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sexta-feira, 17 de fevereiro de 2017

O MÉDICO E A VIDA: UM GESTO DE AMOR!- Antonio Carlos Hygino

15/03/2016
O Médico e a Vida: um gesto de Amor!
                                                                                                              

Ao Dr.  Álvaro Andrade

Manhã de segunda-feira. Por volta das 10:00hs., chega ao hospital local D. Maria acompanhada de Gracinha, como era conhecida a sua filha Maria das Graças, de quatorze anos de idade. A mãe era o retrato da  aflição. O olhar revelava tristeza, dor e desgosto profundos. Estava descontrolada.
Agitada ao extremo. Chorava e aos gritos chamava pelo obstetra de plantão. Gracinha estava perturbada, atônita, confusa, quase sem ação. Deixava-se conduzir por sua genitora pelos corredores do nosocômio. Estava absorvida pelo medo e dominada pela fúria materna. Os enfermeiros que ali se encontravam buscavam acalmá-la, mas ela estava indócil.

Conduzida à presença do plantonista e, de frente para dele, face a face, sem que houvesse qualquer diálogo, retirou da bolsa um escrito e o entregou dizendo-lhe: É urgente!

O médico, à medida que lia o documento, sua expressão facial se transformava. Afinal, o que estava ali escrito ia de encontro aos seus princípios éticos e religiosos. Tratava-se de autorização judicial para retirada do feto.

O conflito apoderou-se de seu ser. Não podia deixar de cumprir a determinação judicial e, por outro lado, se a cumprisse estaria a violentar sua consciência.

Envolto nesse dilema, a insistência da genitora da adolescente na realização imediata do aborto, consumia-lhe a mente e lhe feria a alma.

Buscando adiar a decisão, tentou acalmá-la pedindo que se sentasse. Enquanto isso, num cantinho do consultório, acomodava a adolescente numa maca para examiná-la.

Voltando-se para a genitora, perguntou-lhe o que havia acontecido? Ela, então, debulhando-se em lágrimas, disse que a sua filha havia sido violentada pelo padrasto e que dele encontrava-se grávida. Disse-lhe, também, que o fato foi comunicado à autoridade policial e que ele se encontrava preso.

Na justiça,  confessou ele, despudoradamente, o mal que houvera feito, acrescentando que  agiu sem o consentimento de sua enteada, desvirginando-a antes que outrem o fizesse.
A horrenda confissão lhe  arrancou do peito todo sentimento que por ele nutria.

Foram conviver quando Gracinha contava com dois anos.
Estavam juntos há cerca de dez anos, de cuja união nasceram dois filhos. Daí, o seu sofrimento, dor e mágoa.
   
Após ouvir o relato, decidiu pelo cumprimento da ordem judicial.

A menina chorava na maca. Instintivamente sabia que o seu filho ser-lhe-ia arrancado do ventre.

Girando a cadeira na direção em que se encontrava a aflita menina, pensou consigo: “É certo que a gestação decorreu de uma violência contra àquela menina, mas por que responsabilizar a criança que ela carrega em seu ventre por um crime que ela não cometeu?

Voltou-se, então, para D. Maria e objetivando despersuadi-la, argumentou: Antes de dar início aos trabalhos, eu vou colocar uma música para a Senhora ouvir. É uma música única. É uma música que fala de Deus, do amor e da vida.
Após ouvi-la, a Senhora irá me dizer se prossigo ou não, ok?
Ela consentiu.

Com suave ternura, pediu-lhe  para fechar os olhos; relaxar  e abrir a alma e espírito.

Aproximou-se da menina e delicadamente pediu-lhe para ficar calma. Em seguida deu início ao exame de ultrassonografia, deixando o aparelho  em viva voz …

Alguns segundos depois, todos ouviram a música. Era mais ou menos assim: “tum....tum....tum....tum....tum....tum....tum...tum....tum....tum.... tum... tum... tum...tum”...

À medida que ouvia a melodia, o semblante da angustiada mãe se modificava, ficando mais leve … embora os olhos ainda estivessem fechados, lágrimas deslizavam mansamente no seu rosto...

Alguns minutos se passaram e, ainda com o aparelho ligado, o médico esclareceu: “Essa música que a Senhora está a ouvir é o coração de seu neto ou neta a pulsar.  Ela revela o amor e a bondade de Deus a oportunizar a um ser humano o dom vida”.

Diga-me, então, desligo ou não a música?

Sorrindo ternamente e com o rosto ainda molhado, ela respondeu: “meu neto não tem culpa. Deixe-o nascer”.

Enternecido, abraçando-as, em silenciosa oração agradeceu a Deus por ter lhe permitido salvar mais uma vida.


Antônio Carlos de Souza Hygino
Juiz de Direito



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O HOMEM - Antonio Pereira Sousa

O Homem


O mundo em que vivemos é uma construção do próprio homem. Da mais remota antiguidade até nossos dias, o nosso conhecimento e domínio sobre a natureza vêm se expandindo grande e incessantemente.

Longe já se vai o tempo em que fabricamos o machado de pedra. Basta olhar em torno para sentir o avanço dos novos bens a nossa disposição, todos elaborados por nós. São exemplos dessa afirmação o avanço dos meios de transporte e os de comunicação, o desenvolvimento da ciência médica e da tecnologia de alimentos.

Para realizar esse mundo de coisas, aconteceu a ação determinada das pessoas. Era um fazer e desfazer, ajustar e substituir, modificar e aperfeiçoar, tudo ocorrendo sob facilidades e dificuldades impostas pelas condições do espaço de cada sujeito, de cada grupo.

Foi nesse campo de luta que, na simultaneidade, cresceu e se desenvolveu o caráter do homem, tomaram forma as atitudes que moldaram as diferenças entre as pessoas e fizeram surgir a diversidade de nossa cultura: jeitos de ser, gosto, anseio, forma variada de pensar, modos de sentir, agir e reagir.

Esse é o homem da história, do mundo concreto que precisa ser cuidado.

Conhecer esse homem é possível. Ele se revela a partir de seus feitos. Pois, nesse fazer, enquanto realizamos os bens úteis para nossa sobrevivência, construímos nosso universo mental, a partir do qual nossa subjetividade ganha potência. Eis que surge aí a nossa alma, nossa Razão, a essência que nos faz ser homem, uma espécie de natureza distinta dos demais animais.

É mesmo a razão que nos torna capaz de ter consciência do que somos, por determinar nossa individualidade, reconhecer nossa conduta e nos qualificar como homens num reino animal sem história de si.

O homem, então, é história e é razão:
- É história porque tomou consciência do problema do tempo, ao se libertar do círculo estreito das necessidades e desejos imediatos, reconhecendo uma experiência anterior que lhe possibilitou a existência social e construiu um presente que passa a divisar um mundo novo à frente.

- É razão por se livrar dos preconceitos, dos mitos, das opiniões enraizadas, das aparências e conseguir estabelecer critérios universais, o que nos possibilita argumentar, rebater, discutir, levar a termo e concluir. O pensador Agostinho (354-430) nos ajuda nessa compreensão: Razão é o movimento da mente que pode distinguir e correlacionar tudo o que se aprende.

O homem como história e razão torna-se um patamar, uma base. É dessa base que nós imprimimos nossa caminhada na direção da imensurável e inesgotável abundância da realidade e o poder irrestrito do intelecto humano. É uma busca do infinito. Somos um caminhante do tempo. O círculo em que vivemos tem se ampliado no impulso das realizações concebidas sob influência de diferentes teorias.

Nesse universo de ideias, Max Scheler (1824-1928) declara que: Em nenhum outro período do conhecimento humano, o homem tornou-se mais problemático para si mesmo que em nossos próprios dias. Essa incerteza que dificulta saber quem somos deveu-se a capacidade que desenvolvemos para viver. Para além de nosso sistema receptor e de efetuador (os instintos), que são encontrados em todas as espécies de animais, ampliamos nosso poder quando passamos a utilizar de um sistema simbólico, estabelecendo uma nova dimensão para a realidade.

Agora o homem reconhece a existência de contingências externas e submete tudo a um lento e complicado processo de pensamento elaborado a partir de diferentes experiências vividas em cada canto do mundo.

O homem é história, é razão e é animal simbólico. Esse universo simbólico é a moldura que nos faz traçar caminhos, desenhar possibilidades, levando-nos a viver emoções imaginárias em esperanças e temores, ilusões e desilusões, em fantasia e sonhos.

Antônio Pereira Sousa
Mestre em História Social e escritor. Ilhéus – Bahia.



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