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terça-feira, 31 de julho de 2018

POETA EM SÃO PAULO: ÁLVARO ALVES DE FARIA - Cyro de Mattos


Poeta em são Paulo: 
Álvaro Alves de Faria

Cyro de Mattos 



            Da “Geração 60” dos poetas de São Paulo, Álvaro Alves de Faria é o único que circula por diversas escritas literárias. Publicou romances, novelas, ensaios e peças teatrais encenadas em várias capitais brasileiras. Organizou antologias e praticou o jornalismo literário, que lhe rendeu o Prêmio Jabuti de Imprensa por duas vezes, em 1976 e 1983.

           Ao fazer o lançamento de O Sermão do Viaduto, no Viaduto do Chá, na capital paulista, durante noves recitais, que lhe deram  cinco detenções, até que foram proibidos pelo DOPS por motivos políticos, sob a alegação de que realizava manifestações subversivas, o poeta Álvaro Alves de Faria instalava um comportamento poético diferente do que se estava acostumado a ver nos meios culturais de São Paulo. A geração antecedente de poetas vinha aprisionando a vida nas torres da arte. Outros grupos daquela época demitiam da poesia a intuição, propondo uma sintaxe visual com o mínimo de palavras e a valorização do espaço em branco  na elaboração do poema.  Ao reduzirem o conteúdo à estrutura visual do poema,  suscitavam dúvidas quanto à sua fecundação: a repetição de uma só palavra gerava ausência de criatividade, derivando para um automatismo que desligava a linguagem das matrizes perspectivistas, carregada de símbolos e conotações no discurso  imanente.

            Qual profeta moderno, o poeta revolucionário   recorria ao sermão para atar as pontas da vida e da poesia nas grandes e desertas  planícies. Manipulava a metáfora, a alegoria e a parábola na via pública até perder-se na noção de sua altura, exatamente naquele ponto no qual  se busca reencontrar  uma morada antiga. Seus versos cheios de verdade compareciam  na paisagem de incertezas sob o tom luminoso para resistir  aos rumores e tremores do abismo. Com uma dicção bíblica feita de imagens corajosas, sábias,  enfrentava o poeta visionário  a ordem política atemorizadora, que bania o amor, galopava nas trevas, como se a solidariedade fosse coisa inútil e o absurdo do déspota, a única tecla. A voz de uma beleza profunda propagava-se no intuito de iluminar de esperança os desertos. Repercutia com seu ramo de luz no tema da pobreza e  da criatura indefesa. Do coração sensitivo do poeta atuante ofertava-se o trigo vindo dos longes comovidos para os sem voz num campo de mágoas.

            Já em  20 Poemas Quase Líricos e Algumas Canções para Coimbra, o poeta do sermão no Viaduto do Chá conduz o coração para o transe lírico da memória. A forma do poema, o ritmo que flui do dizer poético reiterativo sobre seres e coisas  aderem ao fluxo lírico de forte teor emotivo. O coração acordado do poeta pulsando no presente  fere a “memória da memória”,  assinala a ensaísta portuguesa Graça Capinha.,   da Universidade de Coimbra. Atravessa lugares do imaginário e do real na medida em que a viagem inexplicável vai sendo empreendida pelos caminhos do tempo. O coração do andante solitário transpira momentos que lhe são caros, e a memória veste-se de  imagens com passagens puras e ardentes. Situações  que chegam de rostos, sombras,  lugares superpostos  liberados do subconsciente, coabitam no poeta,  trazendo  daquela zona suspensa  do azul o tempo que perdura no afeto.

            A emoção do poeta cresce nas gradações do amor que a cidade revela nas ruas, becos, ofícios que afloram de outras idades, degraus que não têm fim, telhados acumulados de ausência, janelas fechadas, portas  que não se abrem.  Circula nas alusões aos poetas nos cafés, resvala no efêmero ante o eterno que desce no rio Mondego. Oscila  entre memória e coração avivando as  paragens dos antepassados, o pai nasceu em Lobito, Angola, a mãe em Famalicão, Portugal.  A memória aflora do que há de mais amoroso, o coração pulsa  candente no que há de mais sensível e essencial. No encontro agitado da sensibilidade produzem  uma poesia palpitante nas fissuras cósmicas, pendendo de remotas raízes portuguesas.

            Permanente registro de atração por uma cidade que o chama, o poeta em densidade lírica a atravessa no olhar e se deixa invadir de impressões, ilusões, visões doloridas de secreto caminhar, através de sustos que não se decifram, porejando ternuras no imaginário  que delira. E, do ardor no sermão em viaduto, no fluxo mediúnico que verte o comportamento da linguagem inserida no discurso,  ao soluço lúcido do caminhante solitário, faz e refaz  andanças do mesmo todo, tentando compreender determinada realidade escamoteada sob a máscara do que foi e no que é visto com suas  verdades essenciais. De qualquer modo, travessia.

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*Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia). Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca. Conquistou o Segundo Lugar do Prêmio Internacional de Literatura Maestrale  Marengo d’Oro ,  duas vezes, em Gênova, Itália, o  Afonso Arinos da Academia Brasileira de Letras,  o da Associação Paulista de Críticos de Arte   e o Prêmio Nacional Pen Clube do Brasil.  O texto “Poeta em São Paulo: Álvaro Alves de Faria” pertence ao livro A Leitura Lembrada, ensaios, em andamento.

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O PODER DA PALAVRA - Paulo Coelho



Destruindo o seu próximo

Malba Tahan ilustra os perigos da palavra: uma mulher tanto falou que seu vizinho era ladrão, que o rapaz acabou preso. Dias depois, descobriram que era inocente; o rapaz foi solto processou a mulher.

– Comentários não são tão graves – disse ela para o juiz.

– De acordo – respondeu o magistrado. – Hoje, ao voltar para casa, escreva tudo que disse de mal sobre o rapaz; depois pique o papel, e jogue os pedaços no caminho. Amanhã volte para ouvir a sentença.

A mulher obedeceu, e voltou no dia seguinte.

– A senhora está perdoada se me entregar os pedaços do papel que espalhou ontem. Caso contrário, será condenada a um ano de prisão – declarou o magistrado.

– Mas é impossível? O vento já espalhou tudo!

– Da mesma maneira, um simples comentário pode ser espalhado pelo vento, destruir a honra de um homem, e depois é impossível consertar o mal já feito.

E enviou a mulher para o cárcere.


Uma lenda do Polo Norte

Conta uma lenda esquimó que, na aurora do mundo, não havia qualquer diferença entre homens e animais: todas as criaturas viviam em harmonia sobre a face da Terra, e cada uma podia transformar-se na outra, a fim de entendê-la melhor. Os homens viravam peixes, os peixes viravam homens, e todos falavam a mesma língua.

“Nesta época”, continua a lenda, “as palavras eram mágicas, e o mundo espiritual distribuía fartamente suas bênçãos. Uma frase dita ao acaso podia ter estranhas consequências; bastava pronunciar um desejo que este se realizava”.

Foi então que todas as criaturas começaram a abusar deste poder. A confusão se instalou, e a sabedoria se perdeu.

“Mas a palavra continua mágica, e a sabedoria ainda concede o dom de fazer milagres a todos que a respeitam”, conclui a lenda.


Os tempos difíceis

Um homem vendia laranjas no meio de uma estrada. Era analfabeto, de modo que nunca lia jornais. Colocava pelo caminho alguns cartazes, e passava o dia apregoando o sabor de sua mercadoria.
Todos compravam, e o homem progrediu. Com o dinheiro, colocou mais cartazes, e passou a vender mais frutas. O negócio progredia rapidamente quando seu filho – que era culto e havia estudado numa grande cidade – procurou-o:

– Papai, você não sabe que o Brasil está atravessando momentos difíceis? A economia do país anda péssima!

Preocupado, o homem reduziu o número de cartazes, e passou a revender mercadoria de pior qualidade, porque era mais barata. As vendas despencaram imediatamente.

“Meu filho tem razão”, pensou ele. “Os tempos estão muito difíceis”.


O manual de instruções

Depois de comprar uma nova máquina de descascar legumes, a mulher tentou – usando o manual de instruções – fazer com que funcionasse. Terminou por desistir, deixando as peças espalhadas na mesa. Foi ao mercado, e ao voltar descobriu que a empregada tinha montado o aparelho.

“Mas como conseguiu isso?”, perguntou, surpresa.

“Bem, como não sei ler, fui obrigada a usar a cabeça”, foi a resposta.

Diário do Nordeste , 28/07/2018


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Paulo Coelho - Oitavo ocupante da Cadeira nº 21 da ABL, eleito em 25 de julho de 2002 na sucessão de Roberto Campos e recebido em 28 de outubro de 2002 pelo Acadêmico Arnaldo Niskier.

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