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Deus, ó Deus, onde estás que não respondes?
Hoje não acordei muito bem. Estava triste. Apressei-me em ir
à praia. Logo de saída, vi o sol que me trouxe um pouco de alegria. Depois vi
uma árvore cheia de folhas amarelas, característica do outono. Mas naquela
árvore havia também folhas verdes, lembrando o verão e algumas secas anunciando
o inverno. O mais bonito, porém, é que surgindo em cima da árvore, estava um galho
com flores revivendo a primavera. Fiquei ali em frente àquela árvore curtindo
os mistérios da natureza. Numa mesma árvore, as quatro estações. De repente, me
identifiquei com aquela árvore.
Dentro de mim havia também as quatro estações.
Há dias de verão em que tudo sorri, mas há também dias sombrios de inverno.
Nesta altura, o meu mundo interior já estava em pleno verão. Olho para frente
vejo o mar e apresso-me junto dele, a louvar a Deus. Mas, de súbito, um
espetáculo diante dos meus olhos me entristeceu: Uma mulher catando lixo num
vasilhame de um edifício de luxo da Delfim Moreira.
“Deus, onde estás que não respondes?” Foi este o grito que
surgiu dentro de mim. Servi-me das palavras de Castro Alves.
Como pode acontecer isto? Em pleno século XX quando se fala
tanto dos direitos da pessoa humana, uma cena dessas.
Meu Deus será que você não vê isto?
Aproximei-me daquela mulher, se é que se pode chamá-la
assim, dado o seu aspecto de miséria. Não sei o que ia fazer, mas cheguei
perto. Logo, porém me afastei. A pobre ria e falava sozinha, parecia
satisfeita. Ainda bem, pensei, pelo menos consegue ser feliz no seu delírio.
Fui para o meu passeio, olhei e curti todo o que vi.
Na volta, ainda vinha pensando naquela mulher, quando me
pareceu ouvir Deus falando comigo: “Sou eu ou o homem que não vê? Quem lhe
disse que não respondo? O homem me solicita? Ou ele se basta?”
Realmente, costumamos culpar Deus. Dizemos sempre: “Deus
quer assim”. É cômodo transferir para Deus a nossa preguiça, a nossa
acomodação. Deus só quer o nosso bem, mas não poderá fazer tudo sem a nossa
colaboração.
Extraído do livro “CARROSSEL” de Marília Benício dos Santos
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