A Academia Brasileira de Letras dá continuidade à série de
Seminários “Brasil, brasis” de 2018 com o tema O livro: a aventura não
terminou, sob coordenação geral do Acadêmico, professor, escritor e poeta
Domício Proença Filho (quinto ocupante da Cadeira 28, eleito em 23 de março de
2006), e coordenação do Acadêmico e jornalista Cícero Sandroni (sexto ocupante
da cadeira 6, eleito em 25 de setembro de 2003). Os participantes convidados
foram os editores Janaína Senna e Paulo Rocco, dois dos mais importantes
editores brasileiros.
O Seminário "Brasil, brasis", tem patrocínio do Bradesco.
OS CONVIDADOS
Janaína Guimarães de Senna graduou-se em Letras pela
Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), em 1998.
Concluiu sua dissertação de mestrado pelo programa de Pós-Graduação em
Literatura Brasileira da mesma universidade em 2001.
Doutorou-se pela PUC-Rio, em História Social da Cultura,
apresentando a tese Flores de antanho: as antologias oitocentistas e a
construção do passado literário, sobre a formação do cânone literário nacional.
O trabalho recebeu o Prêmio Capes de Teses em 2007 em forma de bolsa de
pós-doutorado, concluído na Fundação Casa de Rui Barbosa, no setor de Filologia
Românica. Possui artigos publicados na área de literatura brasileira
e historiografia, especialmente literária.
Atua no mercado editorial desde 2002 e já traduziu mais de
30 livros, a partir de originais em inglês, francês, espanhol e
catalão. Atualmente é a editora responsável pelo catálogo nacional da Nova
Fronteira e da Agir, que conta com autores como Evanildo Bechara, Rubem
Fonseca, Ariano Suassuna, Alberto da Costa e Silva, Nelson Rodrigues, Caio
Fernando Abreu, Millôr Fernandes entre outros.
Paulo Rocco iniciou a trajetória no mercado editorial
pela Editora Sabiá, em 1967. Contratado pela dupla Rubem Braga e Fernando
Sabino, na Sabiá, conviveu de perto com grandes escritores da época, como
Carlos Drummond de Andrade e João Cabral de Melo Neto, entre tantos outros. Em
1975, partiu para carreira solo e fundou a Editora Rocco. A nova casa editorial
começou com dois sucessos na bagagem: os dois primeiros títulos publicados pela
editora – Teje preso, de Chico Anysio, e Casos de amor, de Marisa
Raja Gabaglia – alcançaram as listas dos mais vendidos da época.
Na década de 1980, a Editora ousou ao trazer para o catálogo
pensadores importantes como Michel Maffesoli e Jean Braudillard, além de abrir
espaço para nomes de vanguarda no cenário político, como Fernando Gabeira e
Herbert Daniel, entre outros intelectuais que marcaram época. No mesmo
período, Paulo Rocco deu início à formação do prestigioso catálogo de
ficção da editora, com títulos como A fogueira das vaidades, de Tom Wolfe,
até hoje referência na prosa norte-americana. A ele viriam a se
juntar nomes como Gore Vidal, Noah Gordon, Ken Follett, Margaret Atwood, Anne
Rice e Carlos Fuentes, para citar apenas alguns.
Em 1988, Paulo Rocco apresentou ao Brasil e ao
mundo aquele que viria a se tornar o mais bem-sucedido escritor brasileiro,
Paulo Coelho, ao lançar O alquimista. Quase uma década depois, em 1997, toda
a obra de Clarice Lispector migrou para o catálogo da Editora. A Rocco é, desde
então, a casa da autora de A hora da estrela e tantos outros títulos
fundamentais para o universo das letras em todo o mundo. Antes, em 1978, a
Rocco publicou o infantil Quase de verdade, primeiro livro a sair
após o falecimento da autora, em dezembro de 1977.
No ano 2000, a Editora publicou Harry Potter e a pedra
filosofal, o primeiro volume da série da então desconhecida J.K. Rowling, que
se transformou no maior fenômeno editorial de todos os tempos. Coube ainda à
editora fundada por Paulo Rocco um papel de destaque em áreas como
autoconhecimento e espiritualidade, que fez história com títulos como Mulheres
que correm com os lobos, da psicanalista Clarissa Pinkola Estés, que ganha
reimpressões sucessivas desde o lançamento, em 1994.
O canto singelo de uma avezinha inspirou a aplicar-lhe
o nome de bem-te-vi. Ele pode se manter isolado no topo de uma árvore, como se
fosse um detetive tentando resolver um mistério. Dá a impressão de não estar
procurando nada, mas de repente brada sua vitória: Bem-te-vi! Bem-te-vi!
Quando os bem-te-vis se encontram em bandos, multiplicam-se
os gorjeios alegres, em vozes um tanto desconexas.
Em ambos os casos, o bem-te-vi tem o seu papel. Na ordem do
universo criado por Deus, representa o transbordamento da alegria pelo simples
fato de existir. Ele saltita, voa, movimenta-se, bate suas asas ao sol; e
depois descansa, alegre por existir. Quando nos parece sossegado, ele já previu
outras alegrias e sai voando. O instinto o leva a se alegrar e desdobrar-se,
proclamando o que há de bom em viver.
No seu gracioso brado aparentemente inútil, o bem-te-vi
presta grande serviço à Providência. Lembra-nos a virtude da vigilância, pois é
preciso prestar atenção em todas as coisas. A ufania com que proclama bem-te-vi é
como se dissesse: “Eu venci algo em mim, quando consegui ver-te, e seria tolo
se não tivesse visto”. Bem-te-vi, portanto, é um brado de vitória.
Lembra-nos também as virtudes da prudência, sagacidade, desconfiança, como quem
adverte: eu te vi bem! Mais ainda, lembra que há um olhar divino pousando sobre
cada homem. Quando alguém se esquece do olhar divino, e se aproxima do pecado,
pode funcionar como a voz da consciência dando o alerta: “cuidado,
pois bem-te-vi!”.
Coisas simples da vida, corriqueiras e elementares, mostram
o prazer quotidiano da existência. Para quem sabe viver, tem grande valor esse
prazer, pois trata-se de um magnífico dom de Deus. Na sua inocência primeira,
uma criança não passa de um “bem-te-vizinho”, que se alegra pela alegria de
viver. Para as coisas de que gosta, ela se abre em um “sorriso bem-te-vi” e
estende a mão para pegá-las: uma bola, um chocolate, uma bala, um bonequinho. O
mesmo se repete quando olha para a feição afetuosa da mãe, para a fisionomia
séria e forte do pai, para o irmãozinho tão parecido com ela.
O semelhante se alegra com o semelhante (similis simili
gaudet), como ensina São Tomás de Aquino. Uma criança que corre para outra
alegremente tem uma alegria que realiza esse princípio filosófico. São dois
semelhantes que se encontraram, por isso se alegram. Mesmo sem nenhuma noção de
filosofia, assim vivem e assim se alegram, pois aplicam um princípio da ordem
universal através do instinto e do afeto. É a primeira etapa da vida:
desanuviada, brilhante, tão cheia de recordações de toda ordem.
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Excertos da conferência proferida pelo Prof. Plinio Corrêa
de Oliveira em 16 de julho de 1983. Esta transcrição não passou pela revisão do
autor.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor.
Naquele tempo, muitos dos discípulos de Jesus, que o
escutaram, disseram: “Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”
Sabendo que seus discípulos estavam murmurando por causa
disso mesmo, Jesus perguntou: “Isto vos escandaliza? E quando virdes o
Filho do Homem subindo para onde estava antes? O Espírito é que dá vida, a
carne não adianta nada. As palavras que vos falei são espírito e vida. Mas
entre vós há alguns que não creem”.
Jesus sabia, desde o início, quem eram os que não tinham fé
e quem havia de entregá-lo. E acrescentou: “É por isso que vos disse:
ninguém pode vir a mim, a não ser que lhe seja concedido pelo Pai”.
A partir daquele momento, muitos discípulos voltaram atrás e
não andavam mais com ele. Então, Jesus disse aos doze: “Vós também vos quereis
ir embora?” Simão Pedro respondeu: “A quem iremos, Senhor? Tu tens
palavras de vida eterna. Nós cremos firmemente e reconhecemos que tu és o
Santo de Deus”.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. Paulo
Ricardo:
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As palavras sempre rompem alguma
coisa
Sieger Koder
“As palavras sempre rompem alguma coisa” (M. Yourcenar)
“As palavras que vos falei são espírito e vida” (Jo 6,63)
Estamos no final do cap. 6 do evangelho de João. Chega a hora
do desenlace; a alternativa é clara: abrir-se à verdadeira Vida ou permanecer
enredados numa vida atrofiada. Não há neutralidade; no mundo de hoje “tomam-se
mais decisões por não tomá-las (que já é uma decisão) do que por tomá-las”, por
acomodação, por medo de mudança, por inércia, por deixar que as coisas sigam
seu curso...
Quê resultado teve a oferta de Jesus? Suas palavras entraram
em choque com a mentalidade vigente; era inadmissível que uma pessoa pudesse
comunicar uma mensagem tão exigente e tão libertadora. Suas palavras romperam
visões distorcidas, mentalidades fechadas, modos arcaicos de viver,
conservadorismo...
Também hoje corremos o risco de “adocicar” as palavras de
Jesus para que não firam nossos pré-juizos. Com frequência, queremos
transformar Suas Palavras de Vida em um conjunto de ritos, doutrinas, normas...
para serem manipuladas segundo nossos critérios e nosso modo de viver. Mas, a
Palavra de Jesus nos desestabiliza, nos desequilibra e questiona a normalidade
doentia de nossa vida cotidiana. Às vezes, como os discípulos, também dizemos:
“Esta palavra é dura. Quem consegue escutá-la?”
No entanto, se queremos seguir Jesus, a única resposta
possível deve ser um “sim” profundo, um “amém” decidido e generoso. Desejamos
segui-lo e queremos ser como Ele; queremos abrir nossa vida à Palavra de Vida
que nos sustenta e nos inspira; sentimos o forte impulso de caminhar com o
Nazareno pela difícil e tortuosa estrada do povo de Deus na história.
A “palavra dura” de Jesus, no evangelho deste domingo, deve
nos inspirar a uma tomada de consciência do lugar e do valor das palavras em
nosso cotidiano. Quantas palavras temos dito ou escrito hoje? Temos consciência
do peso, da força que elas carregam? Vivemos saturados de palavras; elas nos
assaltam através das canções, estão nos perfis virtuais, nos livros, em mil e
uma conversações cotidianas. Falamos, dizemos, escrevemos, escutamos, lemos...
E de tanto usá-las, talvez elas acabem perdendo o sentido. Começamos a
considerá-las de um modo tão natural que não nos damos conta do quanto elas
significam. Então falamos, mas não vivemos. Palavreado crônico, desconectado da
vida.
O desenlace do cap. 6 de S. João torna-se uma ocasião
privilegiada de calar, de silenciar o palavreado, de deixar de abusar das
expressões gastas... para retomar a palavra sincera, para recordar que a vida
não é uma brincadeira, para que, quando voltemos a pronunciar, com delicadeza,
palavras carregadas de sentido e de vida, possamos nos fazer conscientes da
beleza, profundidade, promessa e compromisso que está por detrás de cada uma
delas. Nesse sentido, para crer em Jesus é preciso ter fome: fome de vida e de
justiça, que não fica satisfeita com palavras vãs, ocas e desprovidas de
sentido.
Professamos que Jesus é a Palavra de Deus, uma Palavra sem a
marca da falsidade ou do vazio, uma Palavra viva e vivida; Palavra autêntica,
de amor e paixão pela humanidade. Pois, através da identificação com Jesus,
também nós podemos ser palavra do mesmo Deus neste mundo. Uma palavra de amor,
de sustento, de presença solidária... E eu, que palavra sou?
Sabemos que a palavra é uma das realidades humanas mais
profundas: elas podem embalar ou golpear, ferir ou acariciar e curar. Sinceras
ou falsas, pensadas ou espontâneas... são um de nossos maiores tesouros.
Dizemos, escrevemos, lemos e compartilhamos palavras carregadas de vida ou de
morte. A palavra, escrita ou falada, é a expressão mais perfeita de nosso
pensamento, revela-nos ao mundo exterior e é traço de união de nossos
recíprocos relacionamentos.
A palavra, no dizer de um pensador, é um poderosa soberana
que realiza feitos admiráveis. Pode expulsar o temor, suprimir a tristeza,
infundir alegria, dilatar a compaixão. A palavra é fundamento de todo
relacionamento humano. Serve para comunicar o que queremos, expressar
sentimentos, argumentar, despertar... O mutismo e a negação da palavra
constituem terras de desolação. Aprendemos com as palavras emprestadas de
outros ou, quem sabe, também nós chegamos a dizer algo que fez a diferença para
alguém.
Falamos, e na fala-escuta, nós nos encontramos e revelamos
nossa identidade.
A palavra é meio divino para o encontro com todo o humano, e
é sinal humano para acariciar e sonhar o divino. A palavra é lugar de encontro,
de compromisso, de descanso, de ajuda, de luta, de consolo e de silêncio. Na
palavra podemos chegar a ser tudo o que somos, ou podemos nos evaporar como o
alento. Melhor falar com palavras que estendem pontes, encurtam distâncias e
entrelaçam vidas. Melhor falar a partir do carinho, da ternura e do amor,
aprendendo a reconhecer tanta bondade ao nosso entorno.
Com as palavras podemos sacudir as consciências, animar, levantar,
entusiasmar, despertar desejos de arriscar-nos a viver a fundo; ou podemos
desanimar, atrofiar, destruir, seduzir para fazer da vida um acontecimento
trivial e sem sentido. É melhor calar aquilo que levanta muros e gera
desconfiança e fraturas; é melhor calar o que envenena os sonhos e atrofia as
vidas.
“As palavras que vos falei são Espírito e são vida” (Jo
6,63)
Para nós cristãos, trata-se de algo definitivo: a Palavra se
fez carne. E compartilhou nossos caminhos, sentou-se em nossas mesas para revelar-se,
para dar-se a conhecer, para despertar vida... Jesus foi o homem que movia com
suas palavras vivas. É no encontro com a Palavra encarnada que brotam em nós
palavras criativas, carregadas de esperança e de sentido. As palavras nos tocam
e nos constituem.
Fora do percurso da palavra encarnada, vivemos intoxicados
de palavras, ou seja, um amontoado de palavras mortas, sem carne, sem entranha,
sem verdade, modelando seres adoecidos e desencarnados. A palavra tem um peso,
porque sua ressonância permanece. Em tempos de “sociedade líquida”, também
nossa palavra pode escorrer e evaporar-se.
Hoje, muita gente prefere Snapchat a WhatsApp ou outras
redes sociais porque o conteúdo se evapora em poucos minutos. É a volatilidade
das palavras que desemboca na volatilidade da comunicação e da relação. Por
isso, precisamos de um novo Pentecostes, ser penetrados pelo Espírito que nos
leve a nos entender, apesar de falar línguas diferentes.
É curioso: o evangelho diz com palavras muito simples e
cotidianas as coisas mais profundas. Nós, com palavras complicadas e com
jargões, que só os iniciados entendem, ou não dizemos nada significativo ou
cobrimos o fato de não ter nada que dizer. No entanto, em nossa cotidianidade,
são as simples palavras que nos ajudam a assumir os desafios da nossa
existência. Não é que as outras grandes palavras sobrem. Mas é que essas
palavras pequenas e simples são as que nos fazem sentir e saber-nos em caminho
de Evangelho, de Reino de Deus.
Que nossas palavras sejam sempre vivas! ...e a serviço da
vida!
Texto bíblico: Jo 6,60-69
Na oração: As palavras, para que tenham sentido e função,
para que não se tornem falsas nem dolorosas, deveriam passar pelo filtro da
mente e do coração. Seguindo o conselho de S. Agostinho, as palavras deveriam
antes passar pela lima que pela língua, para que cheguem à boca polidas pela
inteligência e pelo amor.
- Considere sua história de vida e tente recolher delas as
palavras que, espalhadas no chão de sua existência, foram criadoras de
possibilidades e abertura sem limites.
- Quê palavras estão em excesso em seu falar? Quê seria
melhor calar? Em quê seu falar é bem-dizer? Em quê circunstâncias da vida suas
palavras são carícia, bálsamo, consolo?