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quinta-feira, 31 de março de 2022

BENTO XVI: “MORRER NA PÁSCOA É UM DOM DE DEUS”



Pierre-Philippe MARCOU | AFP

Francisco Vêneto - 

O Papa Emérito já fez diversos comentários serenos e repletos de esperança e paz a propósito da morte cristã

Morrer na Páscoa, para quem crê na Ressurreição de Cristo, é certamente um privilégio repleto de significado. Por ocasião do sexto aniversário de falecimento da Madre Angélica, fundadora da pioneira rede católica norte-americana de televisão EWTN, a agência de notícias ACI Digital, que pertence ao mesmo grupo, recordou uma inspiradora declaração do Papa Emérito Bento XVI a respeito da data em que a religiosa partiu deste mundo: o Domingo da Ressurreição de 2016, que recaiu no dia 27 de março. Ela tinha 92 anos e havia passado os últimos quinze às voltas com as difíceis sequelas de um derrame cerebral.

De acordo com um testemunho do secretário pessoal de Bento XVI, dom Georg Gänswein, o Papa Emérito afirmou, na época, que morrer em pleno Domingo de Páscoa “é um dom de Deus”. Em dezembro do mesmo ano, Bento afirmou a repórteres da rede que a Madre Angélica havia sido “uma grande mulher, muito corajosa”.

O próprio Bento XVI, ainda como pontífice reinante, havia concedido a ela, em 2009, a medalha “Pro Ecclesia et Pontifice”, a mais alta condecoração que os Papas podem outorgar a um religioso ou leigo na Igreja Católica.

Serenidade e paz perante a morte

Bento XVI já fez diversos comentários serenos e repletos de esperança e paz a propósito da morte cristã, que, afinal, é uma transição desta vida passageira para a vida plena em Deus na eternidade.

Em 7 de fevereiro de 2018, por exemplo, o Papa Emérito enviou uma carta ao jornal italiano Corriere della Sera confirmando a natural deterioração da sua saúde física e afirmando, com grande simplicidade, que já estava “em peregrinação a caminho de Casa”. Ele escreveu na ocasião:

“Só posso dizer que, na lenta diminuição das forças físicas, estou interiormente em peregrinação para Casa. Para mim, neste último trecho do caminho, às vezes um pouco esgotador, é uma grande graça estar rodeado de amor e bondade tamanhos que eu não poderia ter imaginado”.

Em outubro de 2021, ao saber da morte de um grande amigo sacerdote, o pe. Gerhard Winkler, Bento XVI escreveu uma carta aos padres da abadia de Wilhering, na Áustria, para lhes oferecer os seus pêsames. No texto, o Papa Emérito afirma:

“Ele chegou agora ao outro mundo, onde tenho a certeza de que muitos amigos já o aguardam. Espero me unir logo a eles”.

A serenidade diante do final da vida terrena é um sinal de fé. É a consciência de que a vida ilumina a morte e, portanto, a morte ilumina a vida. A morte, afinal, é apenas uma passagem.

 

https://pt.aleteia.org/2022/03/28/bento-xvi-morrer-na-pascoa-e-um-dom-de-deus/?utm_campaign=EM-PT-Newsletter-Daily-&utm_content=Newsletter&utm_medium=email&utm_source=sendinblue&utm_term=20220329

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AS ASNEIRAS DO GUEDES – Artur Azevedo

   


        Não é precisamente um conto o que hoje vou escrever.

           

            Voltou do seu passeio a São Paulo o Guedes – o Guedes sabem? – o maior asneirão que o sol cobre, aquele mesmo que respondeu aqui há tempos quando numa roda lhe perguntaram se tinha filhos:

            - Tenho uma filha já adúltera.

            - Adúltera?!

            - Sim, senhor, adúltera; vai fazer 17 anos.

            - Adulta quer o senhor dizer...

            - Ou isso. É uma boa menina; só tem um defeito: é muito luxuriosa.

            - Luxuriosa?!

            - Sim, senhor, luxuriosa: gosta muito de luxar.

            - Ah!

           - Mas lá está minha mulher para lhe dar bons conselhos... sim, porque minha mulher é muito sensual.

            - Sensual?!

            - Sim, senhor, sensual: tem muito bom senso.

                           ***

            Pois é como lhe digo: tive o prazer de encontrar ontem esse precioso Guedes, cujas asneiras, colecionadas, dariam um volume de trezentas páginas, ou mais.

            Eu estava num armarinho da rua do Ouvidor, onde entrara para cumprimentar a minha espirituosa amiga dona Henriqueta, que andava, como sempre, fazendo compras, enchendo-se de caixinhas e pequeninos embrulhos, adquiridos aqui e ali.

            O Guedes, mal me viu, correu a dar-me um abraço, dizendo:

            - Li no “O País” a notícia do seu aniversário...

            E recuando dois passos, tomou uma atitude solene, deixou cair as pálpebras, e acrescentou:

            - Faço votos para que você tenha um futuro tão brilhante como o que passou.

           Agradeci comovido essa manifestação de apreço envolvida num disparate, e apresentei o Guedes à minha espirituosa amiga dona Henriqueta, que mordia os lábios para não rir.

            - Apresento-lhe, minha senhora, o mais extraordinário reformador da língua portuguesa: o Guedes, o grande Guedes, que acaba de chegar de São Paulo, onde esteve a passeio.

            - Era tempo de fazer uma viagem! – explicou ele. – Foi a primeira vez que saí do Rio de Janeiro.

            - Eu também não saí ainda dessa cidade senão para ir uma vez a Petrópolis e duas a Niterói – disse dona Henriqueta.

            - Vejo então que a senhora é cortesã... – acudiu o Guedes curvando os lábios no mais amável dos seus sorrisos.

            - Cortesã?!

            - Cortesã, sim... filha da Corte...

            - Oh, Guedes! – observei baixinho. – Pois você não vê que está dizendo uma inconveniência?

            - Tem razão... Atualmente não se deve falar em Corte...

            E emendou:

            - Vejo então que a senhora é capitalista federalista

            Dona Henriqueta desta vez riu-se a perder. É provável que ao leitor não aconteça o mesmo. Paciência.

            - Ó Guedes! Vamos lá! Diga-me! Que impressões trouxe você de São Paulo?

            - Muito boas! Aquilo é uma grande terra!

            - Dizem que há lá muita sociabilidade.

            - Como?

            - Muita convivência...

            - Isso há... As famílias visitam-se... Os moços coabitam com as moças.

            - Ora essa!

            - Que entende você por “coabitar”?

            - É... é...

            - É uma indecência... uma inconveniência... uma coisa que não se diz!...

            O Guedes inflamou-se:

            - Está você muito enganado... “Coabitar” é...

            E voltando-se para um dos caixeiros do armarinho:

            - O senhor tem aí um dicionário que me empreste?

            - Pois não?

            E daí a dois minutos o Guedes tinha nas mãos os dois volumes do Aulete.

            - Muito bem! – disse eu. – Procure “coabitar”.

            Depois de folhear em vão o dicionário durante um ror de tempo, o teimoso exclamou:

            - Não dá! Não dá! Vejam...

            - Perdão: você está procurando com u: deve ser com o!

            - Tem razão. Tem razão...Onde estava eu com a cabeça?

            E o Guedes pôs-se de novo a folhear o Aulete.

            - Não dá! Também não dá com o! Veja: de coa para coação! Não dá com u nem com o!

            -  Valha-o Deus, Guedes, valha-o Deus! Você está procurando sem h? Dê cá o dicionário!

            E com um sorriso de triunfo mostrei ao Guedes a significação da palavra.

             - Olhe, leia: "Coabitar, habitar, viver conjuntamente”.

            - Mas isso...

            - Agora veja o que o Aulete acrescenta entre parênteses: “Diz-se particularmente de duas pessoas de diferente sexo”.

            - Perdão! – bradou Guedes furioso. – Perdão! Eu não disse particularmente, mas alto e bom som, e só não me ouviu que não me quis ouvir!

            E batendo com a mão espalmada sobre o balcão:

            - Eu não sou homem que diga as coisas particularmente!

 

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Artur Azevedo (Artur Nabantino Gonçalves de Azevedo), jornalista e teatrólogo, nasceu em São Luís, MA, em 7 de julho de 1855, e faleceu no Rio de Janeiro, RJ, em 22 de outubro de 1908. Figurou, ao lado do irmão Aluísio Azevedo, no grupo fundador da Academia Brasileira de Letras, onde criou a cadeira nº 29, que tem como patrono Martins Pena.       

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