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quinta-feira, 2 de abril de 2020

VAI DAR TEMPO - Joaquim Falcão


Sempre que o Presidente Trump aparece na televisão, está acompanhado de médicos e cientistas. Ele fala e depois cede para eles o microfone. O Primeiro Ministro Boris Johnson decide com ajuda dos cientistas do Imperial College. Quando informado, muda, inclusive, sua política. Cede aos cientistas. Antes contra, agora a favor da quarentena.

O governador João Doria está sempre acompanhado de grandes médicos e cientistas. Angela Merkel decide consultando cientistas alemães. Aqui mesmo, no início, o Presidente Bolsonaro aparecia acompanhado do entusiasmado e confiante ministro Mandetta. Agora nem tanto.

O que significa este visível ritual, união entre poder político e conhecimento científico?

A autoridade constitucional máxima da nação, seja Primeiro Ministro ou Presidente, qualquer uma, diz aos telespectadores mais ou menos o seguinte: “Eu sou a autoridade política e legal máxima de meu país. A última palavra é minha.  Mas estou baseando esta autoridade máxima na ciência”.

A aplicação da constituição não é apenas pacto ou arena de interesses sociais competitivos. Que ganham ou perdem a cada interpretação do Supremo. Ou nova lei do Congresso.

Como dizia o prof. Portella Nunes, da Academia Nacional de Medicina: ao interpretar a vida temos que partir sempre de uma verdade básica.

Os cientistas são como legisladores também. A ciência inspira a aplicação da constituição.

O problema é que a ciência não tem um só rumo certo e eficiente. Nem hoje sabe com exatidão para onde nos mandar. Nos salvar.

Não existe ainda o tratamento, os remédios, a vacina redentora. Que faria da verdade básica a verdade completa. Ainda que efêmera. O que fazer então? Seguir quem e para onde?

Existe claro vácuo. Que não pode ser apropriado pela anticiência, pelas trevas da ignorância. Solta no ar do voluntarismo autoritário.

Disse o Prêmio Nobel Jacques Monod:  o acaso da evolução do mundo cria as necessidades. Como enfrentar novo acaso?

Primeiro. Se precisamos de isolamento social, precisamos também de união científica. É o que corre nível mundial. Cientistas, professores e alunos juntos.

No Brasil o Sírio-Libanês, LACC, Einstein, Hcor e dezenas de universidades, laboratórios privados têm se unido para trocar informações, bancos de dados, novos softwares e algoritmos. Uns com os outros. Fundação Oswaldo Cruz no Rio sempre à frente.

Imaginar e experimentar todas as hipóteses possíveis. Mesmo nesta época onde a ciência avança tanto como arte combinatória, quanto pelas hipóteses dedutíveis. Descobrir é experimentar.

Estranho, porém, é que nos trilhões de dólares que os governos estão distribuindo esta prioridade não esteja explícita: reforçar as instituições públicas e privadas, seus projetos e seu pessoal.

Sem eles teremos vida precária. Nem mesmo vida econômica, alerta o Presidente Sarney: sem comprador e vendedor. Fim.

Nosso ministro de Ciência e Tecnologia, o astronauta Marcos Pontes precisa defender seu setor.  Com a coragem que tem, tanto na terra como nos céus.

Segundo. A vacina é igualitária. Não é discriminatória, como a economia, a política, o direito e a educação. Cura um, cura todos. Não distribui privilégios. O acesso é que não pode ser desigual.

Terceiro. A verdade básica produzida pela ciência a inspirar a constituição não é verdade absoluta e final. Estática. É o último conhecimento disponível que mais nos aproxima da verdade. No caso, da cura. Da vacina.

Diz, faz décadas, o professor Cláudio Souto, jurista do Recife. Toda constituição deveria estabelecer que a interpretação judicial e a criação legislativa deveriam estar de acordo, partir do conhecimento científico disponível.

Esta conjugação desideologizante da política, da administração pública e do direito e sobretudo da constituição, já tem inspirado decisões judiciais igualitárias.

Sobre gênero, raça, aborto, transplante de medula, pena de morte e tanto mais.

Com ajuda da matemática e da estatística, o último conhecimento científico global testado é: o isolamento social contribui sim para o combate ao vírus.

Confiar na ciência, no exercício do poder político, jurídico e econômico.

Vai dar tempo.

O Globo, 29/03/2020


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Joaquim Falcão - Sexto ocupante da Cadeira nº 3 da ABL, eleito em 19 de abril de 2018, na sucessão de Carlos Heitor Cony e recebido em 23 de novembro de 2018 pela Acadêmica Rosiska Darcy de Oliveira.

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EPIDEMIAS E PANDEMIAS, ONTEM E HOJE – Carlos Sodré Lanna


31 de março de 2020

Carlos Sodré Lanna

As palavras que distinguem as várias amplitudes das epidemias são oriundas do grego. Endemia é uma doença contagiosa que atinge grande número de pessoas de uma região. Epidemia tem caráter transitório e atinge uma ou mais localidades. Pandemia é uma epidemia que se propaga em uma área geográfica internacional, afetando parte da população mundial.

Da Antiguidade até os nossos dias, as epidemias e pandemias foram quase tão comuns como as guerras e os conflitos políticos. Os registros mais antigos remontam ao século V a.C., por ocasião da guerra do Peloponeso. São pouco conhecidas várias epidemias, sobretudo de populações colonizadas pelos europeus nas regiões da América e da África.

A Organização Mundial de Saúde (OMS), de franca orientação esquerdista, é o único órgão credenciado a declarar a existência de uma pandemia. Depois de alguma relutância, esse rótulo já foi aplicado à pandemia do novo Coronavírus, que recebeu o nome de Covid-19.

Essa pandemia vem sobressaltando o mundo inteiro, a ponto de transformar as perspectivas para a vida normal em um “antes e depois”. Muito se tem dito e escrito sobre ela, sobretudo na grande mídia, gerando um sensacionalismo com eco em inúmeros governos. Tudo isso parece obedecer a uma palavra de ordem, e não se pode fugir à impressão de que em algum posto de comando prevalece o desejo de prolongar o seu ciclo.

Para quê? Talvez a fim de testar o grau de preparação da humanidade para aceitar uma nova ordem social. Os primeiros indícios dessa intenção apontam para uma sociedade futura centralizadora, submissa à vigilância onipresente e aos comandos de informática. E já se pode prever também que ela seria diametralmente oposta à civilização cristã. É bom lembrar, a propósito, que a história da humanidade esteve sempre pontuada por doenças infecciosas que espalharam seus tentáculos pelo mundo, e muitas delas alteraram o curso dos acontecimentos.

Indicaremos a seguir algumas outras pandemias, que deixaram impressão duradoura.

1. Praga de Justiniano (541-544)

Um dos sintomas da Praga de Justiniano era a necrose das mãos

Seu nome é uma alusão ao imperador Justiniano I do Império Bizantino, também conhecido como Império Romano do Oriente. Considerada a primeira pandemia da História, ela teve sua origem na Etiópia, de onde se espalhou por todo o império, causando uma das maiores mortandades epidêmicas. Segundo estimativas, 60 milhões de pessoas morreram nesse período. A esse surto de 541 seguiram-se vários outros nos dois séculos seguintes. Assim como a peste bubônica, a de Justiniano também foi causada pela bactéria Yersinia pestis, disseminada por roedores cujas pulgas estavam infectadas com a bactéria. Esses ratos viajavam em navios comerciais ao redor do mundo e faziam circular a infecção, que era transmitida aos seres humanos pela picada de pulgas infectadas. Geneticistas indicam que tal bactéria tem sua origem na China.

2. Peste bubônica (1343-1353)

Conhecida como Peste negra, e também causada pela Yersinia pestis proveniente da Ásia, foi uma doença terrivelmente mortal, que se espalhou por toda a Europa entre os anos 1333-1351, através de ratos infestados de pulgas. Quando chegou à Europa, a peste negra causou grande mortandade, dizimando em poucos meses a metade da população de Florença, na Itália. As infecções se espalhavam pelo sangue e por meio de partículas transportadas pelo ar. Cerca de 80% dos pacientes morriam seis a dez dias após serem infectados. A taxa de mortalidade foi superior a 70%, ceifando a vida de mais de 50 milhões de pessoas em toda a Europa.

Soldados de Fort Riley, Kansas, doentes de gripe espanhola, sendo tratados em uma enfermaria de Camp Funston.

3. Influenza ou gripe espanhola (1918-1920)


“Gazeta de Notícias”, jornal carioca, em 15-10-1918
 A “gripe espanhola”, também chamada pandemia de gripe de 1918, foi uma das mais letais do século XX. Mais de 500 milhões de pessoas em todo o mundo foram afetadas pelas três ondas dessa epidemia. O número de mortos é estimado em 50 milhões, em dois anos de expansão do influenzavirus (H1N1), sendo a segunda ocorrida em 2009.

Essa pandemia recebeu o nome de “gripe espanhola”, mas, apesar de atingir fortemente a Espanha — acometendo até mesmo o rei Afonso XIII —, alguns epidemiológicos afirmam que ela surgiu num hospital de campanha no norte da França; outros estudiosos, como o historiador Alfred W. Crosby, garantem que teve origem em Kansas (EUA), num campo de treinamento de tropas destinadas ao front da Primeira Guerra Mundial; outros ainda especulam que ela originou na China, como defendeu o Prof. Claude Hannoun, o principal especialista em gripe espanhola do Instituto Pasteur.

Doentes da gripe espanhola numa enfermaria do Rio em 1918 
Seja como for, tal pandemia se espalhou pela Europa e Estados Unidos, antes de alastrar-se pela Ásia e outras partes do mundo. No Brasil (então contando com apenas 30 milhões de habitantes), aproximadamente 30 mil pessoas morreram da “gripe espanhola” — vitimando inclusive o então presidente eleito, Rodrigues Alves. Durante esse período não houve nenhum medicamento ou vacina capaz de combater essa gripe mortal, o que resultou no fechamento completo das cidades.

4. Vírus Ebola (descoberto em 1976)

No Congo, senhora atingida pelo ebola sendo levada para isolamento

O vírus da doença infecciosa Ebola foi descoberto no fim da década de 70. Seus sintomas mais comuns são dor de garganta, dores musculares, vômitos, diarreia, sangramentos internos e externos. Matou mais de 11.000 pessoas, e sua simples lembrança ainda hoje causa arrepios. Sua origem é atribuída ao morcego-da-fruta que propaga o vírus. Propaga-se pelo contato com fluidos corporais, como saliva, e também por sangue humano ou de outros animais infectados. A epidemia originou-se na África, primeiramente numa região do Sudão e no Zaire (atual República Democrática do Congo) e se espalhou para Espanha, Alemanha e Estados Unidos. Tem alta taxa de mortalidade, que atinge quase a metade das pessoas que infecta. Demorou dois anos para ser vencido, e suas conseqüências ainda preocuparam o mundo.

5. AIDS – HIV (de 1981 até os presentes dias)

Vítima da AIDS em 1989

         A AIDS (Síndrome da Imunodeficiência adquirida — em inglês: Acquired immunodeficiency syndrome) é uma doença infecto-contagiosa que ataca o sistema imunológico. Transmite-se por fluidos corporais, e se espalhou por relações sexuais e agulhas infectadas por usuários de drogas. Desde que foi identificado em 1981, o HIV (vírus causador da AIDS) foi classificado como um dos problemas de saúde mais graves do mundo, pois ainda não se encontrou sua cura. No mundo, contraíram AIDS cerca de 75 milhões de pessoas, das quais cerca de 35 milhões morreram, aproximadamente 40 milhões de pessoas vivem hoje com o vírus. Segundo vários cientistas, o vírus passou dos primatas aos humanos.

6. Outras pandemias pelo mundo

Dezenas de outras epidemias poderiam ser citadas. Por questão de espaço, limitamo-nos a enumerar algumas das mais conhecidas: praga de Atenas (429 a.C.); peste de Antonino (165 a.C.); epidemia de Cocoliztli, no México (1545); grande praga de Milão (1629); grande praga de Londres (1664); gripe de Marselha (1720); pandemia de cólera (1846); gripe russa (1889); poliomielite (1908); gripe asiática (1956); gripe de Hong Kong (1968); surto do SARS (2002); gripe suína (2009).



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