Um estado de espírito elevado, oposto ao prosaísmo das
coisas
♦ Plinio Corrêa de
Oliveira
Denomino “europeização” a compreensão do que a Europa tem de
bonito e a adoção do estado de espírito do europeu. Não seria uma pura
valorização do que há na Europa, mas a aquisição de um modo de ser inspirado no
europeu.
Os europeus procuram organizar a vida de modo belo, com
valores positivos. Em suas casas, por exemplo: se há uma janela disponível,
eles colocam um vaso com gerânios; se há um jardinzinho, plantam flores com
desenhos lindos; tendo um belo panorama, aparecem artistas para ver, pintar,
fotografar; comentam o panorama e extasiam-se com ele; expõem quadros com as
pinturas. Tudo aquilo vai entrando na cultura do povo.
Os brasileiros, entretanto, ao contrário dessa impostação de
alma, geralmente não incorporam as coisas com aquele estado de espírito do
europeu, mesmo tendo nós panoramas realmente bonitos. Se adquirissem esse
estado espírito, ficariam com apetência desse tipo de prazer intelectual. Bem
diferente da apetência pela politicagem, pela sensualidade, pela torcida
desenfreada no esporte… São defeitos contra os quais se deve remar.
Há nisso um sentido religioso? Há, evidentemente, pois as
coisas magníficas da natureza nos foram dadas pela Providência para nos
elevarmos a Deus. São imagens da sublimidade d’Ele. É evidente que a posição de
fechamento, de não se ter a alma aberta em relação ao sublime, leva as pessoas
para o que é prosaico. Portanto, representa um fechamento para a imagem que
Deus colocou nas coisas criadas por Ele. Tal fechamento para os aspectos
sublimes das coisas representa, substancialmente, algo de antirreligioso.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira em 31 de outubro de 1966. Esta transcrição não passou pela revisão
do autor.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Lucas.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, Jesus estava na margem do lago de
Genesaré, e a multidão apertava-se ao seu redor para ouvir a palavra de Deus.
Jesus viu duas barcas paradas na margem do lago. Os
pescadores haviam desembarcado e lavavam as redes.
Subindo numa das barcas, que era de Simão, pediu que se
afastasse um pouco da margem. Depois sentou-se e, da barca, ensinava as
multidões.
Quando acabou de falar, disse a Simão: “Avança para águas
mais profundas, e lançai vossas redes para a pesca”.
Simão respondeu: “Mestre, nós trabalhamos a noite inteira e
nada pescamos. Mas, em atenção à tua palavra, vou lançar as redes”.
Assim fizeram, e apanharam tamanha quantidade de peixes que
as redes se rompiam. Então fizeram sinal aos companheiros da outra barca,
para que viessem ajudá-los. Eles vieram, e encheram as duas barcas, a ponto de
quase afundarem.
Ao ver aquilo, Simão Pedro atirou-se aos pés de Jesus,
dizendo: “Senhor, afasta-te de mim, porque sou um pecador!”
É que o espanto se apoderara de Simão e de todos os seus
companheiros, por causa da pesca que acabavam de fazer.
Tiago e João, filhos de Zebedeu, que eram sócios de Simão,
também ficaram espantados. Jesus, porém, disse a Simão: “Não tenhas medo! De
hoje em diante tu serás pescador de homens”.
Então levaram as barcas para a margem, deixaram tudo e
seguiram a Jesus.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Roger
Araújo:
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Viver em redes... sem enredar-se
“Avança para águas mais profundas, e lançai vossas
redes...” (Lc 5,4)
Indiscutivelmente, Jesus é o misterioso visitante que cada
dia chega até nós para advertir que precisamos nos libertar do tedioso
cotidiano, quando ele se torna convencional e, não raro, carregado de
desencanto, pesado, estressante... Corremos o risco de sermos apenas imitadores
ou repetidores, pois tememos nos perder na busca do novo, bloqueando o
desenvolvimento pessoal e comunitário.
O encontro com Jesus nos arranca da rotina, do “sempre
fizemos assim” e nos desafia a “pescar” de maneira diferente; sua presença
alarga nossa mente e nosso coração instigando-nos a sair dos nossos estreitos
mares e entrar no movimento do vasto mar que Ele nos oferece.
Em quê grau Sua presença nos desperta para aquilo que
devemos ser como seus(suas) seguidores(as)? São grandes os riscos de vivermos
em mares tão estreitos; é cômodo perceber, delimitar, defender e fechar-nos no
próprio mar. Isso fazemos de maneira tão zelosa que nem vemos aquilo que está
para além da margem onde nos estabilizamos.
Tal estreiteza de vida aprisiona a solidariedade e dá margem
à indiferença, à insensibilidade social, à falta de compromisso com as mudanças
que se fazem urgentes. O próprio espaço se torna uma couraça e o sentido do
serviço some do horizonte inspirador de tudo aquilo que se faz.
Hoje, o lago de Tiberíades se converteu numa grande rede que
abarca o mundo inteiro. Mas, o que as pessoas buscam nessa grande rede? E,
sobretudo, o quê estamos oferecendo nela para evangelizar?
Com um só click podemos chegar a milhões de pessoas, podemos
fazer muito bem, mas também podemos criar muita confusão e inclusive repulsa,
podemos levar a mensagem de Jesus ou simplesmente fazer transparecer todo o
nosso ego inflado, cheio de si mesmo. As redes sociais têm seus perigos, mas
também tem suas grandes oportunidades que não podemos desperdiçar. Vamos nos dando
conta que, enquanto não evangelizemos a partir dos meios eletrônicos modernos,
não poderemos encher nossas redes de peixes. O seguimento de Jesus implica hoje
a necessidade de evangelizadores nas redes sociais.
Tendo as ferramentas em mãos (nossas pobres barcas e redes)
e sendo portadores de uma mensagem de vida (o evangelho) somos movidos por
Jesus a “ser pescadores do humano”. No mar das redes sociais ressoa mais uma
vez o apelo de Jesus: “fazei-vos pescadores do humano”. Frente a esta nova
realidade, quê tipo de profecia responde melhor a nossa peculiar forma de
cooperar na missão do Espírito do Abbá e de Jesus.
Estamos no mundo das telas: através delas nos
interconectamos, transmitimos informações, saberes. As diversas telas tendem à
convergência: com um só dispositivo, fixo ou móvel, podemos falar, enviar e
receber fotos, música, vídeos e qualquer tipo de arquivo; com o “boom” das
redes sociais podemos fazer isso com o grupo que elegemos em cada
momento.
Se há algo que caracteriza nosso tempo é a nova consciência
de ser rede-comunhão-interconexão-unidade. Encontramo-nos em um tempo
surpreendente: as espetaculares inovações tecnológicas nos convidam a entrar
numa inimaginável rede de informações, imagens, conexões... Nosso planeta está
dotado de uma complexíssima textura de comunicações. Com apenas alguns clics
oferece-se, diante de nós, um mundo complexo, de graça e maldade, de alianças
para o bem e para o mal, de luzes e trevas.
E aí estamos nós, seguidores(as) de Jesus, “em-redados(as)”,
nos perguntando por nossa identidade cristã, na vivência do Evangelho e na
missão de nos fazer presentes neste “novo mundo”. Todos já sabemos que tudo
está interconectado: a globalidade é interação. Lentamente vai-se tomando
consciência de que formamos parte de um todo. A realidade vai se revelando como
um manto sem costuras, sem fraturas, onde todos estamos implicados e
comprometidos.
“Rema mar adentro!”, ressoa a voz de Jesus. A multidão
permanece em terra; somente Pedro e seus companheiros se adentram no mar profundo.
Este apelo de Jesus é muito simbólico. Em grego “bados” e em latim “altum”
significam profundidade (alto mar); só nas profundezas é que se pode extrair o
mais autêntico do ser humano, o que é mais nobre e divino.
Tudo o que, em vão, buscamos na superfície, está dentro de
nós. Mas, ir mar adentro não é tão fácil como pode parecer. Exige ultrapassar
as seguranças do “eu superficial” e adentrar-nos nas incontroladas águas de
nosso ser profundo. Confiar naquilo que não controlamos exige uma fé-confiança
autêntica. Dizia Teilhard de Chardin: “Quando descia ao profundo de meu ser,
chegou um momento em que não ‘dava mais pé’ e parecia que me deslizaba para o
vazio”.
O mar era o símbolo das forças do mal. “Pescar homens” era
um dito popular que significava tirar alguém de um perigo grave. Não quer
dizer, como se entendeu com frequência, fazer proselitismo ou converter as
pessoas à força para a religião cristã. Aqui quer dizer: ajudar as pessoas a
sair de todas as opressões que lhe impedem crescer e desenvolver suas
potencialidades. Só pode ajudar o outro a sair da influência do mal aquele que
encontrou o que é mais verdadeiro e nobre dentro de si mesmo.
Neste contexto atual, onde corremos o risco de nos converter
em pessoas “grudadas” a uma tela, se faz mais necessário que nunca humanizar a
rede para “pescar o humano” que está escondido no oceano interior de cada um.
Esta humanização requer, em primeiro lugar, muita responsabilidade.
Tudo isto nos leva a pensar que na rede há uma grande
necessidade de silêncio (“silêncio na rede”), precisamente para que possamos
ouvir a verdade com amor. Há excessivas palavras que afogam, notícias falsas,
“bullings”, campanhas desqualificadoras e comentários feitos com extrema má
educação. Sobretudo nas páginas religiosas, precisamos de um silêncio
construtivo para que se escute a verdade que liberta.
Silêncio construtivo significa utilizar uma linguagem
propositiva, compreensiva, que estenda pontes de diálogo, que escute o outro
que é diferente, que leve em conta o que “o outro” diz, talvez um aspecto da
realidade que nos tinha escapado.
Silêncio construtivo significa tomar partido pelos mais
fracos e excluídos; significa usar uma linguagem que sare as feridas, que
reconstrua os vínculos quebrados. Uma página (mensagem) que só busca condenar,
que só revela intolerância e preconceito, não pode ser evangélica.
Literalmente, “há demasiado disparos” que desumanizam. Precisamos do azeito do
consolo que cura as feridas, o vinho da esperança que nos une como irmãos acima
das diferenças, o pão da compaixão que alimenta e eleva ...
É preciso fazer a “travessia” do estreito mar de nossa vida,
onde nossas inúteis barcas e redes só “pescam” futilidades e lixo, para o
grande oceano que Jesus nos oferece, carregado de vida e vida em plenitude.
Texto bíblico: Lc 5,1-11
Na oração: “Rema mar adentro e desce ao profundo de teu
ter!” É um convite dirigido a todo ser humano. Sem essa profundidade, não é
possível a plenitude humana. A contemplação é o único caminho.
“Não é necessário que percorras os mares buscando alimento;
aprende a pescar em teu próprio mar interior; o que com tanto afinco buscas
fora de ti, já tens ao alcance da mão, dentro de ti. Se não tens pescado
nada, quê poderás oferecer aos outros? Se não tens aprendido a pescar, como
poderás ensinar a outros? Dá verdadeiro sentido à tua vida e ajudarás os outros
a atingir o mesmo”. (cf. Fray Marcos)