho como moço, em dois ou três dias se findavam. A febre sem nome, ou melhor, a “febre braba”, surgiu de repente e dia a dia ia, de casa em casa, levando a morte. Rara era a casa onde não se velava um defunto ou doente. As redes e caixões se cruzavam nas ruas e o pavor era o que se estampava no rosto de todos. O único médico e o farmacêutico já não sabiam mais como atender a tanta gente. Remédio específico não havia.. O povo se valia do quinino, banhos de determinadas folhas (três ou quatro por dia) e chás. Mensageiros de famílias se empenhavam diariamente nos matos da Marimbeta, do Mutucugê, do Lava-pés, em busca das plantas indicadas, enquanto nas cozinhas o fogo nunca se apagava, fervendo caldeirões de folhas para o banho salvador.

          Era dentro desse quadro aterrador, temendo pela própria vida, que o delegado se via obrigado a atender casos como aquele que ora se lhe deparava, do ferido na rede, crivado de balas.

          Da casa em frente, a mulher de um rico coronel assistia à cena. Sentiu que a ocasião era de fazer penitência e caridade para Deus se apiedar da família dela e da população. E resolveu intervir.

          Tragam o ferido e arreiem a rede em meu passeio. Felismino, vá depressa chamar o Dr. Lopes ou o Dr. Nilo na farmácia.

          O moleque Felismino sai em disparada. Não demorou muito para aparecer um jovem negro de maleta de médico na mão. Ali mesmo, sob o sol ardente, examina o doente. O caso é grave. Uma bala atravessara o queixo de um lado a outro. Um braço com vários tiros já demonstrava sinais adiantados de gangrena, uma perna transfixada de balas com ossos partidos, o tórax atravessado de lado a lado.

          - Doutor Lopes, tenha dó dessa criatura. Confio no senhor, abaixo de Deus -, implorou a mulher do coronel.

          Não há hospital. Não há Casa de Misericórdia. Nada. Mas sob a pele preta daquele médico morava um anjo que era bondade pura; sem medir distância ou olhar classe social, ele servia a todos com a mesma dedicação, sempre pronto. Tanto fazia ser endinheirado como pobre, a dedicação era a mesma, a bondade uma só.

          Viajava longe a cavalo por estradas difíceis para atender num mísero casebre. Atendia a partos complicados nas roças, pessoas mordidas de cobra, era um só para tudo. Para Doutor Lopes a profissão era um apostolado. E naquele instante, no meio da luta diária de casa em casa, atendendo aos doentes de febre, o jovem médico toma as providências. Pede à senhora apenas uma sala, um galpão, um lugar onde possa operar, pois só com uma cirurgia urgente tentará salvar aquela vida. Uma sala vazia é arranjada, uma mesa de almoço é cedida caridosamente e, ali, com toda aquela precariedade, doutor João Soares Lopes opera. E salva aquela vida. É a vitória da bondade e da competência.

          Um braço foi amputado, o queixo ficou com uma funda cicatriz, mas, meses depois, com uma pequena claudicação, Chico Cotó, como passou a ser chamado, voltava feliz à sua pequena propriedade.


(TERRAS DO SUL)

Helena Borborema

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HELENA BORBOREMA -  Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município. (A autora)

Conhecida professora itabunense, filha do Dr. Lafayette Borborema, o primeiro advogado de Itabuna. É autora de ‘Terras do Sul’, livro em que documento, memória e imaginação se unem num discurso despretensioso para testemunhar o quadro social e humano daqueles idos de Tabocas. Para a professora universitária Margarida Fahel, ‘Terras do Sul’ são estórias simples, plenas de ‘emoção e humanidade, querendo inscrever no tempo a história de uma gente, o caminho de um rio, a esperança de uma professora que crê no homem e na terra’.  (Cyro de Mattos)


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DOIS MESES ANTES - Chico Xavier

ABRIL 17, 2017


Grande confeitaria paulista, ao anoitecer. Clientela numerosa.

Quando Olavo Dias, denodado trabalhador da seara espírita, se aproxima do caixa para efetuar o pagamento de certa compra, surge a atordoada:

– Ladrão! Ladrão! Pega o ladrão! Pega! Pega!

Alia-se um guarda a robusto balconista e agarra pobre homem, extremamente mal vestido, que treme ao apresentar grande pacote nas mãos.

– Ele roubou de um freguês – grita o caixeiro, como que triunfante ao guardar a presa.

Quase todos os rostos se voltam para o infeliz.

O policial apresta-se para as providências que o caso lhe sugere, mas Olavo Dias avança e toma a defesa.

– Não é um ladrão – explica – e não admito qualquer violência.

E no propósito de ajudá-lo, Olavo mente, afirmando:

– É meu empregado e, decerto, retirou o pacote julgando que me pertencesse.

Enérgico, toma o embrulho, devolve-o ao gerente, pede desculpas pelo engano e afasta-se com o desconhecido, dando-lhe o braço, como se o fizesse a um parente, diante dos circunstantes perplexos.

Dobrando, porém, a primeira esquina, dirige-lhe a palavra, admoestando:

– Ora essa, meu caro! Sou espírita e um espírita não deve mentir. Entretanto, fui obrigado a isso para defendê-lo. 
O interpelado mergulha a fronte nas mãos ossudas e explica em lágrimas:

– Doutor, roubei porque tenho seis filhos com fome… Sou doente do peito… Não acho serviço…

– Bem, bem – falou Olavo, comovido –, não estou aqui para fazê-lo chorar.

Condoído, abriu a bolsa, deu-lhe o concurso possível e perguntou-lhe pelo endereço.

O infeliz declarou chamar-se Noel de Souza, deu os nomes da esposa e dos filhos e informou residir nas proximidades da Vila Maria, em modesto barracão.

O benfeitor, realmente sensibilizado, prometeu visitá-lo na primeira oportunidade, e, finda uma semana, ei-lo de automóvel a procurar pela casinha distante.

Depois de algum esforço, localizou-a.

Encontrou a senhora Souza e os seis filhinhos esquálidos, mas o dono da casa não estava. 
Saíra para angariar socorro médico.

Olavo, tocado de compaixão, fez quanto pôde pela família sofredora e, ao despedir-se, ouviu a dona da casa dizer-lhe sob forte emoção:

– Um dia, se Deus quiser, Noel há de retribuir o senhor por tudo o que está fazendo…

Precisando deixar S. Paulo, em função da vida comercial, Olavo recomendou os novos protegidos a diversos companheiros, e esqueceu a ocorrência.

II
Decorridos seis meses, Olavo, certo dia, chega apressado ao aeroporto de grande cidade brasileira.

Precisava viajar urgentemente, mas não tem passagem. Arriscar-se-á, no entanto, à aquisição de última hora.

Retendo pequena pasta, procura na multidão um amigo que o precedera, minutos antes, com o fim de ajudá-lo, até que o vê a pequena distância, acenando-lhe a que se apresse.

O problema está resolvido. Basta que apresente a documentação necessária.

Avança, presto, mas alguém cruza o caminho. Sente-se abraçado numa explosão de ternura.

Olavo tenta quebrar o impedimento afetivo, mas reconhece Noel de Souza e estaca, surpreendido.

– Você… aqui?

O amigo está humildemente trajado, mas limpo e alegre.

– Sim, doutor, preciso vê-lo – confirma o interlocutor.
 – Agora, não – falou Olavo, contrafeito.

Como se não lhe anotasse o azedume, o outro tomou-lhe o braço e arrasta-o docemente para fora do raio de visão do companheiro que o espera.

– Souza, não me detenha, não me detenha… – roga Olavo, inquieto.

– Escute, doutor, preciso agradecer-lhe…

E como se não lhe pudesse escapar da mão, Olavo escuta-lhe a fala entediado e impaciente. Noel refere-se à esposa e aos filhos e repete frases de gratidão e carinho.

Depois de alguns instantes, Dias, revoltado, desvencilha-se e abandona-o sem dizer palavra. Alcança o amigo, mas é tarde. 
O avião não pudera esperar.

Acabrunhado, vê, de longe, o aparelho de portas cerradas, na decolagem.

Bastante desapontado, busca Noel de Souza para ouvi-lo com mais atenção, já que perdera a viagem. Entretanto, por mais minuciosa a procura, não mais o encontra.

Daí a quatro horas, recebe trágica notícia.

O aparelho em que disputara lugar caíra de grande altura, sem deixar sobreviventes.

Intrigado, regressa a S. Paulo e corre a visitar a choupana de Noel.
Quer vê-lo, abraçá-lo, comentar o acontecimento. Mas, no lar modesto de Vila Maria, veio a saber que Souza desencarnara dois meses antes.

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Do cap. 21 do livro Almas em Desfile, de Hilário Silva, psicografado pelos médiuns Waldo Vieira e Francisco Cândido Xavier.


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"O IMPEACHMENT FOI A MELHOR COISA QUE PODERIA TER OCORRIDO PARA O NOSSO PAÍS"

Brasil 17.04.17

 
Janaína Paschoal escreveu ao O Antagonista sobre este um ano do impeachment de Dilma Rousseff:


"Após um ano do afastamento de Dilma Rousseff, vieram a público fatos ainda mais graves do que aqueles debatidos durante o processo de impeachment. Em sua delação (não contestada pelos envolvidos), Marcelo Odebrecht afirma ter se reunido com Graça Foster, no Hotel Transamerica em São Paulo, para tratar do pagamento de propinas. Só o que interessava a Graça era saber se além do PMDB, o PT também seria beneficiado. Marcelo diz que, relativamente a um contrato, Graça não entregou o combinado e ele foi pessoalmente falar com Dilma. Marcelo falou abertamente a Dilma que PMDB e PT haviam sido pagos pelo contrato. No lugar de denunciar os crimes, Dilma pediu a Mantega e a José Eduardo Cardozo que intermediassem o conflito entre Marcelo e Graça. Ou seja, ela queria que a Odebrecht continuasse sendo contemplada."

Mas não é só, acrescentou uma das advogadas do impeachment:

"Emílio Odebrecht confirmou o que escrevemos em nossa denúncia, ao trazer detalhes das operações feitas com a ditaduras parceiras do petismo. Lula garantiu a liberação do dinheiro pelo BNDES e, depois, Dilma perdoou a dívida. Como faláramos, já em setembro de 2015, o conluio entre Odebrecht, Lula e Dilma é inegável. No lugar de enfrentar os fatos, como fez durante todo o processo de impeachment, o advogado de Dilma ressuscita a teoria da vingança. Trata-se de uma cortina de fumaça para, novamente, fugir de explicar as graves imputações. Aproveitam o fato de haver muitos políticos e partidos acuados, para tentar dar cores à ficção do golpe. A estratégia deles é a maior prova de sua culpa."

Janaína completou:

"O que veio à tona após o afastamento de Dilma prova que fizemos um grande bem ao país, tirando esse partido do poder. A prova que Dilma sempre soube e participou ativamente de tudo é que, apesar das revelações, ela continua fazendo cara de paisagem. Ela é muito mais esperta do que parece. Enganados fomos nós. Como sempre disse, que caia quem tiver que cair, não tenho partido nem político de estimação. O impeachment foi a melhor coisa que poderia ter ocorrido para o nosso país. Se voltássemos no tempo, pediria o impeachment de novo. A única diferença seria que a delação da Odebrecht seria anexada."





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