Mentes analógicas
A pouco menos de cinco meses das eleições, não há no
horizonte dos candidatos uma perspectiva de solução para os nossos graves
problemas. Ao contrário, candidatos e parlamentares procuram se proteger de
previsíveis confrontos com a população, irritada com desgovernos sucessivos nos
planos federal, estadual, e municipal, e com os péssimos serviços que são
gerados pela alta carga tributária.
Esse ambiente de revolta permanente, como definiu o
cientista político Sérgio Abranches, latente desde as manifestações de 2013,
gera movimentos reivindicatórios legítimos e outros meramente políticos, e sem
um governo para mediar esses conflitos a instabilidade se instala.
O apoio à greve dos caminhoneiros nos primeiros momentos já
vai refluindo, e os que apóiam não entendem que serão eles que pagarão a conta
das mudanças negociadas por um governo fraco, que não teve condições de impor
limites na ação dos grevistas.
O economista Marcos Lisboa diz que regredimos 20 anos em
dois, parafraseando o infeliz mote publicitário do governo Temer, “o país
voltou, 20 anos em 2”. A vírgula não impediu que o ato falho freudiano fosse
compreendido pela população, um tiro que saiu pela culatra, revelando a
verdadeira situação do país.
Vivemos nos últimos seis anos com governos cujos
incumbentes, Dilma e Temer, dedicaram a maior parte de seus tempos a salvar a
própria pele. A petista não conseguiu, foi impedida pelo Congresso. E até mesmo
a aberração, com a complacência do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF)
Ricardo Lewandowski, de fazer uma interpretação casuística da Constituição para
permitir que a presidente cassada mantivesse seus direitos políticos intactos
não lhe serviu de nada. Até o momento nenhuma direção regional do PT a quer
como candidata ao Senado, o que demonstra que a realidade sempre se impõe aos
arranjos políticos ilegítimos.
O mesmo aconteceu com seu companheiro de chapa, que se safou
de duas tentativas de processos por parte da Procuradoria-Geral da República à
custa de desgaste político que o transformou em mais que um pato manco, como a
ciência política chama os dirigentes que não têm condições de se reeleger e
permanecem no cargo como sombras de si mesmos.
Temer hoje é um fardo para seus antigos aliados, que o
querem longe de seus palanques. A mudança radical do presidente da Câmara,
Rodrigo Maia, que de aliado irrestrito passou a oposicionista virulento, é
exemplar desse estado de espírito oportunista.
O mais grave, porém, é que as eleições não prometem uma
reversão de expectativas. A maioria dos partidos está mais preocupada em eleger
uma bancada forte para se impor ao próximo presidente da República a ser eleito
em outubro, seja ele qual for.
E os candidatos a candidatos abrem mão de um diagnóstico
realista para tentar viabilizar suas ambições políticas, fingindo que terão
condições de governar o país com uma campanha que apenas tangencie os graves
problemas que terão pela frente para solucionar.
Nenhum presidente eleito terá apoio para implementar as
dolorosas medidas que são necessárias para que não nos transformemos em uma
nova Grécia, antes de virarmos um Portugal, sonho de consumo das classes
abastadas brasileiras. Portugal, antes de virar o que é hoje, passou por graves
problemas financeiros e teve que cortar na própria carne para se recuperar,
coisa que nos recusamos a praticar.
Com o avanço da tecnologia de informação e
comunicação, o próximo presidente não terá o primeiro ano com a graça da
população para fazer o que tem que ser feito. Terá que convencê-la a aceitar
sacrifícios, que serão muito mais difíceis de serem aceitos se a campanha
presidencial for feita como se estivéssemos na ilha da fantasia.
Até o momento, à exceção de Lula que é um fenômeno político,
- o que não o absolve dos crimes que cometeu - apenas os que nada têm a dever à
Justiça estão na frente: Bolsonaro, Marina e Ciro Gomes. A maioria dos
candidatos, com uma ou outra exceção, tem cabeças analógicas num mundo digital.
Os que entenderam os novos mecanismos, como Bolsonaro, os
utilizam para defender um programa retrógrado. Marina, a que mais se aproxima
de um modelo de fazer política consentâneo com os novos tempos, não tem
estrutura partidária e nem tempo de televisão, além de necessitar convencer o
eleitorado de que terá capacidade para montar um governo sem apoio partidário.
Ciro Gomes tenta herdar os votos do lulismo com seu estilo populista, o que não
se coaduna com as necessidades do país.
O Globo, 30/05/2018
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Merval Pereira - Oitavo ocupante da cadeira nº 31 da ABL,
eleito em 2 de junho de 2011, na sucessão de Moacyr Scliar, falecido em 27 de
fevereiro de 2011, foi recebido em 23 de setembro de 2011, pelo Acadêmico
Eduardo Portella.
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