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quinta-feira, 5 de julho de 2018

O CRONISTA CYRO DE MATTOS - Por Henrique Frendich*




É preciso ter vivido muitos anos para saber que a recordação de certos fatos e coisas nada mais é do que saudade da vida que passa com os dias, semanas e meses. As pessoas, bichos, casas e ruas fogem como nuvens, ninguém pode retê-los. Infelizmente. Nesse tempo de mim procuro juntar fragmentos para me suavizar um pouco com essa saudade permeada de fatos, seres e coisas. De longe retorno agora no que houve para latejar sentimentos para mais eu em mim. (Cyro de Mattos)

A introdução da crônica “Esse tempo de mim bem pode servir como argumento para as outras que compõem Um Grapiúna em Frankfurt (Dobra Literatura, 2013), coletânea de Cyro de Mattos, também cronista da RUBEM. Suas crônicas são, justamente, fragmentos em que o escritor, impossibilitado de reter o tempo, suaviza-se através das recordações de histórias e pessoas que lhe marcaram a vida.

Assim é que o cronista revive episódios de uma infância no sul da Bahia, onde os desbravadores e, por extensão, os seus descendentes são chamados de grapiúna (o nome, de origem indígena, pode se referir a uma pequena ave preta que vive às margens do rio ou a um riacho preto, encontrado nas fazendas de cacau da região).

Nesta infância, sem jogos eletrônicos e com ruas pouco movimentadas, quando o trem ainda fazia parte da vida da cidade, Cyro de Mattos se lembra de antigos Natais, dos doces de sua avó Ana, do seu encantamento por Monteiro Lobato, de sua prima Gringa, de um singelo episódio de dor de dente. Mais crescido, o escritor se lembra da Boate ID e, através de uma fotografia amarelecida, recorda-se dos colegas da faculdade de Direito.

Estas são memórias mais pessoais, mas o livro também está recheado de pequenas biografias que contam episódios com personagens locais – às vezes célebres, como o amigo Jorge Amado, às vezes tipos locais, como o doido manso de apelido Jipe. Cyro de Mattos ressalta virtudes e aprendizados que encontrou através dessas convivências, através dessas amizades – e ele tem boas amizades que vêm desde a juventude e outras que nasceram graças ao milagre operado pela literatura.

Nem sempre, é claro, o cronista tem a felicidade de encontrar tipos tão admiráveis. Exemplo disso são os personagens de Quatro mosqueteiros do mal, todos tocando forte a clave da vaidade, conforme a metáfora usada pelo escritor em um dos textos mais significativos do livro, a crônica “A negação do outro”.

Embora reconheça que não é um político militante, Cyro de Mattos se diz alguém que teima em dar palavras aos sonhos, como faz em “Utopia dos Palmares”. É também com indignação que comenta a morte do rio de sua cidade enquanto os vereadores não mostram a menor preocupação com o dinheiro público. Em A cereja do bolo”, faz uma importante defesa da cultura, normalmente vista com miopia pela classe política.

E, não fosse a natureza, é possível que Cyro de Mattos desanimasse de tanto desgosto que encontra o mundo. Mas ele ainda ouve o clarim da garrincha anunciando que a noite chegou ao fim, admira o canto mavioso do sabiá, pergunta-se o que seria de nós se não existissem os passarinhos soltos no embalo festivo da natureza. São pequenos seres que, certamente, também latejam sentimentos para mais Cyro em Cyro.

*Henrique Frendich é jornalista e cronista. Editor da Revista virtual RUBEM, criada para homenagear o escritor  Rubem Braga. Tem como marca publicar  somente crônicas. Reside em Brasília.

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COPA DO MUNDO EM HELSINQUE - Péricles Capanema


5 de julho de 2018
♦  Péricles Capanema

A final da Copa do Mundo se dará em 15 de julho no Estádio Luzhniki, em Moscou. Grandes repercussões esportivas, celebrações e tristezas, que pouco a pouco se apagarão. Outra final, mais importante, acontecerá um dia depois, a 1124 quilômetros dali, em Helsinque (capital da Finlândia). Grandes repercussões políticas para todos, especialmente de imediato para os europeus. O que muitos temem, agravar-se-á ao longo dos dias.

O Kremlin e a Casa Branca [fotos acima] anunciaram simultaneamente que Donald Trump e Vladimir Putin se reunirão em Helsinque, 16 de julho. Sarah Huckabee, porta-voz do governo dos Estados Unidos, afirmou que as discussões versarão sobre segurança. O conselheiro Acácio dificilmente melhoraria a frase… Sauli Niinistö, presidente da Finlândia, por sua vez, garantiu que a agenda da cúpula será discutida nas duas próximas semanas.

De fato, nos bastidores, os temas já estão sendo aventados, há semanas provavelmente. E a cúpola dos dois líderes mundiais só se dará porque acerca dos assuntos a serem divulgados em Helsinque já houve acordo substancial. E também houve concordância, pelo menos nas linhas gerais, a respeito dos assuntos ventilados em reserva, e que não serão informados ao público.

O encontro dos dois presidentes, o terceiro, será mais importante, sob muitos aspectos, pela simbologia e pelo clima criado em Helsinque pelas duas superpotências. Antes haviam se reunido meio de passagem por ocasião do G-20 em Hamburgo, julho de 2017, e durante a conferência da APEC (Cooperação Econômica da Ásia e do Pacífico) em novembro de 2017. Agora é diferente, viagem só para o encontro, os Estados Unidos e a Rússia vão se encontrar para tratar dos seus mais importantes assuntos comuns.

Do local escolhido emana simbologia. Em Helsinque estiveram juntos Gerald Ford e Brejnev em 1975 [foto ao lado], do que resultou aprofundamento da détente (distensão). Ali se reuniram também George Bush e Gorbachev em 1990, no ambiente da glasnot e da perestroika, e ainda Bill Clinton e Boris Yeltsin em 1997. Sob vários aspectos, como em ocasiões anteriores, o mais importante será o clima que resultará da conferência.

E os assuntos? Lembro a frase conhecida, atribuída ao senador Valadares, “reunião, só depois do assunto decidido”. Já houve decisões. Na diplomacia e na política sempre foi assim. Os negócios provavelmente tratados causam temores nas capitais europeias. Declarações recentes do Presidente dos Estados Unidos a propósito não tranquilizaram: “Já disse desde o primeiro dia — estar bem com a Rússia, estar bem com a China, estar bem com todos é coisa muito boa”.

Estar bem com a China, estar bem com a Rússia, já deixa muita gente mal à vontade, pois com que subliminarmente delimita o campo só para três grandes players. O restante vai para o segundo plano. Ademais, hoje estar bem com a Rússia, significa não estar bem com todo mundo. Muita gente vai ser prejudicada na política de estar bem com a Rússia. Quem?

O caso da Crimeia está na pauta. Pelo jeito, os Estados Unidos caminharão para acomodação, deixando a Europa isolada. Com o tempo, a Europa tenderá também à acomodação, é a esperança de Moscou. De outro lado, a situação da Ucrânia apresenta pontos semelhantes. Daí, como ficarão as nações que fazem fronteira com a Rússia? Que valor têm as atuais garantias norte-americanas relativas à efetiva independência delas?

O grande tema do encontro começa a aparecer claro: zonas de influência. Os Estados Unidos deixarão que imerja uma ainda não oficial zona de influência russa? Existiu na prática durante toda a Guerra Fria. Voltará?

Outros temas. O futuro da Síria. Relações entre Pequim, Washington e Moscou. Não foi veiculado, mas existe ainda sobre a mesa o apoio russo ao regime de Nicolás Maduro, ingerência brutal e crescente na América do Sul. Como reagirão os Estados Unidos?

Donald Trump estará em Bruxelas em 11 e 12 de julho para reunião da OTAN — encontro de Chefes de Estado. Depois irá à Inglaterra em 13 de julho. Londres se sentiu enfraquecida em sua posição de isolar Vladimir Putin com o anúncio da cúpula na Finlândia. A seguir, no dia 16, o presidente dos Estados Unidos encontrará Vladimir Putin. Ele não poderá em Bruxelas reafirmar fortemente os laços com a OTAN — organização fundada para fazer frente ao expansionismo soviético e hoje barreira contra os sonhos do grão-nacionalismo imperialista de Putin —, se quiser trombetear êxitos em Helsinque. E nem é provável que apoie a posição firme de Londres em relação ao autocrata russo. Para chegar em Helsinque com possibilidades de triunfo publicitário, o presidente dos Estados Unidos precisaria baixar o tom no endosso público aos objetivos da OTAN e à diplomacia de Therese May em seus esforços para conter o expansionismo russo.

Em vista das preocupações provocadas pelo quadro geral, John Bolton, assessor para a Segurança Nacional dos Estados Unidos, procurou jogar água na fervura: “Não penso que devamos, necessariamente, esperar resultados específicos ou decisões. É importante, depois de certo tempo sem cúpula bilateral, permitir que os presidentes conversem sobre todos os temas que queiram, seja privadamente ou em reunião ampliada. Seguiremos suas diretrizes depois de tais discussões”.

Nessas circunstâncias, só fatos — e não palavras — podem acalmar. Daqui a duas semanas conheceremos os resultados de verdadeira final de Copa do Mundo no âmbito político. Os divulgados. Acalmarão? Que Deus nos ajude!


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