O projeto de Resolução Nº 16/2020, da Câmara Municipal de
Salvador, publicado no Diário Oficial, em 20 de março de 2020, concedeu ao
escritor baiano Cyro de Mattos a Medalha Zumbi dos Palmares, uma das mais altas
honrarias daquela instituição legislativa.Foi criada para homenagear a pessoas atuantes no combate ao racismo,
discriminação e intolerância na cidade de Salvador e Bahia, bem como na
valorização da cultura do negro afrodescendente baiano.
O projetoé de
autoria do professor e vereador Edvaldo Brito, que salienta em sua
justificativa a ênfaseque o autor
baiano vem dando na sua vasta obra para a valorização donegro,através de publicação decontos,
crônicas,poemas e artigos, em especial
com os seus livros O Menino e o Trio Elétrico, Prêmioda União Brasileira de Escritores (Rio),
também editado na Itália, Natal das Crianças Negras, em seis idiomas, e Poemas
de Terreiro e Orixás, das Edições Mazza (BH).
Em Natal das
Crianças Negras, Cyro de Mattos conta o encontro pela primeira vez de duas
crianças negras e pobres comPapai Noel
na véspera de Natal. Na loja de brinquedos, o velhinho aparece na telinha da
televisão, de rosto alegre, com suas promessas de presentear as crianças
naquele dia cheio de inocência e esperança.As crianças Bel e Nel colocam os chinelos na janela. No outro dia, nada
encontram neles. E então souberam que o Natal era a lágrima que pelo rosto
descia. Já em O Menino e o Trio Elétrico, narra a história de Chapinha, um
menino pobre e negro, que vende amendoim no ônibus para ajudar a mãe viúva e a
vó Pequena no sustento da vida.Ele
sonha em ter o seu abadá para sair atrás de um trio elétrico de arromba, puxado
por um astro da música popular baiana, mas em face de suas condições pobres não
vê como esse sonho possa ser realizado.Cyro toca aqui nas contradições do carnaval baiano, bom para turista se
divertir e quem tem condições econômicas de viver a festa.Em Poemas de Terreiro e Orixás, comparece
com o seu modo solidário e encantatório de pensar o negro. Sentimentos refletem
um jeito comovente de ser negro, ritmado no canto vindo da África, que
transforma a alma em crença e magia.Imagens dizem de coisas tristes, que não se apagam no rastro das
distâncias, na sucessão infeliz dos momentos e gritantes situações adversas.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor!
Naquele tempo, ao passar, Jesus viu um homem cego de
nascença. E cuspiu no chão, fez lama com a saliva e colocou-a sobre os
olhos do cego. E disse-lhe: “Vai lavar-te na piscina de Siloé” (que quer
dizer: Enviado). O cego foi, lavou-se e voltou enxergando. Os vizinhos e
os que costumavam ver o cego — pois ele era mendigo — diziam: “Não é aquele que
ficava pedindo esmola?” Uns diziam: “Sim, é ele!” Outros afirmavam: “Não é
ele, mas alguém parecido com ele”. Ele, porém, dizia: “Sou eu mesmo!”
Levaram então aos fariseus o homem que tinha sido
cego. Ora, era sábado, o dia em que Jesus tinha feito lama e aberto os
olhos do cego. Novamente, então, lhe perguntaram os fariseus como tinha
recuperado a vista. Respondeu-lhes: “Colocou lama sobre os meus olhos, fui
lavar-me e agora vejo!”
Disseram, então, alguns dos fariseus: “Esse homem não vem de
Deus, pois não guarda o sábado”. Mas outros diziam: “Como pode um pecador fazer
tais sinais?”
E havia divergência entre eles. Perguntaram outra vez ao
cego: “E tu, que dizes daquele que te abriu os olhos?” Respondeu: “É um
profeta”.
Os fariseus disseram-lhe: “Tu nasceste todo em pecado e
estás nos ensinando?” E expulsaram-no da Comunidade. Jesus soube que o
tinham expulsado. Encontrando-o, perguntou-lhe: “Acreditas no Filho do
Homem?” Respondeu ele: “Quem é, Senhor, para que eu creia nele?” Jesus
disse: “Tu o estás vendo; é aquele que está falando contigo”. Exclamou
ele: “Eu creio, Senhor!” E prostrou-se diante de Jesus.
Tem-se dito, e com razão, que a espiritualidade cristã é uma
“espiritualidade de olhos abertos”.
Na realidade, isso vale para toda espiritualidade genuína,
ou, em outras palavras, não seria verdadeira aquela espiritualidade que nos
alienasse ou nos isolasse da realidade, em particular da realidade mais
dolorida e sofredora. Há motivos para suspeitar de uma espiritualidade que não
desemboca na compaixão, entendida esta como a capacidade de entrar em sintonia
com o outro que sofre, e que se traduz numa ação eficaz a seu favor.
A CF deste ano nos apresenta o samaritano como personagem
inspirador na nossa vivência da espiritualidade cristã: “Viu, sentiu compaixão
e cuidou dele”.
Todos nós, de uma maneira ou de outra, somos cegos de
nascimento, porque nascemos e crescemos em meio a sistemas sociais e religiosos
que domesticaram nosso olhar, nos educaram a ter um olhar avesso e atrofiado. A
cura do cego de nascimento, apresentado pelo evangelista João, é o sinal que
nos fala daquilo que o Senhor nos oferece: caminhar na claridade do dia.
Este homem está cego, já que nasceu no mundo fechado e ao
longo de toda a sua vida aprendeu a ver com o olho cego da sinagoga. Jesus vai
curá-lo através de um gesto de íntima proximidade; não realiza um espetáculo
para provocar espanto, nem diz palavras ininteligíveis. Simplesmente agachou-se,
cuspiu no chão e com sua própria saliva fez um pouco de barro; com a gema de
seus dedos tocou com ternura os olhos do cego e o enviou a lavar-se na piscina
de Siloé. É uma cena de reconstrução de uma pessoa quebrada e que nos recorda o
primeiro barro com que Deus oleiro criou o primeiro ser humano.
No cego curado se revela a ação permanente de Deus:
despertar a luz escondida em nosso interior, ativar a vida para dar-lhe
amplitude maior.
Com o relato do cego de nascença, o evangelista João
está propondo um processo catecumenal que com-duz o ser humano das trevas à
luz, da opressão à liberdade, da identidade ferida à identidade reconstruída,
da exclusão à participação. Mas, para isso, é preciso deslocar-se, fazer a
travessia e descer em direção a Siloé, lugar das águas recriadoras. Este texto
remete à experiência fundante da vida.
O caminho de “descida” é o caminho da vida. Siloé está
situada na parte baixa da cidade, afastada daqueles que, na parte alta,
controlam e manipulam religião e as pessoas, através da centralidade da lei, do
culto, da tradição... Ali não há possibilidade da vida se expandir e se
expressar em todas as suas potencialidades.
O reservatório de Siloé estava situado fora das muralhas, na
parte baixa de Jerusalém e recolhia a água da fonte de Guijón e que chegava até
ele conduzida por um canal-túnel (daí o nome aramaico de “siloah”=
emissão-envio, água emitida-enviada). Era uma maravilha de engenharia, mandado
construir pelo rei Ezequias no ano 700 ac, para fazer a água chegar à cidade.
No final daquele túnel o cego se faz presente, lava-se,
assume sua vida, torna-se independente: um novo nascimento. Agora ele começa a
acreditar em si mesmo, em seu valor como ser humano, em sua capacidade de ver e
de dar direção à sua vida; assume sua condição humana e deixa de se sentir
escravo dos outros, controlado por pais e mestres, como um mendigo inútil; na
sua liberdade, ele agora pode assumir sua vida, decidir, dizer,
afirmar-se...
Inspirados no evangelista João poderíamos dizer: a doença é
a manifestação da perda do contato do ser humano com sua fonte divina. As duas
narrativas de cura mais importantes no 4º. evangelho, ocorrem no tanque de
Betesda e no reservatório de Siloé. Quando o ser humano é separado de sua fonte
divina, ele adoece, e a cura acontece, quando esse contato com a fonte interior
é reestabelecido. Para que isso aconteça, Jesus não precisa levar o doente até
a piscina de Siloé; bastam o encontro com Ele e a força de Sua palavra para
reconectar o enfermo com sua fonte profunda, da qual estivera separado.
Jesus reconstrói o cego quebrado em sua dignidade, mas
motiva-o a assumir sua responsabilidade, deslocando-se ao reservatório de água
de Siloé e rompendo sua dependência para com os fariseus e sacerdotes que o
oprimiam, mantendo-o preso à sua situação de cegueira existencial. O apelo de
Jesus é para que o cego seja ele mesmo, em liberdade; com seus gestos e com a
força de sua palavra, Jesus despertou no cego a mobilidade e independência.
Nesse sentido, caminhar em direção a Siloé é descer em
direção à própria humanidade, ao mais profundo de si mesmo, para lavar-se no
manancial das águas puras. O cego seguiu as instruções, recuperou a vista e
atingiu a integridade humana: passou da morte à vida, da opressão à
liberdade.
Todos sabemos que o ser humano é dotado de recursos internos
inesgotáveis. Cada um possui dentro de si uma fonte de forças reconstrutoras,
renováveis, resilientes. Mas, muitas vezes, é preciso de um estímulo externo
para reconectar-se com essa fonte.
Sabemos e sentimos, no mais profundo, o que é mais saudável
e vital para nós, porém precisamos do encorajamento externo para voltar a
confiar em nossas próprias potencialidades. O evangelho deste domingo nos
ensina o caminho através do qual descemos a uma dimensão mais profunda e assim
chegamos à corrente subterrânea; aqui experimentamos a unidade de nosso ser;
aqui é o lugar da transcendência, onde nossa transformação realmente
acontece.
Tal experiência significa abertura, dilatação do coração,
expansão da consciência ao ver que tudo parte de Deus (Fonte do rio da vida) e
tudo volta para Deus (rio que mergulha no Mar). A experiência de oração, junto
à Piscina de Siloé, nos conduzirá à outra fonte, aquela que brota do coração, e
que estava ressequida, impedindo-nos de reconhecer o murmúrio da água viva.
Sentados à beira da fonte silenciosa, poderemos, também nós,
atingir experiências imprevistas e surpreendentes, ou reconhecer, através do
murmúrio das águas, “vozes novas” que nos incitam a peregrinar para as regiões
desconhecidas do nosso próprio interior. Só assim, poderemos vislumbrar o outro
lado e tocar as raízes mais profundas que dão sentido e consistência ao nosso
viver.
O manancial de nosso ser essencial constitui nossa autêntica
vida. Descobri-lo, abrir-nos a ele, fazer-nos transparentes a ele e vivê-lo
cada dia..., constituem a plenitude de nossa realização. A“descida” até o mais
profundo de nós mesmos, requer que deixemos para trás um contexto de
competição, de rivalidade e vazio, de fechamento e rigidez, de superficialidade
e isolamento...
O encontro com a “água viva” abre futuro novo,
motivando-nos à tomada de decisões, a assumir um estilo de vida coerente com
aquilo que encontramos no fundo do nosso próprio coração.
Texto bíblico: Jo 9,1-38
Na oração: sente-se junto à sua Siloé interior;
mergulhe na “fonte” que corre, desça às “águas” do amor do Pai, deixe-se molhar
pelas Palavras do Filho e receba a força e a luz do Espírito.
- Na sua vida, o que está bloqueando, impedindo a
manifestação das melhores forças, inspirações, criatividade?