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sábado, 2 de maio de 2020

CONSAGRAÇÕES ATUAIS – Péricles Capanema


1 de Maio de 2020
Péricles Capanema

Em 15 de abril último o Pe. José Alves de Amorim, reitor do Santuário de Nossa Senhora da Lapa [foto], consagrou os países de língua portuguesa e mais de 60 santuários no mundo inteiro a Nossa Senhora da Lapa, no santuário-mãe de Nossa Senhora da Lapa, na diocese lusitana de Lamego, o mais antigo santuário dedicado a Nossa Senhora sob tal invocação.
Declarou a respeito o padre Amorim em 14 de abril: “Porque este santuário divulgou-se precisamente por esses povos e chegou a ter presença no Brasil, em África, na Índia e a devoção à Senhora da Lapa permanece ainda hoje em mais de 60 lugares, de uma maneira viva. Por isso amanhã todos esses povos e santuários derivados deste são convidados para se associarem a esta consagração. Convidamos toda a gente para se associar a esta oração, para que Nossa Senhora da Lapa nos proteja”.

Nicho com a imagem de Nossa Senhora da Lapa
Lê-se no alvissareiro comunicado do Santuário: “Atendendo ao momento de dor e sofrimento que a pandemia, provocada pelo Covid-19, está a provocar em todo o mundo, o Santuário de Nossa Senhora da Lapa tomou a iniciativa de invocar a proteção maternal da Mãe de Deus, de forma muito especial para todos os povos de língua portuguesa e, mais concretamente, para as comunidades onde o culto secular à Senhora da Lapa continua presente. Na impossibilidade de nos reunirmos fisicamente no Santuário-mãe, na diocese de Lamego, vimos por este meio convidar os devotos da Senhora da Lapa, espalhados pelos quatro cantos do mundo, a associarem-se a nós e a acompanharem-nos espiritualmente, através das redes sociais e outros meios de comunicação”.

O convite aos fieis
São solicitados à consagração os devotos de Nossa Senhora da Lapa e os povos de língua portuguesa. Eu, aqui no Brasil, fui convidado (o leitor também), fiquei sabendo por amigo e pela imprensa, aceitei agradecido o apelo. Convido a quem me leia que o aceite — a fórmula da consagração está na rede, é fácil encontrá-la.
A prática piedosa das consagrações, em especial ao Sagrado Coração de Jesus, ganhou enorme presença na Igreja a partir do apostolado da Santa Margarida Maria Alacoque (1647-1690) [quadro ao lado], freira reclusa no convento das visitandinas de Paray-le-Monial. Ali teve, entre seus confessores, a são Cláudio La Colombière (1641-1682), jesuíta, também considerado um dos grandes difusores da devoção ao Sagrado Coração de Jesus.

Consagração, reparação, esperança de triunfo
Três características marcaram especialmente tal prática na Igreja: consagração, reparação, esperança de triunfo. A consagração não pode ser ato meramente formal; supõe propósito sério de reforma de vida, é renovação das promessas do batismo.
Antes das aparições de Paray-le-Monial a devoção ao Sagrado Coração de Jesus não era muito difundida, não exista ainda o conjunto das práticas ascéticas que hoje a acompanham e não era inequívoco seu caráter reparador. Reparação pelos pecados próprios, reparação pelos pecados familiares, reparação pelos pecados sociais. Os últimos séculos foram de descristianização e o abandono dos preceitos de Cristo torna congruente, até mesmo inelutável, a atitude de reparação. Aceitar o peso da responsabilidade prepara a leveza do perdão.
A última característica é a esperança de triunfo. Triunfo sobre os vícios pessoais, mas também sobre a indiferença e os pecados sociais, trazendo à Terra o Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo, a ordem temporal cristã. Nosso Senhor é Rei dos corações. Rei da sociedade e do Estado.
Texto expressivo

Estão presentes no texto as mencionadas três características na fórmula de consagração lida pelo reitor do Santuário de Nossa Senhora da Lapa, o que a coloca em longa esteira histórica. Reata com o passado piedoso, hoje tão atual; o texto não está contaminado pela atmosfera intoxicada de relativismo e laicismo, muito disseminada nos anos pós-conciliares que tendiam a ver tais movimentos de piedade como anacrônicos.


Seleciono alguns trechos da consagração do último 15 de abril. Ela é pródiga em afirmações de contrição, humildade e reparação, faz bem repisá-las: “a prece ardente que hoje contritos vos dirigimos”; “embora réus da excelsa justiça de Deus e quão merecidos são os castigos que sobre o mundo ingrato e impenitente se possam abater”“nos deis um coração e vida penitentes”. E que o Coração Imaculado de Maria se apiede de nossos corações e nos inspire a penitência que almejamos.
O texto também é copioso nas manifestações de consagração: “consagrar os nossos povos e Vos pedir que deles afasteis a atual pandemia”; “ó dulcíssimo Jesus, Vos pedimos por intercessão da Senhora da Lapa, a Quem hoje nos consagramos”.
Finalmente, rico de passagens denotando a esperança do triunfo e afirmação do Reinado Social de Nosso Senhor Jesus Cristo: “que sejais a Rainha daqueles que vivem obscurecidos pelos erros”; “obtenhais para todas as nações tranquilidade e ordem, em tudo submetidas à beleza da Fé”.
Trouxe excertos, a consagração é muito maior. E começa com frase conhecida de grande densidade teológica: “Se foi por Vós que Jesus Cristo, Senhor Nosso, veio ao mundo, é também por Vós que nele deve reinar”. A consagração se coloca especialmente oportuna, lembra o Santuário e repito, “atendendo ao momento de dor e sofrimento que a pandemia, provocada pelo covid-19, está a provocar em todo o mundo”.

Consagração da Colômbia
Este mesmo momento foi invocado por iniciativa semelhante, rumo idêntico, encabeçada pela Sociedad Colombiana Tradición e Acción, que pede ao presidente da República e à Conferência Episcopal que consagrem a Colômbia ao Sagrado Coração de Jesus e a Nossa Senhora de Chiquinquirá [foto], padroeira do País. O texto do importante documento, assinado por seu diretor, Eugenio Trujillo Villegas, suplica e lembra:
“Queremos lhe pedir com veemência, que diante da incerteza pela qual passamos, junto com as autoridades da Igreja Católica, renove a consagração ao Sagrado Coração de Jesus, que se fez ininterruptamente de 1902 a 1992. E também que consagre o País a Nossa Senhora de Chiquinquirá, padroeira da Colômbia”.

Faróis a iluminar os rumos
Duas iniciativas atuais e exemplares. Empreendimentos assim, acompanhados da contrição congruente, infelizmente muito raras, atrairiam a misericórdia divina nos presentes dias duros trilhados por todos nós. Sua ausência, é incoercível, a lógica nos arrasta até lá, pressagia maiores sofrimentos e tragédias. A elas nossa adesão e aplauso. São faróis, iluminam e indicam rumos.

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HISTORINHAS DE ODILON PINTO - Cyro de Mattos

Historinhas de Odilon Pinto

Cyro de Mattos


Na Bíblia encontram-se rápidos relatos em forma de alegoria ou parábola, que contam um acontecimento com vistas a tirar um ensinamento espiritual. Kafka usa a parábola em poucas linhas para mostrar o ilógico como uma coisa natural da vida. No caso de Odilon Pinto adota-se a técnica realista franca para escrever a vida com as suas historinhas, de tema variado, introduzindo-se no conteúdo as coisas que apesar de miúdas correm no mundo e formam um delicioso episódio. Para os gregos quanto menor a extensão, maior a compreensão; se maior a extensão, menor a compreensão. Certo é que do texto de ficção, menor no conto, maior no romance, espera-se do autor que transmita um novo sentido de vida, logrando-se extrair da matéria a parte noturna do ser.

Coisas da Vida (2004) reúne ficções bem escritas em apenas uma página, fantasias que dão prazer na leitura. No conteúdo da vida como ela é, cada uma delas arrasta o leitor com engenho e leveza, surpreende-o no desengano, no amor abortado, na ardência da paixão, no drama recheado de hipocrisia e ciúme. A vida apresentada na narrativa veloz vem quase sempre acompanhada de observações certeiras.

Em “A Doida”, que “se apegava à rua, era o caminho que devia percorrer...”; em “Paixão Recolhida” quando “durante dois anos fora senhor dos seus beijos, do calor do seu corpo, do cheiro dos seus cabelos. Isso tudo, quando se perde, cresce, até ficar do tamanho do mundo” , assim, embaralhando observações com dizeres suficientes, Odilon Pinto pontilha uma sintaxe verbal impregnada de sutilezas, mínimas referências instigantes.

Em Coisas da Vida encontramos, de página em página, a atuação humana na rotina chata da vida, às vezes de amores abortados, em outra hora com a faca que a traiçoeira invenção do gesto suspende e se completa no desfecho inusitado.

Em “Dick”, o cão retira do dono a sensação asfixiante de estar vivo, mas em “Sem Terra” o drama completa-se com o seu instante duro de sofrimento na solidão. No exemplo de “A Família”, a farsa vai tomando forma nas observações feitas pela personagem, uma mulher velha, sobre a palhaçada armada para ela na igreja como ritual de amor dos filhos. Ficam também em nossa lembrança as cenas de que a ocasião faz o ladrão e o acaso torna em vingança. O duelo entre o real e o sonho na doméstica sonhadora, com o sonho vencido pela dura lei da vida.

Com estofo de crônica, anedota esticada, texto motivado por noções de filosofia, fantasia do real fundido com o desastre conjugal, poesia da vida carregada de inconformismo, tristeza e revanche, é visível nesses quadros pintados com rápidas pinceladas por mão de mestre o quanto é rica a humanidade na sua pobreza social, no pequeno mundo rotineiro da vida. Não resta dúvida que desses quadros compostos por Odilon Pinto brilham momentos diletantes de leitura. O valor dessas historinhas primorosas força-nos dizer que nos pequenos frascos é que estão guardados os melhores perfumes.

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Cyro de Mattos é escritor de contos, crônicas, romance, poemas, literatura infantojuvenil, ensaio e memorialista. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Possui prêmios literários importantes. Também é editado no exterior.

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