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domingo, 21 de junho de 2020

PODEMOS SIM SAIR DAS TREVAS - Ignácio de Loyola Brandão


Caro Sidarta Ribeiro, nem imagina como foi bom participar de uma live com você. Há instantes em nossa vida em que, se estivermos abertos, descobrimos que algo se passou e continuamos a viver um pouco diferentes. Ao longo da vida, criamos cracas, assim como as antigas caravelas viviam cheias delas agarradas ao casco e que diminuem a velocidade na navegação. É preciso limpeza de tempos em tempos. Você, de cara, me conquistou ao contar que meu romance Não Verás País Nenhum te abalou aos 12 anos. Pronto, me entreguei. Conversar contigo durante hora e meia, na live promovida pelo Fernando Quintino e pelo Daniel Brandão, meu filho, foi um upgrade para mim.

Sabia quem você era quando me convidaram, te vi no Roda Viva, um dos melhores dos últimos anos. Minha falha foi ainda não ter lido seu livro O Oráculo da Noite, mas já encomendei. Mas veja que curioso. Tenho 83 anos e você 49. Portanto 34 anos nos separam, o que é bastante nestes tempos em que tudo gira em velocidade. Durante nossa conversa deveria ter dito uma coisa, não disse. Mas teríamos tido mais assunto. Quando você nasceu em 1971 eu tinha 35 anos e começava a preparar a edição brasileira da revista Planeta, cujos direitos Luis Carta tinha comprado da França. A Planète foi criação de Louis Pauwels e Jacques Bergier, que criaram o realismo fantástico em um livro que viralizou no mundo, O Despertar dos Mágicos.

Do que se ocupava a revista? O poder da mente dos povos primitivos, a transmissão pelo pensamento, a neurociência, o movimento do pensamento alquímico, as civilizações desaparecidas, o universo paralelo, o poder dos raios, os extraterrestres, a existência das fadas, alucinógenos, LSD, o poder da plantas, xamãs, religiões orientais, as medicinas alternativas, a mescalina, as portas da percepção (Huxley), a expansão da consciência, câmeras que fotografavam o passado, a vida artificial, mistérios da água. Durante sete anos editei a revista que foi um assombro, porque tratava de assuntos insólitos, alguns proibidos. Lembre-se, era plena ditadura Médici.

Nunca me esqueço do artigo O Homem Vai Sobreviver?, de José Maria Domènech, publicado em 1973, quando você tinha 2 anos. Ele indagava: O homem vai conseguir chegar ao terceiro milênio? Respondia que sim, com a ciência, a expansão dos microscópios e telescópios cada vez mais potentes, a descoberta das chaves dos códigos genéticos, as ondas sonoras nas frequências de hiperciclagem, as futuras descobertas científicas e as tecnológicas trazidas pelas pesquisas cada vez mais amplas com recursos colossais poderão mudar o panorama. Quase 50 anos depois, as perguntas continuam a ser feitas. A live da qual participamos ligou uma chave entre passado e futuro para mim. E me fez perguntar: e agora, Ignácio?

Este fui eu, Sidarta. E veja você. O primeiro Sidarta – ou Buda – que me fez a cabeça foi o do Herman Hesse. Éramos muito jovens quando lemos Hesse, Sidarta, Demian, O Lobo da Estepe. Depois, parece que fiquei meio parado, quando devia ter continuado. Agora nos encontramos e você me dá uma sacudida semelhante à que tive quando fiz Planeta e li Hesse, Krishnamurti, Blavatsky e descobri planetas novos no conhecimento. Aquela pergunta de 1973 na Planeta está sendo respondida. E o meu descrédito no futuro do homem me deixou constrangido. Pessimista não sou. Mas tinha pouca fé. Também lembro de uma frase de Curt-Meyer Clason, meu tradutor para o alemão, quando me dizia que o “pessimista é um otimista com experiência”.

Passo rápido pela velha discussão sobre acasos ou coincidências – ou conectividades – sempre levantados. Neste momento, terminei de escrever um longuíssimo depoimento que me fez refletir sobre nosso tempo e a vida que levamos. É biografia de Hiroshi Ushikusa, psicoterapeuta que foi cirurgião gastro e descobriu que mais eficaz do que o seu bisturi eram as conversas e o entendimento de que as doenças de seus pacientes não eram físicas e, sim, estavam no íntimo, na profundidade do espírito. Hiroshi é o quê? Um espiritualista, praticante da Mahikari.

Na pergunta de nossos âncoras no final da live, você me alertou, ou ensinou, que há novas ciências, novos processos de pesquisas, novas mentalidades e possibilidades ao nosso alcance, com elementos tirados da natureza, destinados à expansão do conhecimento e da consciência. Uma ciência natural que pode afastar o homem dos caminhos a que ele está sendo conduzido até agora, um tempo de depressões, traumas, aflições, medo, pesadelos, martírios. Ciências e técnicas que nos afastarão do torpor a que estamos sendo conduzidos por drogas sintéticas que nos escravizam, anestesiam e nada resolvem. Sem falar dos sistemas políticos. Você me deu um grito: acorde. Você vem dando esse grito: acordemos todos. 

PS: Você percebeu que nem um minuto, um segundo, falamos de política?

O Estado de S. Paulo, 19/06/2020


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Ignácio de Loyola Brandão - Décimo ocupante da Cadeira 11 da ABL, eleito em 14 de março de 2019 na sucessão do Acadêmico Helio Jaguaribe.

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (189)


2º Domingo do Tempo Comum

Imaculado Coração da Virgem Maria – Sábado, 21/06/2020

Evangelho (Lc 2,41-51)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas. 
— Glória a vós, Senhor.

Os pais de Jesus iam todos os anos a Jerusalém, para a festa da Páscoa. Quando ele completou doze anos, subiram para a festa, como de costume. Passados os dias da Páscoa, começaram a viagem de volta, mas o menino Jesus ficou em Jerusalém, sem que seus pais o notassem. Pensando que ele estivesse na caravana, caminharam um dia inteiro. Depois começaram a procurá-lo entre os parentes e conhecidos. Não o tendo encontrado, voltaram para Jerusalém à sua procura. Três dias depois, o encontraram no Templo. Estava sentado no meio dos mestres, escutando e fazendo perguntas.
Todos os que ouviam o menino estavam maravilhados com sua inteligência e suas respostas. Ao vê-lo, seus pais ficaram muito admirados e sua mãe lhe disse: “Meu filho, por que agiste assim conosco? Olha que teu pai e eu estávamos, angustiados, à tua procura”. Jesus respondeu: “Por que me procuráveis? Não sabíeis que devo estar na casa de meu Pai?” Eles, porém, não compreenderam as palavras que lhes dissera. Jesus desceu então com seus pais para Nazaré, e era-lhes obediente. Sua mãe, porém, conservava no coração todas estas coisas.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanha a reflexão do Padre Roger Araújo:

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“Não tenhais medo!”(Mt 10,31)

O ser humano amadurece no confronto entre desejo e medo. Não há medo sem um desejo escondido e não há desejo que não traga consigo um medo. O desejo e o medo estão profundamente ligados.

É constitutivo, na natureza humana, a tendência natural de tentar ultrapassar o imediato, de arriscar novos horizontes, de enfrentar perigos, de buscar, de criar, de se aventurar; mas, em seu interior, está também presente a tendência oposta, ou seja, poupar-se e acautelar-se, a necessidade inata de evitar o perigo, de se afastar dos obstáculos, de se acomodar no passado, no conhecido, no que dá segurança...

Há, em todos nós, um desejo de plenitude e o medo do fracasso. No nosso processo de crescimento humano, o medo não superado e o desejo bloqueado vão gerar frustrações; de outro lado, o medo superado e o desejo desbloqueado vão permitir que sejamos mais ousados e criativos.

O evangelho deste domingo nos revela que Jesus é um profundo conhecedor do coração humano; ele sabe de quê somos feitos e o que se passa no mais profundo de cada um de nós. Ele conhece profundamente as inseguranças e os medos que nos habitam.

Por isso, do seu humano coração, marcado com as fibras da coragem, brota este apelo: “Não tenhais medo!” Esta expressão está situada no contexto do envio dos discípulos em missão. Jesus acaba de dizer a seus seguidores que eles serão perseguidos e encarcerados.

Se Jesus nos convida a não ter medo, não é porque nos prometa um caminho de rosas. Não se trata de confiar em que não nos acontecerá nada desagradável, ou, se algo mal nos acontece, alguém nos livrará do perigo. Trata-se de uma segurança que permanece intacta em meio às dificuldades, sabendo que os contratempos não podem atrofiar nosso ser essencial. Deus não é a garantia de que tudo irá bem, mas a segurança de que Ele estará aí presente, em qualquer situação que estivermos envolvidos. 

O apelo de Jesus também pode ser aplicado a todas as situações de medo paralisante que podemos encontrar na vida. Por detrás de numerosos comportamentos destrutivos – o consumo compulsivo, a dependência, o ódio, o racismo, a intolerância, a indiferença, a suspeita, a violência, a competição, a exclusão, a prepotência, o abuso de poder ... -  se oculta o medo. O medo continua enchendo nosso planeta de vítimas anônimas, impedindo que a humanização e a harmonia, nossa vocação última, se expressem.

No atual momento, toda a humanidade está atravessada por um terrível medo: a contaminação pelo convid-19. Mas, os grandes medos não aparecem com freqüência; são os pequenos medos, que surgem dos encontros diários com a realidade, que roubam da pessoa sua vitalidade e dinamismo. O medo inibe o pensamento, impede a concentração e é, portanto, muito responsável por se fazer as coisas de modo medíocre, sem valor, abaixo das possibilidades e contra as próprias expectativas.

O medo não é um ato moral nem uma omissão. Sem ser convidado, ele cresce no coração humano. Em tal atmosfera de medo, a imaginação e todas as energias criativas se atrofiam.

O medo é um câncer que ameaça a fé, o amor e a esperança de pessoas e instituições; ele corrói as fibras humanas, asfixia talentos, esvazia a vida e mata a criatividade. O medo encolhe o ser humano, inibe a decisão e bloqueia os movimentos em direção ao “mais”. Sua intensidade pode anular a capacidade de reação das pessoas ou das instituições; ele impede o discernimento e a busca da solução mais inteligente para os problemas; longe de resolvê-los, pode agravá-los a médio e longo prazo.

Enfim, o medo obscurece o sentido e a direção da vida, tira o brilho tão próprio do amor e seca as fontes da esperança; ele nos acovarda e nos enterra na acomodação mesquinha.

No evangelho, que acabamos de escutar, Jesus faz referência ao medo que pode vir de fora, provocado por aqueles que se fecham e resistem frente à novidade do anúncio do Reino. Mas, também podemos considerar o apelo de Jesus – “Não tenhais medo!” – em chave de interioridade; esta expressão se refere a um acontecimento interior, pois o medo é o inimigo de nosso eu original.

Quando o inimigo é uma força externa, nem sempre há motivos para alimentar o medo. Mas quando os inimigos se encontram no nosso próprio interior (traumas, recalques, frustrações, fracassos...), provocando medos paralisantes, é preciso ter a coragem para desvelá-los, conhecer a raiz de onde brotam, entrar em diálogo e reconciliar-nos com tudo aquilo que foi rejeitado e que continua envenenando nossa vida.

Podemos ser presa fácil de um medo que foi introjetado pelas experiências de insegurança e frustração do passado, e que impede deslanchar todas as nossas potencialidades humanas. Tal medo nos aniquila, pois mina toda possibilidade de alimentar a fé-confiança em nós mesmos, nos outros, e sobretudo n’Aquele que nunca provoca medo, com ameaças de inferno, julgamentos...

No fundo, o medo é a ignorância com respeito a nós mesmos; vivemos a cultura da superficialidade e esquecemos o caminho que dá acesso ao nosso coração. Se conhecêssemos nosso verdadeiro ser, não ha-veria lugar para o medo, que nos mantém confinados na prisão de nossa interioridade doentia. Se experimentássemos, por nós mesmos, a realidade que nos fundamenta, estaríamos sempre tranquilos e em paz. 

Uma sadia interioridade supõe mobilizar o coração para a imprevisível revelação de um Deus Outro, que faz de nosso ser sua morada.  Isso implica adentrar-nos com os pés descalços, despojando-nos de nosso afã de domínio, de controle, “deixando Deus ser Deus”: amor, mistério, surpresa, desconcerto, noite...

Todos nós já tivemos a oportunidade de perceber as consequências funestas quando levamos uma vida dispersa, agitada, ansiosa, evasiva, inquieta...; e, ao contrário, o que sentimos e saboreamos quando entramos no espaço interior, mesmo que seja por poucos instantes: a paz do coração, a serenidade prazerosa, a percepção do sussurro amável, a brisa que nos envolve quando permanecemos submergidos na certeza de saber que somos amados, sem dependência e nem fragmentação.

Alguns testemunhos confirmam e dão crédito a esta experiência interior: “Fizeste-nos para ti, e inquieto está nosso coração até que descanse em ti” (S. Agostinho). “Nada te perturbe, nada te espante, quem a Deus tem, nada lhe falta, só Deus basta” (S. Teresa de Jesus)

Sem a superação cotidiana desse medo, nossa missão estará comprometida; perderá sua força inovadora, garantida pela novidade do Projeto de Deus. O compromisso com o Reino requer de todos uma forte dose de coragem e uma alma ágil, animada e vivificada pelo sabor da aventura e da novidade.

Nada de medo nesta terra sobre a qual Jesus pisou e nos corações que Ele visita diariamente.

O velho medo não vigora onde os olhos se abrem para a suprema realidade do mundo como criação de Deus, e da vida como um presente d’Ele.

Vencido o medo, nós nos tornaremos autênticos(as), criativos(as) e audazes seguidores(as) de Jesus.

     “Quem for medroso e tímido volte para trás” (Jz. 7,3). 

Texto bíblico:  Mt. 10,26-33 
* Jesus conhece a necessidade de intervir no mais escondido de cada um dos seus discípulos; ali estão alojados os mais diferentes medos,  que minam a força e a coragem do seguimento.
* Dar nomes aos medos pessoais: são reais? Imaginários?
* Quê desejos alimentam e sustentam sua vida?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

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