Acontecimento capital da História: o Verbo de Deus se
encarna no seio puríssimo de Maria (Festividade celebrada pela Igreja no dia 25
de março).
Plinio Corrêa de Oliveira*
A cena famosa da Anunciação do Arcanjo São Gabriel a
Nossa Senhora, no retábulo pintado por Fra Angélico [quadro acima], constituiu
para a humanidade uma hora da graça. Abriu-se o Céu que a culpa de Adão e Eva
havia cerrado, e dele desceu um espírito de luz e pureza, trazendo consigo
mensagem de reconciliação e paz, dirigida à criatura mais formosa, nobre,
cândida e benigna que nascera da estirpe de Adão.
Estando o Arcanjo em presença da Santíssima Virgem, o
diálogo se estabelece. A nobreza própria à natureza angélica, sua fortaleza
leve e toda espiritual, sua inteligência e pureza, enfim tudo se espelha
admiravelmente na figura altamente expressiva de São Gabriel. Nossa Senhora,
com razão, aparece na pintura menos etérea e impalpável, pois é uma criatura humana.
Entretanto, um quê de angélico nota-se em toda a compostura d´Aquela que é a
Rainha dos anjos. Sua fisionomia excede em espiritualidade, nobreza e candura à
do próprio emissário celeste.
Invisível, Deus entretanto manifesta sua presença na luz
sobrenatural que parece irradiar de ambos os personagens, comunicando a toda a
natureza o esplendor de uma alegria pura, tranquila, virginal. Sente-se quase a
temperatura suavíssima, a brisa levíssima e aromática, a alegria que perpassa
todo o ambiente criado por Nossa Senhora e o Arcanjo.
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(*) Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio
Corrêa de Oliveira, em novembro de 1986, sem sua revisão.
No mundo atual, onde a nova ordem é o consumo, os editores
se comportam como gerentes de contas e forçam a literatura a deixar de ser arte
para se transformar numa grande feira. Os livros não são vendidos a preço de
banana, mas passam a ser expostos como produtos vulgares, com capas atraentes
aos olhos, mas de conteúdo duvidoso. Nem autores clássicos, como Machado de
Assis, escapam à sanha do lucro e recebem "traduções" suspeitas na
intenção de se tornarem populares. Ou seja, o mercado editorial subestima seus
leitores e nivela a cultura por baixo.
Recentemente discutiu-se tanto a popularização dos textos de
Machado de Assis que quase alcançamos um tom clichê. A ideia de reimprimir a
obra de Machado objetivando a imposição de um vocabulário simplório, que esteja
ao alcance do público menos letrado, é somente um reflexo de uma literatura
contemporânea açoitada pelas mãos de editoras que escolheram transformar a arte
em cifras lucrativas. Recentemente, a escritora Nélida Piñon afirmou que hoje
publicam o que vende, e não mais a literatura que fica. Está corretíssima. E
qual a literatura que demonstra capacidade de mercadoria no Brasil? São os
livros sobre vampiros brasileiros, ficções medievais encarnadas por anjos e
demônios, violência sádica e caricata e romances sobre nada que correm centenas
de páginas descrevendo litorais e personagens sem sal.
O que surpreende é a complacência cúmplice de muitos
críticos com a subliteratura e uma raiva revanchista contra quem imagina poder
atualizar um clássico literário. O Word, a Internet e o analfabetismo funcional
do Brasil abriram espaço para pretensos escritores que produzem em ritmo
industrial, mas pouco se importam com estética, pois estão voltados para os
quinze minutos de fama e buscam o eldorado que os tornem best-sellers. Às
vezes, contam com competentes empresários que abrem as portas da mídia e
transformam o que é oco em celebridade, pois no mercado atual é a celebridade
que vende. Tal realidade nos remete ao arquétipo explicitado no filme "Muito
além do jardim", onde até um suspiro do acéfalo personagem Chance (Peter
Sellers) era interpretado como genial.
Por que hostilizar a tradução populista de Machado e ignorar
os nichos literários criados compostos de livros caricatos, lançados para
conquistar jovens e limitados leitores? Essa é uma discussão que poderia ganhar
amplitude inteligente e está se resumindo a um debate provinciano.
Toda literatura é válida, mas as que devem ganhar
visibilidade são aquelas que os editores compreendem como comerciais. É assim
que se configura o presente mercado editorial brasileiro. O autor a ser
valorizado é o que se comporta como um bom gerente de contas e cumpre boas
metas de venda com o seu produto. É esse o autor que as editoras inserem na
mídia, para eles negociam a condescendência de uma parte da crítica e a partir
deles criam a farsa do merchandising.
Numa nação de leitores toscos, Machado de Assis precisa ser
reescrito para vender e os autores de sucesso desfilam a face mais pueril de
uma literatura vulgar em programas de entrevistas e nos cadernos culturais dos
nossos periódicos. Talvez, tenha sido por isso que o nosso Machado elaborou
aquela sentença magnífica de Brás Cubas, um ato profético:
“Não tive filhos, não transmiti a nenhuma criatura o legado
da nossa miséria”.
Assim, nossos clássicos vão ficando sem herdeiros e, pelo
visto, se transformando em hieróglifos a serem decifrados.
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ALEXANDRE
COSLEI - Jornalista, professor e escritor
premiado. Autor dos livros "Os Paralelepípedos da Vila Mimosa”, que
participou do Prêmio Portugal Telecom 2010, além de um volume crítico
intitulado "Os indigentes literários", uma reunião de artigos sobre
literatura contemporânea que autor classifica como subversivos. Também figura
em diversas antologias de contos e poesias. Complementando seu acervo, possui
inúmeros artigos publicados em importantes veículos virtuais como o Jornal O
Dia, Observatório de Imprensa, Folha do Meio Norte e em diversos Blogs
relevantes. Alguns desses artigos foram recordistas de visualizações nos sites
onde foram divulgados ou republicados. Está entre os primeiros autores que
serviram de base para a criação da revista literária "Verbo", hoje
não mais impressa. Como jornalista, está presente em diversas publicações
polêmicas na imprensa.
Não adianta pedir explicações sobre Deus; pode-se escutar
palavras bonitas, mas, no fundo, são frases vazias. Da mesma maneira que você
pode ler toda uma enciclopédia sobre o amor, e não saber o que é amar.
Ninguém jamais vai conseguir provar que Deus existe, ou que
não existe. Existem certas coisas na vida que foram feitas para serem
experimentadas - jamais explicadas.
O amor é uma destas coisas. Deus - que é amor - é outra. A
fé é uma experiência infantil - naquele sentido mágico que Jesus nos ensinou: é
das crianças o Reino dos Céus.
A seguir, três histórias árabes sobre a inocência da busca.
Começando pelo início
Um homem perguntou a al-Husayn:
- O que devo fazer para ficar mais perto de Deus?
- Conte um segredo para Ele. E não deixe que ninguém neste
mundo saiba qual foi o segredo. Desta maneira, um laço de confiança será
estabelecido com a Divindade.
Mas o homem continuou:
- Só isto me ajudará a chegar perto?
- Estabeleça uma relação firme no começo de sua jornada
espiritual. Reze. Também é importante ter força de vontade. E se for possível
desfrutar um pouco de solidão, tanto melhor.
- Mas como chegar ao estágio ideal de comunicação com Ele?
- Já lhe expliquei tudo que precisava - disse al-Husayn. -
Mas você quer chegar ao final antes de começar, e isto não é possível.
Amar sem medo
Um peregrino chegou até a aldeia onde vivia Abu Yazid
al-Bistrami.
- Ensine-me a maneira mais rápida de chegar até Deus.
Al-Bistrami respondeu:
- Amá-lo com todas as tuas forças.
- Isto eu já faço.
- Então precisas ser amado pelos outros.
- Mas por que?
- Porque Deus olha o coração de todos os homens. Quando
visitar o teu, certamente irá ver teu amor por Ele, e ficará contente.
Entretanto, se Ele encontrar - também no coração de outras pessoas - o teu nome
escrito com carinho, na certa irá prestar muito mais atenção em ti.
Querendo encurtar o caminho
- Por que o senhor nos faz perder tempo buscando Deus,
quando já o conhece tão bem? - disse um discípulo de Hasan de Basra. - Podia
nos contar como Ele é.
- Sim - respondeu Hasan de Basra. - Mas acontece que, certa
tarde, eu estava diante de um pântano, quando reparei que um homem preparava-se
para atravessá-lo. Gritei: "cuidado, porque você pode escorregar numa
pedra e molhar-se todo!".
O homem me respondeu: "se isto acontecer, eu serei o
único a ficar sujo. Entretanto, Hasan, se você escorregar e cair no seu
caminho, todos os seus discípulos escorregarão e cairão contigo".
"A partir deste momento, compreendi: Deus é um desafio
individual, cada pessoa é responsável por sua busca. Um mestre pode
compartilhar sua experiência, mas nunca os seus resultados".
Paulo Coelho - Oitavo ocupante da Cadeira nº 21 da ABL,
eleito em 25 de julho de 2002 na sucessão de Roberto Campos e recebido em 28 de
outubro de 2002 pelo Acadêmico Arnaldo Niskier.
Narrador 1: Paixão de nosso Senhor Jesus Cristo segundo
Marcos:
Logo pela manhã, os sumos sacerdotes, com os anciãos, os
mestres da Lei e todo o Sinédrio, reuniram-se e tomaram uma decisão. Levaram
Jesus amarrado e o entregaram a Pilatos. E Pilatos o interrogou:
Leitor 1: “Tu és o rei dos judeus?”
Narrador 1: Jesus respondeu:
— “Tu o dizes”.
Narrador 1: E os sumos sacerdotes faziam muitas acusações
contra Jesus. Pilatos o interrogou novamente:
Leitor 1: “Nada tens a responder? Vê de quanta coisa te
acusam!”
Narrador 1: Mas Jesus não respondeu mais nada, de modo que Pilatos
ficou admirado. Por ocasião da Páscoa, Pilatos soltava o prisioneiro que
eles pedissem. Havia então um preso, chamado Barrabás, entre os bandidos,
que, numa revolta, tinha cometido um assassinato. A multidão subiu a
Pilatos e começou a pedir que ele fizesse como era costume. Pilatos
perguntou:
Leitor 1: “Vós quereis que eu solte o rei dos judeus?”
Narrador 2: Ele bem sabia que os sumos sacerdotes haviam
entregado Jesus por inveja. Porém, os sumos sacerdotes instigaram a
multidão para que Pilatos lhes soltasse Barrabás. Pilatos perguntou de
novo:
Leitor 1: “Que quereis então que eu faça com o rei dos
judeus?”
Narrador 2: Mas eles tornaram a gritar:
— Crucifica-o!
Narrador 2: Pilatos perguntou:
Leitor 1: “Mas, que mal ele fez?”
Narrador 2: Eles, porém, gritaram com mais força:
— Crucifica-o!
Narrador 2: Pilatos, querendo satisfazer a multidão, soltou
Barrabás, mandou flagelar Jesus e o entregou para ser crucificado. Então
os soldados o levaram para dentro do palácio, isto é, o pretório, e convocaram
toda a tropa. Vestiram Jesus com um manto vermelho, teceram uma coroa de
espinhos e a puseram em sua cabeça. E começaram a saudá-lo:
— “Salve, rei dos judeus!”
Narrador 1: Batiam-lhe na cabeça com uma vara. Cuspiam nele
e, dobrando os joelhos, prostravam-se diante dele. Depois de zombarem de
Jesus, tiraram-lhe o manto vermelho, vestiram-no de novo com suas próprias
roupas e o levaram para fora, a fim de crucificá-lo.
Narrador 2: Os soldados obrigaram um certo Simão de Cirene,
pai de Alexandre e Rufo, que voltava do campo, a carregar a cruz. Levaram
Jesus para o lugar chamado Gólgota, que quer dizer “Calvário”. Deram-lhe
vinho misturado com mirra, mas ele não o tomou. Então o crucificaram e
repartiram as suas roupas, tirando a sorte, para ver que parte caberia a cada
um.
Narrador 1: Eram nove horas da manhã quando o
crucificaram. E ali estava uma inscrição com o motivo de sua condenação:
“O Rei dos Judeus”. Com Jesus foram crucificados dois ladrões, um à
direita e outro à esquerda. Os que por ali passavam o insultavam, balançando a
cabeça e dizendo:
— “Ah! Tu, que destróis o Templo e o reconstróis em três
dias, salva-te a ti mesmo, descendo da cruz!”
Narrador 1: Do mesmo modo, os sumos sacerdotes, com os
mestres da Lei, zombavam entre si, dizendo:
— “A outros salvou, a si mesmo não pode salvar!” O Messias,
o rei de Israel... que desça agora da cruz, para que vejamos e acreditemos!”
Narrador 2: Os que foram crucificados com ele também o
insultavam. Quando chegou o meio-dia, houve escuridão sobre toda a terra,
até as três horas da tarde. Pelas três da tarde, Jesus gritou com voz
forte:
— “Eloi, Eloi, lamá sabactâni?”
Narrador 2: Que quer dizer:
— “Meu Deus, meu Deus, por que me abandonaste?”
Narrador 2: Alguns dos que estavam ali perto, ouvindo-o,
disseram:
— “Vejam, ele está chamando Elias!”
Narrador 2: Alguém correu e embebeu uma esponja em vinagre,
colocou-a na ponta de uma vara e lhe deu de beber, dizendo:
— “Deixai! Vamos ver se Elias vem tirá-lo da cruz”.
Narrador 1: Então Jesus deu um forte grito e expirou. (Todos
se ajoelham um instante) Nesse momento, a cortina do santuário rasgou-se
de alto a baixo, em duas partes. Quando o oficial do exército, que estava
bem em frente dele, viu como Jesus havia expirado, disse:
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a encenação do Evangelho:
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Ramos: descobrir o Deus
en-coberto nas cidades
“... quando se aproximaram de Jerusalém” (Mc 11,1)
A experiência espiritual da Quaresma implica a travessia do
deserto: tempo de despojamento, de pobreza, de confiança em Deus, de esperança
e horizontes abertos... O deserto quaresmal desemboca na cidade. E todos
sabemos que a cidade é o contrário do deserto: autossuficiência, segurança,
limitação de horizontes, acomodação, conflitos... Cidade moderna, globalizada
pela tecnologia fria e sem alma, amordaçada pela funcionalidade e pela
utilidade, com uma política submetida ao mercado, à produção e consumo, cidade
estendida e sem muros de contorno, mas com horizonte atrofiado, aparentemente
sem Reino de Deus à vista...
Hoje temos esvaziado a dimensão do deserto em nossas vidas e
nos adaptamos de tal maneira à cidade e às suas exigências técnicas,
produtivas, aos seus programas e solicitações... que acabamos nos sentindo
passivos diante dela. O tempo quaresmal nos possibilita manter aberto o acesso
ao deserto, que cria um espaço interior vazio, onde se faz realidade um
encontro surpreendente com Deus; a partir daí, mesmo em nossa atribulada vida
na cidade, podemos recuperar a liberdade do chamado profundo e redescobrir o
caminho do Seguimento de Jesus, que começa e termina nos “aforas” da
cidade.
Jesus entrou na cidade de Jerusalém com seus(suas)
seguidores(as) e não foi uma decisão fácil porque implicava o alto risco de ser
incompreendido e rejeitado. Como bom judeu, Jesus subiu a Jerusalém, cidade de
Davi (do Messias) em nome dos pobres, com um grupo de galileus, para anunciar e
preparar o Reino. Subiu na Páscoa, porque era o momento propício (hora do
Reino), tempo para que os homens e as mulheres pudessem se encontrar a se
comunicar, em gesto de paz, a partir dos mais pobres. Subiu a Jerusalém porque
estava convencido de que sua mensagem era de Deus e porque Deus lhe havia
confiado a missão de instaurar, com sua palavra e com sua vida, o novo Reino
dos pobres, que já havia começado na Galileia e que devia estender-se, desde
Jerusalém, passando de novo por Galileia, para todos os homens e mulheres da
terra.
Jesus tinha a certeza de que Deus falaria através do que
fizessem (ou não fizessem) com Ele em Jerusalém, pois esta era a última
oportunidade para a cidade da promessa e do templo. Entrou na cidade santa para
que finalmente ela se transformasse na “cidade de Deus”, o lugar de encontro do
ser humano com Deus, de Deus com todos os seres humanos, e estes como irmãos.
E pela primeira vez Jesus se deixa aclamar: “Hosana ao filho
de Davi”. Desta vez não recusou o papel de liderança, mas deu um outro sentido,
porque não se valeu disso para conquistar o poder e sim para desmascará-lo. Não
fez pactos militares ou políticos, porque Deus não atua por meio do poder, mas
de um modo gratuito. Dessa forma entrou na cidade de Jerusalém, desarmado e
cheio de esperança, renunciando todo poder sobre ela, todo domínio, toda força,
sem espadas, sem exército...
Não entrou montado a cavalo como os grandes, mas
num jumentinho; não entrou rodeado das grandes autoridades religiosas e políticas
pois Jesus se sentia muito melhor acompanhado das pessoas simples do
povo; não usou traje de gala, mas as vestes rudes de um peregrino; não
lhe fizeram nenhum arco de flores pois a Ele lhe bastavam os mantos do povo e
os ramos cortados das árvores; entrou provocativamente como mensageiro da
concórdia e da paz em meio a aplausos e hosanas do povo peregrino que veio à
festa. Jerusalém inteira fica alvoroçada. Os donos do poder, político e
religioso, sentem-se ameaçados.
Não devemos perder o deserto que carregamos dentro de nós;
por isso, só podemos “entrar na cidade” seguindo a Jesus Cristo que é fiel à
causa do Reino, com o risco da Cruz (Semana Santa), porque a Cruz assume,
radicaliza e eleva o deserto. Jesus vai morrer nos “aforas” da cidade, nesse limite
fronteiriço entre o deserto e Jerusalém, nesse espaço que só Deus pode
preencher e onde podemos enraizar nossa confiança n’Ele.. A Cruz se eleva e
abraça ambas realidades.
O(a) seguidor(a) de Jesus é um(a) apaixonado(a) do deserto e
que nunca se “encaixa” nas estruturas da cidade; sua presença sempre rompe com
as muralhas, alargando espaços e acolhendo o diferente. Se carregamos o deserto
dentro de nós, estaremos vazios de nós mesmos, de nosso ego, de nossas visões
fechadas, de nosso monopólio da verdade. Só assim nossa presença na cidade vai
se revelar inspiradora e provocativa, como a presença de Jesus em
Jerusalém.
Embora muitas realidades urbanas nos queiram impedir o
encontro com Deus, devemos reconhecer na cidade a presença d’Ele, muitas vezes
de um modo imperceptível, como o sol está presente nos dias nublados. Deus está
sempre presente na histórica e na cultura de nosso tempo. Ele continuamente vem
ao nosso encontro. O cristianismo é a religião do Deus com rosto humano e
urbano que nos busca apaixonadamente em Cristo. Por isso, não é necessário que
levemos Deus para a cidade; Ele já está ali presente, em meio às alegrias e
dores, esperanças e sofrimentos nela.
A presença de Deus não é percebida à plena luz do dia; uma
pessoa pode viver na cidade e perfeitamente ignorar, negar, desmentir ou
simplesmente desconhecer a presença divina nela. É preciso buscar a Deus, “descobrir
Deus na cidade”, como se estivesse encoberto, oculto, escondido no espaço
urbano. Uma aguda sensibilidade religiosa capta a presença de Deus também nos
sinais de sua ausência. O “Deus escondido” se apresenta onde é marginalizado.
Deus acompanha a todos em seu aparente ocultamento; pronuncia sua voz em seu
silêncio; revela sua onipotência em seu despojamento; mostra sua máxima bondade
em sua mínima expressão, do presépio à Cruz.
Este é um dos grandes desafios na grande cidade. Romper com
o individualismo e o poder que marcam as relações entre os homens e as
mulheres, para criar um marco novo, humanizador e aberto a Deus Pai, através de
pequenas comunidades. Comunidades daqueles que confessam o seu amor comum pelas
mesmas coisas – as mesmas esperanças, os mesmos sonhos, a mesma utopia do
Reino.
É, sobretudo, em torno da mesa que as comunidades se
constituem; com o gesto do “re-partir”, estabelece-se uma rede de relações
entre as pessoas que aceitam conspirar, co-inspirar, em tôrno do fascínio da proposta
de Jesus. Na verdade, a Eucaristia vivida é o sal, o fermento, a luz e a alma
da cidade. Assim é a cidade que Deus deseja: uma praça de encontro e uma mesa
celebrativa para todos.
Texto bíblico: Mc 11,1-10
Na oração: As cidades não são pessoas, mas tem sua
identidade e personalidade próprias; algumas tem múltiplas personalidades. Elas
existem no espaço e no tempo.
Há cidades acolhedoras, que dão as boas-vindas, que parecem
se preocupar com cada habitante, alegram-se com o fato de que os moradores ali
se sintam bem; são cidades humanizadoras...
Há cidades indiferentes, aquelas que dá no mesmo que as
pessoas estejam ou não nelas; cidades que seguem seu rumo, que ignoram seus
habitantes...
Há cidades que são más, violentas, que parecem perdidas, que
dão a sensação de que seriam mais felizes em outro lugar... Algumas grandes
cidades se propagam como um câncer que devoram tudo em sua passagem, absorvem
cidades pequenas e povoados, destroem culturas e hábitos de vida, esvaziam
regiões que em outros tempos eram prósperas... Cidades desumanizadoras.
Mas somos nós que damos uma feição às cidades; cada cidade
revela o rosto e o coração de seus moradores... Como é sua cidade? É espaço de
encontro, de comunhão, de qualidade de vida?
Diante dos dramas de sua cidade (violência, exclusão,
divisão...), qual a sua reação? acomodação, alienação? indiferença? ou
compromisso? envolvimento em projetos humanizadores? presença inspiradora e
facilitadora de encontros?...