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segunda-feira, 12 de agosto de 2019

ABL: 200 ANOS DE CLARA SCHUMANN


Embora a educação musical no século XVIII fosse bem-vista pela sociedade, a mulher que exercesse profissionalmente uma atividade musical não era aceita facilmente por seus familiares. É nesse cenário que Clara Schumann consegue se destacar, apesar de todas as dificuldades impostas pela sociedade da época.

Clara Schumann, nascida Clara Josephine Wieck em 13 de setembro de 1819, recebeu desde cedo uma sólida educação musical de seu pai. Ainda na infância realizou o seu primeiro recital público e, muito cedo, conseguiu grande destaque na Europa. Durante suas aulas com o pai, Clara conheceu Robert Schumman, que viria a ser o seu esposo após uma verdadeira batalha judicial com seu pai, que não era favorável à união do casal.

Aos 21 anos casou-se com Robert Schumann e adotou seu sobrenome. Ao longo da vida, abdicou de sua carreira profissional e colocou-se em segundo plano para cuidar de seu marido e dos oito filhos. Apenas após a doença e a morte precoce de seu esposo, aos 46 anos, pôde exercer plenamente seus talentos e assim prover o sustento da família. É nessa perspectiva que se destaca a trajetória de Clara Schumann, que será homenageada na Academia Brasileira de Letras pelo London Music Club Piano Quartet para celebrar os 200 anos de seu nascimento.

O quarteto

O London Music Club Piano Quartet foi fundado em 1940 pela pianista Adela Hamilton Armstrong, em Holland Park, um lugar onde os músicos são livres para tocar em diversos momentos do dia ou da noite. Passaram por lá muitos estudantes e músicos renomados, entre eles Martha Argerich, Stephen Bishop, Fou T’Song, Desmund Bradley, entre outros.

Na década de 1970 os músicos do grupo também residiam no London Music Club e lá ensaiavam seus concertos de música de câmara.

Historicamente o conjunto é composto de artistas diferenciados. Nos últimos 15 anos, o grupo tem realizado concertos nas Américas do Norte e do Sul, e também na Europa. Beethoven, Brahms, Mendelssohn, Mozart e Schumann compõem seu repertório.

Com grandes nomes da música clássica reunidos em um concerto, como Lorna Griffit (piano), Haroutune Bedelian (violino), Russel Guyver (viola) e David Chew (cello), o London Music Club Piano Quartet faz sucesso ao redor do mundo, levando multidões às suas apresentações.

A homenagem

O London Music Club Piano Quartet está em turnê pela Europa, passando por mais de dez países e 30 cidades, e irá se apresentar na cidade do Rio de Janeiro, no Teatro R. Magalhães Jr. localizado na Academia Brasileira de Letras, Av. Presidente Wilson, 203 – Castelo. O evento acontecerá no dia 13 de agosto de 2019 às 12h30 e será transmitido ao vivo a partir das 12h20. A entrada é franca. Faça sua inscrição!

Programa
Partita de Bach com arranjo de R. Schuman (primeira audição latino-americana)
3 Romances de Clara Schumann Op.22
Brahms Piano Quartet em Sol menor Op.25


INSCRIÇÕES
Garanta sua participação gratuita para esse concerto exclusivo. Lugares limitados.



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UMA AMIZADE ANTIGA – Cyro de Mattos


Uma Amizade Antiga
Cyro de Mattos 


            O livro é esse amigo que nos acompanha há séculos, possibilitando o crescimento interior. Conhecemos outras vozes do mundo com esse amigo. Inauguramos a vida com novos olhares, superamos vícios e medos. Sabemos de casos que divertem, viajamos por terras nunca conhecidas. Damos voo à razão através da linguagem que usa para cada tipo de leitor. Um de seus milagres consiste em tornar leve todo o peso terrestre feito de solidões, angústias e perdas. Sua amizade não trilha os caminhos do interesse, transpira sinceridade. Com ele aprendemos que só talento não basta para quem quiser se tornar um filósofo, cientista ou poeta. É necessário o hábito da leitura. Esse amigo está pronto para dizer que, vivendo na sua companhia, a vida fica mais fácil. Matamos até a morte.
 
            Gosta de se mostrar nas livrarias. O lugar mais digno para acomodá-lo em nossa casa é a biblioteca. Quem não tem poder aquisitivo para adquiri-lo, pode achá-lo em uma   biblioteca pública. Lá está nas prateleiras o amigo solidário, esperando nossa visita para uma conversa útil. Mostra muitas coisas numa cumplicidade que informa, dá prazer, encanta. Faz aparecer paisagens impossíveis, que vão entrando na medida em que uma página puxa a outra.

            Livro xilografado, impresso com pranchas de madeira gravadas. Em rolos de papiro e também de pergaminho, no Egito. Nas telas de seda da China. Recolhido em manuscritos, no trabalho paciente e anônimo dos bibliotecários de Alexandria. Livro da sabedoria, do Antigo Testamento. Filosófico, científico e literário. Repositório do pensamento humano, dos povos para os povos, de geração em geração, com seus rumores milenares.

            Vem contribuindo para que o mundo mantenha portas e janelas abertas, o sol acenda manhãs, o vento sopre momentos que somam. Das formas primitivas às técnicas de editoração moderna, com esse amigo, como o braço ao abraço, os seres humanos aprendem que os dias de exercitar a existência e conhecer o outro ficam menos falhos.

            O padre Antônio Vieira disse certa vez que “o livro é um mudo que fala, um surdo que responde, um cego que via, um morto que vive.”  Acho que a fala da nossa maior figura da oratória sacra combina com o que eu li num para-choque de caminhão: “Quem não lê, mal fala, mal ouve, mal vê.”  Verdade. Hoje, na minha terceira idade, reli O Pequeno Príncipe, de Antoine Saint-Exupéry, a seguir O Velho e o Mar, de Ernest Hemingway. Saí depois para a vida rejuvenescido.

            De cabeceira ou de bolso, o livro é esse fiel amigo por vias e arredios, capaz de dizer silêncios por meio dos sinais visíveis da escrita.

            Fiquei certa vez abatido por conta da afeição que nutro por esse amigo. Quando morei na fazenda São Bernardo, nas imediações de Ferradas, chão onde nasceu o romancista do mundo Jorge Amado e o poeta Telmo Padilha, os   livros que trouxe do Rio de Janeiro ficaram encaixotados até que pudesse comprar uma estante digna de recebê-los. E, numa noite sem estrelas, a chuva caiu pesada na terra centenária.  O telhado velho da pequena casa não suportou o volume da água que corria por entre as calhas.  Em pouco tempo, poças d’água formaram-se em vários cantos da casa por causa das goteiras.

            No outro dia, encontrei molhados os caixões que guardavam velhos amigos. Lembro que apressado fui retirando do primeiro caixão  Além dos Marimbus,  de Herberto Sales, Uma Vida em Segredo, de Autran Dourado”, Poesias, de Manuel Bandeira, O Salto do Cavalo Cobridor, de Assis Brasil, Fábulas, de La Fontaine, Dom Quixote, de Cervantes,  Timeless Stories for Today and Tomorrow, de Ray Bradbury, Hamlet, de Faulkner, The Grass Harp, de Truman Capote,  A Metamorfose, de Kafka, O Muro, de Sartre, e A Moveable Feast, de Ernest Hemingway. Foram os livros mais atingidos pela chuva que  caíra  naquela noite cortada por relâmpago e trovoada. Páginas manchadas, letras borradas, capas danificadas. Ainda tentei salvá-los, espalhando-os abertos no passeio para que fossem aquecidos pelos raios de um sol tímido.

            Aqueles livros haviam sido adquiridos com o dinheiro da mesada que o pai mandava para o moço do interior na Capital, onde cursava a Faculdade de Direito. Outros foram comprados nos meus anos de jornalista no Rio de Janeiro. Meu coração sentia um tremor quando descobria um desses amigos na vitrina, balcão ou prateleira de livraria, acenando-me para que fosse adquiri-lo.

            À noite peguei no sono como um herói inútil. Acordei deprimido no outro dia. Aqueles que não consegui salvar tinham me ofertado ricos momentos de leitura, horas de sonho e palavras de amor varando as madrugadas. Madrugadas do homem solitário, que, no silêncio da noite, lograva extrair sentidos da vida com aqueles companheiros especiais. Jamais esqueci isso.

 
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Doutor Honoris Causa da Universidade Estadual de Santa Cruz. Publicado em Portugal, Itália, Espanha, Alemanha, França, Dinamarca, Rússia e Estados Unidos. Premiado no Brasil e exterior. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia e de Ilhéus. Comendador da Ordem do Mérito do Governo da Bahia


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