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domingo, 28 de maio de 2017

MACHADO E O REALISMO CÉTICO - Antonio Olinto

Machado e o realismo cético


Vive a literatura brasileira sob a inarredável presença de Machado de Assis, que nos empurra de um lado para outro, exige que o decifremos e analisemos, que o neguemos várias vezes antes de curvarmos a cabeça diante de sua força. Quem foi na realidade o Bruxo, de que maneira se apossou ele da inteligência e das emoções de um País? Conquistou um estilo que não se confunde com nenhum outro, compreendeu-nos como ninguém e até zombou de nós todos que vivemos neste vale de ciúmes.

A vasta bibliografia machadiana passou a ter, nesta passagem de um século a outro, mais uma análise de boa qualidade. É a do recém-lançado livro de Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, "Freud e Machado de Assis: uma interseção entre psicanálise e literatura". Postou-se aí o autor em posição correta diante da esfinge Machado, ao dizer, desde o começo, que a psicanálise é "um saber conjuntural e conjectural", que leva a "dúvida" como base de um caminho. Também na "dúvida" se colocava Machado em sua análise do inconsciente, de modo parecido com o que Freud adotaria anos mais tarde. Foi na literatura (Ésquilo, Sófocles, Shakespeare, Goethe, Dostoievski) que Freud encontrou exemplos que pudessem elucidar suas teses. Talvez por ser, a literatura, ao contrário do estilo monológico das ciências exatas, o diálogo sendo também um caminho para a dúvida, enquanto o monólogo busca a certeza.

A parte central do livro de Luiz Alberto é a análise das mulheres de/em Machado de Assis, principalmente suas mulheres "pecadoras": a Virgília de "Memórias Póstumas de Brás Cubas", a Marcela do mesmo romance, a Sofia de "Quincas Borba" e Capitu de "Dom Casmurro". Em contextos diferentes, analisa também Helena, Iaiá Garcia, a Flora de "Esaú e Jacó", Fidélia e Carmo de "Memorial de Aires". O ciúme e a traição envolvem os personagens, em tragédias silenciosas ou não tanto, em textos a que não faltam o humor e a ironia. A densidade psicológica da população machadiana abre caminhos na compreensão de um relismo antes de tudo cético. Nota o autor do livro de agora:

"O texto machadiano, na atualidade, está muito valorizado na medida em que ele está fundado no pessimismo e no humor. Machado percebia, com clareza, o lado trágico das relações humanas. Este lado trágico, já presente em Shakespeare e Sófocles, para citar dois autores muito presentes na literatura freudiana, nos fala do permanente mal-entendido dos encontros humanos, de um ser humano permanentemente acossado por outro, pelas forças da natureza, bem como pelo pior de todos os detratores - seu mundo interno."

A primeira "pecadora", Virgília, apresenta uma certa naturalidade gozosa no adultério. O "realismo cético" surge, em "Brás Cubas", com uma força literária que vinha revelar um novo Machado, em nada parecido com o de "Ressurreição", "Iaiá Garcia" e "Helena". Falando em "filosofia cética e proustiana", cita Luiz Alberto trecho de "Brás Cubas", em que Brás diz:

"Creiam-me, o menos mau é recordar; ninguém se fie da fidelidade presente; há nela uma gota de baba de Caim. Corrido o tempo e cessado o espasmo, então sim, então talvez se pode gozar deveras, porque entre uma e outra dessas duas ilusões, melhor é a que se gosta sem doer".

Nada mais "realismo cético" do que isto. Mas logo depois, em "Quincas Borba", mais atravessado de tragédia do que seus outros romances, paixão, ciúme, e loucura se misturam. O ciúme está acima de tudo, principalmente no homem, no macho, oprimido pela mulher que atrai outras atenções.

A Sofia de "Quincas" não trai, mas joga o jogo da sedução em que envolve tanto o marido, Palha, como o apaixonado Rubião, na ingenuidade que o tornou insano. Luiz Alberto chama-a de "metade gente, metade cobra". Seus diálogos, com o marido de um lado, com Rubião do outro, são obras primas de atração por parte da mulher, com idas e vindas entre o oferecimento e a quase entrega, ligados a um recuo em que a sedução se esmera em abrir uma certeza para o futuro. Ela brinca também com o marido, chamando-lhe a atenção para o assédio tranquilo do apaixonado.

Capitu é, sem dúvida, o ápice da criação literária brasileira, com seus olhos de ressaca, sua objetividade no armar situações e seu fim mais ou menos solitário. Se Virgília traiu e Sofia deu a entender que sim, mas não, de Capitu há certezas num e noutro lado. Os livros de Fernando Sabino e Domicio Proença Filho dizem e não dizem, o brasilianista William Grossman, professor na Universidade de Nova York, organizador de um julgamento em que seus alunos dariam o veredicto de traição ou não, depois das falas de um promotor e uma advogada de defesa (o resultado absolveu Capitu) estão entre os muitos que se curvaram sobre o mistério de Capitu.

Dir-se-ia que Machado, que foi feliz no casamento (a Carmen de "Memorial de Aires" seria um retrato de Carolina) aceitava a frase que Victor Hugo colheu no Chateau de Chambord, "Souvent femme varie/Bien fol est qui s'y fie!" (Muitas vezes a mulher varia/Bem tolo é quem nela se fia!). Hugo usou os versos em seu texto "Le roi s'amuse" e a adaptação da ópera de Verdi, inspirada em Hugo, "Rigoletto" popularizou a "La donna è mobile"...

"Freud e Machado de Assis: uma intercessão entre psicanálise e literatura", de Luiz Alberto Pinheiro de Freitas, merece atenção. Lançamento da Editora Mauad, projeto gráfico do Núcleo de Arte Mauad.

Tribuna da Imprensa em 09/01/2002


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Antonio Olinto - Quinto ocupante da Cadeira nº 8 da ABL, eleito em 31 de julho de 1997, na sucessão de Antonio Callado e recebido em 12 de setembro de 1997 pelo acadêmico Geraldo França de Lima. Recebeu o acadêmico Roberto Campos. Faleceu dia 12 de setembro de 2009.

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MENSAGEM DO PAPA FRANCISCO PARA O 51ª DIA MUNDIAL DAS COMUNICAÇÕES SOCIAIS

Mensagem do Papa Francisco 
para o 51º Dia Mundial das Comunicações Sociais



Tema: «“Não tenhas medo, que Eu estou contigo” (Is 43, 5).
Comunicar esperança e confiança, no nosso tempo»
[28 de maio de 2017]


Graças ao progresso tecnológico, o acesso aos meios de comunicação possibilita a muitas pessoas ter conhecimento quase instantâneo das notícias e divulgá-las de forma capilar. Estas notícias podem ser boas ou más, verdadeiras ou falsas. Já os nossos antigos pais na fé comparavam a mente humana à mó da azenha que, movida pela água, não se pode parar. Mas o moleiro encarregado da azenha tem possibilidades de decidir se quer moer, nela, trigo ou joio. A mente do homem está sempre em ação e não pode parar de «moer» o que recebe, mas cabe a nós decidir o material que lhe fornecemos (cf. Cassiano o Romano, Carta a Leôncio Igumeno).

Gostaria que esta mensagem pudesse chegar como um encorajamento a todos aqueles que diariamente, seja no âmbito profissional seja nas relações pessoais, «moem» tantas informações para oferecer um pão fragrante e bom a quantos se alimentam dos frutos da sua comunicação. A todos quero exortar a uma comunicação construtiva, que, rejeitando os preconceitos contra o outro, promova uma cultura do encontro por meio da qual se possa aprender a olhar, com convicta confiança, a realidade.

Creio que há necessidade de romper o círculo vicioso da angústia e deter a espiral do medo, resultante do hábito de se fixar a atenção nas «notícias más» (guerras, terrorismo, escândalos e todo o tipo de falimento nas vicissitudes humanas). Não se trata, naturalmente, de promover desinformação onde seja ignorado o drama do sofrimento, nem de cair num otimismo ingénuo que não se deixe tocar pelo escândalo do mal. Antes, pelo contrário, queria que todos procurássemos ultrapassar aquele sentimento de mau-humor e resignação que muitas vezes se apodera de nós, lançando-nos na apatia, gerando medos ou a impressão de não ser possível pôr limites ao mal. Aliás, num sistema comunicador onde vigora a lógica de que uma notícia boa não desperta a atenção, e por conseguinte não é uma notícia, e onde o drama do sofrimento e o mistério do mal facilmente são elevados a espetáculo, podemos ser tentados a anestesiar a consciência ou cair no desespero.

Gostaria, pois, de dar a minha contribuição para a busca dum estilo comunicador aberto e criativo, que não se prontifique a conceder papel de protagonista ao mal, mas procure evidenciar as possíveis soluções, inspirando uma abordagem propositiva e responsável nas pessoas a quem se comunica a notícia. A todos queria convidar a oferecer aos homens e mulheres do nosso tempo relatos permeados pela lógica da «boa notícia».

A boa notícia

A vida do homem não se reduz a uma crónica asséptica de eventos, mas é história, e uma história à espera de ser contada através da escolha duma chave interpretativa capaz de selecionar e reunir os dados mais importantes. Em si mesma, a realidade não tem um significado unívoco. Tudo depende do olhar com que a enxergamos, dos «óculos» que decidimos pôr para a ver: mudando as lentes, também a realidade aparece diversa. Então, qual poderia ser o ponto de partida bom para ler a realidade com os «óculos» certos?

Para nós, cristãos, os óculos adequados para decifrar a realidade só podem ser os da boa notícia: partir da Boa Notícia por excelência, ou seja, o «Evangelho de Jesus Cristo, Filho de Deus» (Mc 1, 1). É com estas palavras que o evangelista Marcos começa a sua narração: com o anúncio da «boa notícia», que tem a ver com Jesus; mas, mais do que uma informação sobre Jesus, a boa notícia é o próprio Jesus. Com efeito, ao ler as páginas do Evangelho, descobre-se que o título da obra corresponde ao seu conteúdo e, principalmente, que este conteúdo é a própria pessoa de Jesus.

Esta boa notícia, que é o próprio Jesus, não se diz boa porque nela não se encontra sofrimento, mas porque o próprio sofrimento é vivido num quadro mais amplo, como parte integrante do seu amor ao Pai e à humanidade. Em Cristo, Deus fez-Se solidário com toda a situação humana, revelando-nos que não estamos sozinhos, porque temos um Pai que nunca pode esquecer os seus filhos. «Não tenhas medo, que Eu estou contigo» (Is 43, 5): é a palavra consoladora de um Deus desde sempre envolvido na história do seu povo. No seu Filho amado, esta promessa de Deus – «Eu estou contigo» – assume toda a nossa fraqueza, chegando ao ponto de sofrer a nossa morte. N’Ele, as próprias trevas e a morte tornam-se lugar de comunhão com a Luz e a Vida. Nasce, assim, uma esperança acessível a todos, precisamente no lugar onde a vida conhece a amargura do falimento. Trata-se duma esperança que não dececiona, porque o amor de Deus foi derramado nos nossos corações (cf. Rm 5, 5) e faz germinar a vida nova, como a planta cresce da semente caída na terra. Visto sob esta luz, qualquer novo drama que aconteça na história do mundo torna-se cenário possível também duma boa notícia, uma vez que o amor consegue sempre encontrar o caminho da proximidade e suscitar corações capazes de se comover, rostos capazes de não se abater, mãos prontas a construir.

A confiança na semente do Reino

Para introduzir os seus discípulos e as multidões nesta mentalidade evangélica e entregar-lhes os «óculos» adequados para se aproximar da lógica do amor que morre e ressuscita, Jesus recorria às parábolas, nas quais muitas vezes se compara o Reino de Deus com a semente, cuja força vital irrompe precisamente quando morre na terra (cf. Mc 4, 1-34). O recurso a imagens e metáforas para comunicar a força humilde do Reino não é um modo de reduzir a sua importância e urgência, mas a forma misericordiosa que deixa, ao ouvinte, o «espaço» de liberdade para a acolher e aplicar também a si mesmo. Além disso, é o caminho privilegiado para expressar a dignidade imensa do mistério pascal, deixando que sejam as imagens – mais do que os conceitos – a comunicar a beleza paradoxal da vida nova em Cristo, onde as hostilidades e a cruz não anulam, mas realizam a salvação de Deus, onde a fraqueza é mais forte do que qualquer poder humano, onde o falimento pode ser o prelúdio da maior realização de tudo no amor. Na verdade, é precisamente assim que amadurece e se entranha a esperança do Reino de Deus, ou seja, «como um homem que lançou a semente à terra. Quer esteja a dormir, quer se levante, de noite e de dia, a semente germina e cresce» (Mc 4, 26-27).

O Reino de Deus já está no meio de nós, como uma semente escondida a um olhar superficial e cujo crescimento acontece no silêncio. Mas quem tem olhos, tornados limpos pelo Espírito Santo, consegue vê-lo germinar e não se deixa roubar a alegria do Reino por causa do joio sempre presente.

Os horizontes do Espírito

A esperança fundada na boa notícia que é Jesus faz-nos erguer os olhos e impele-nos a contemplá-Lo no quadro litúrgico da Festa da Ascensão. Aparentemente o Senhor afasta-Se de nós, quando na realidade são os horizontes da esperança que se alargam. Pois em Cristo, que eleva a nossa humanidade até ao Céu, cada homem e cada mulher consegue ter «plena liberdade para a entrada no santuário por meio do sangue de Jesus. Ele abriu para nós um caminho novo e vivo através do véu, isto é, da sua humanidade» (Heb 10, 19-20). Através «da força do Espírito Santo»,podemos ser «testemunhas»e comunicadores duma humanidade nova, redimida, «até aos confins da terra»(cf. At 1, 7-8).

A confiança na semente do Reino de Deus e na lógica da Páscoa não pode deixar de moldar também o nosso modo de comunicar. Tal confiança que nos torna capazes de atuar – nas mais variadas formas em que acontece hoje a comunicação – com a persuasão de que é possível enxergar e iluminar a boa notícia presente na realidade de cada história e no rosto de cada pessoa.

Quem, com fé, se deixa guiar pelo Espírito Santo, torna-se capaz de discernir em cada evento o que acontece entre Deus e a humanidade, reconhecendo como Ele mesmo, no cenário dramático deste mundo, esteja compondo a trama duma história de salvação. O fio, com que se tece esta história sagrada, é a esperança, e o seu tecedor só pode ser o Espírito Consolador. A esperança é a mais humilde das virtudes, porque permanece escondida nas pregas da vida, mas é semelhante ao fermento que faz levedar toda a massa. Alimentamo-la lendo sem cessar a Boa Notícia, aquele Evangelho que foi «reimpresso» em tantas edições nas vidas dos Santos, homens e mulheres que se tornaram ícones do amor de Deus. Também hoje é o Espírito que semeia em nós o desejo do Reino, através de muitos «canais» vivos, através das pessoas que se deixam conduzir pela Boa Notícia no meio do drama da história, tornando-se como que faróis na escuridão deste mundo, que iluminam a rota e abrem novas sendas de confiança e esperança.


Vaticano, 24 de janeiro – Memória de São Francisco de Sales – do ano de 2017.

Franciscus



© Copyright - Libreria Editrice Vaticana



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PALAVRA DA SALVAÇÃO (28)

Ascensão do Senhor - Domingo 28/05/2017

Anúncio do Evangelho (Mt 28,16-20)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Mateus.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado. Quando viram Jesus, prostraram-se diante dele. Ainda assim alguns duvidaram. Então Jesus aproximou-se e falou: “Toda a autoridade me foi dada no céu e sobre a terra. Portanto, ide e fazei discípulos meus todos os povos, batizando-os em nome do Pai e do Filho e do Espírito Santo, e ensinando-os a observar tudo o que vos ordenei! Eis que estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”.


— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.


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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Paulo Ricardo:


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ASCENSÃO: subir à Galileia, descer em direção ao vasto mundo

“Os onze discípulos foram para a Galileia, ao monte que Jesus lhes tinha indicado” (Mt 28,16)


Hoje culmina o tempo de páscoa com a celebração da festa da Ascensão de Jesus. “Ressurreição”, “Ascensão”, “sentar-se à direita de Deus”, “envio do Espírito Santo”, são todas realidades pascais; constituem um só “mistério” que está fora do alcance dos sentidos e do nosso conhecimento.

O mistério pascal é tão rico que não podemos abarcá-lo com uma única imagem; por isso temos que desdobrá-lo para ir aprofundando calmamente e expressá-lo no nosso modo de viver o seguimento de Jesus. Os três dias para a Ressurreição, os quarenta dias para a Ascensão, os cinquenta dias para a vinda do Espírito Santo, não são tempos cronológicos, mas teológicos. Eles nos revelam a maneira de ser de Deus, não o tempo em que Ele atua.

A Ascensão nos faz refletir sobre um aspecto do mistério pascal. Trata-se de descobrir que a posse da Vida por parte de Jesus é total. Participa da mesma Vida de Deus e, portanto, está no mais alto do “céu”.

Segundo o relato de Mateus, indicado para a festa deste ano, não há ascensão propriamente dita, mas revelação e presença do Senhor Jesus na Montanha da Galileia, com sua palavra, sua presença e seu envio missionário.

Esta eleição da Galileia é muito provocativa. Galileia remete à vida histórica de Jesus. No centro da Galileia se eleva a montanha da nova e definitiva revelação de Deus em Jesus Cristo; essa montanha é coração e centro permanente da terra. O evangelista Mateus quer ressaltar que a Judeia (Jerusalém) havia rejeitado Jesus e já não era o lugar onde alguém devia encontrar-se com o Ressuscitado.

Jesus não ressuscita nem triunfa em Jerusalém, mas na “montanha da Galileia”, ou seja, naqueles que foram os lugares e paisagens de sua vida. Jesus foi a Jerusalém para dar testemunho e manter seu projeto, sendo ali assassinado. Por isso, o evangelho não pode começar em Jerusalém, com seu templo, sacerdotes, soldados, mas na Galileia, o lugar das pessoas que sofrem e que são excluídas, que buscam e escutam a Palavra.

Galileia significa a terra da história de Jesus: ali sua palavra é escutada, ali sua mensagem é vivida. Mas, ao mesmo tempo, Galileia aparece nesta passagem como ponto de partida de um caminho que deve dirigir-se ao conjunto dos povos. Assim, desde a obscura província de Jesus, se expandirá um caminho salvador universal que está fundado na experiência de sua Páscoa.

"Aquele que desceu é o mesmo que subiu acima dos céus para plenificar o universo com sua presença". (Ef 4, 10) A citação de S. Paulo vem desfazer certa tendência a considerar Jesus na Ascensão como alguém que partiu, que nos deixou, que está mais acima, “no céu”, enquanto que nós ficamos aqui “gemendo e chorando neste vale de lágrimas”. Não é assim. Não podemos continuar pensando em um Jesus subindo fisicamente para além das nuvens.

Para poder entender a festa da Ascensão, devemos voltar ao tema central da Páscoa. Estamos celebrando a Vida, essa Vida que não está sujeita ao tempo e ao espaço, que é plenitude, eterna e imutável. Jesus não vai a nenhum lugar, senão que permanece com os seus (“estarei convosco todos os dias, até o fim do mundo”). Isso significa que Ele ressuscita e atua em seus amigos e amigas, naqueles que vivem e espalham, com suas vidas, a Grande Mensagem de vida.

Na Ascensão, Jesus nem partiu nem se ausentou; não nos deixou órfãos nem solitários. Ele permanece para sempre entre nós pelo seu Espírito Santo: no céu, na terra e em todo lugar. E principalmente conosco e em cada um de nós; não só está ao nosso lado, mas também dentro de nós, “fazendo morada em nós”.

Recordemos as experiências das Aparições do Ressuscitado, onde Jesus foi nos ensinando como nos encontrar com Ele e a estar com Ele: na “Palavra”, na “fração do pão”, na “Eucaristia”, compartilhando nossa vida, como pão de vida para os outros, no “perdão salvador”, no “serviço”, nos “sacramentos”, no “próximo”, na “missão evangelizadora e apostólica”, na “construção do Reino”, no mundo e na realidade social na qual vivemos, praticando a fraternidade e justiça social, segundo “os sinais dos tempos”, etc.

Na Ascensão, não se trata tanto de “vir e regressar”. Os espaços não existem para Deus. Trata-se de diferentes modos de presença. Mais que “subida” e afastamento, a Ascensão de Jesus é “descida e presença”. Sua presença expansiva alcança uma profundidade e uma longitude que sua presença física não pudera alcançar. Assim podemos encontrá-Lo em todos os lugares e em todas as pessoas.

Jesus desce com os seus da montanha do evangelho para estender entre todos os povos sua presença. Está com os seus, neles, com eles... Esta é sua Ascensão, sua grande “descida”.  Ele não permanece na Montanha para construir ali uma pirâmide ou templo, uma grande corte pascal, mas para reunir os seus e enviá-los, e descer/estar com eles em todo o mundo.

Estes “onze” da Ascensão são (somos) todos, homens e mulheres na Montanha do Evangelho, para começar de novo, desde a periferia do mundo, como humanidade nova, como grupo, unidos no amor, todos e todas formando a grande comunidade da nova montanha da vida.

A tarefa fundamental que Ele nos confia é clara: “fazer discípulos” seus todos os povos. Não se trata de ensinar doutrinas, nem ritos, nem normas morais, mas de ativar em todos uma maneira alternativa de viver, centrada no modo de proceder do próprio Jesus, ou seja, trabalhar para que no mundo haja homens e mulheres que vivam como discípulos e discípulas d’Ele, seguidores(as) que aprendam a viver como Ele; que o acolham como Mestre e não deixem nunca de aprender a ser livres, justos, solidários, construtores de um mundo mais humano.

 “Homens da Galileia, porque ficais aqui parados, olhando para o céu” (At 1,11) É como se dissesse: “olhem a terra e todas as pessoas, vejam suas lágrimas e angústias”, assumam tudo como algo próprio dos discípulos e discípulas de Jesus; ocupem-se em transformar toda a realidade com os valores do Reino, inspirem homens e mulheres a serem presença do amor e da justiça junto àqueles que mais sofrem, despertem a vida atrofiada e escondida naqueles que perderam o sentido de sua existência, prolonguem em suas vidas aquela presença original de Jesus... 

De fato, Ascensão significa o início da missão da nova comunidade ressuscitada. Na Ascensão, enquanto Jesus “sobe” ao Pai, nós “descemos”  à realidade para transformá-la, tornando presente o Reino. Quando amamos, cuidamos, servimos... também nos elevamos. E o que nos eleva está em nosso interior: nós nos elevamos à medida que descemos em direção à humanidade.

Como Jesus, a única maneira de alcançar a meta é descendo até o mais fundo. Aquele que mais “desceu”, é também Aquele que mais alto “subiu”. Muitas vezes preferimos seguir um Jesus no “céu”, distante, glorificado, a quem rendemos honras. Descobri-Lo dentro de nós mesmos, nos outros e no mundo é demasiado exigente e comprometedor. Muito mais cômodo é continuar “olhando para o céu...” e não nos sentir implicados naquilo que está acontecendo ao nosso redor.

Texto bíblico:  Mt 28,16-20

Na oração: No seguimento de Jesus vivemos em estado de constante ascensão. Ascendemos na medida em que “descemos” e nos fazemos presentes na realidade cotidiana, através do serviço, do compromisso. O Ressuscitado nos espera na vida cotidiana (nossa Galileia) quando vivemos a partir do amor e da doação.
- faça “memória” dos lugares e situações que que você vive experiências de ascensão.

Pe. Adroaldo Palaoro sj


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