Papa da Imaculada Conceição, do Syllabus e da infalibilidade
pontifícia. Enfrentou corajosamente o “Risorgimento” italiano e sua
vinculação histórica e ideológica com a Revolução Francesa. Sua
festividade é celebrada no dia 7 de fevereiro.
Plinio Maria Solimeo
Escrever sobre um Papa que faleceu aos 86 anos, e que durante 32 esteve no comando da Igreja numa época das mais conturbadas de sua história, governando-a com sabedoria em seus muitos empreendimentos, é quase impossível num espaço muito limitado. Por isso daremos apenas grandes traços do pontificado desse bem-aventurado Pontífice, baseando-nos sobretudo na excelente obra do Prof. Roberto de Mattei,1 da qual são transcritas as citações entre aspas cujas fontes não vêm citadas; e as demais são do bom artigo de Michel T. Ott na The Catholic Encyclopedia.
Influência de São Vicente Pallotti
João Maria Mastai Ferretti, futuro Pio IX, nasceu no dia 13
de maio de 1792 em Senigaglia, na Itália. De família da nobreza local, estudou
no Colégio Piarista em Volterra. Como sofria de epilepsia, não pôde seguir a
carreira militar. Em 1809 foi estudar teologia em Roma, mas teve que abandonar
os estudos em 1812, por problemas de saúde. Fez parte da Guarda Nobre Pontifícia,
mas também por motivos de saúde teve que deixá-la. Apesar desses padecimentos,
sua longa vida incluiu o pontificado de 32 anos, o mais longo da História
depois do de São Pedro.
Mastai Ferreti teve em 1815 um encontro providencial com São
Vicente Pallotti, que lhe profetizou o pontificado, e a partir daí a Virgem de
Loreto o curou gradual e definitivamente. Diante das ideias que marcaram seu
tempo — “iluminismo, turbulências do período napoleônico, surgimento da
questão operária que culminou no ‘manifesto comunista’, tendências liberais,
movimentos nacionalistas na Europa, além do desenvolvimento da imprensa” —
São Vicente Palloti “voltava sua atenção sobre a necessidade urgente de
reavivar a fé, e de reacender a caridade entre os católicos para anunciar a todos
os homens a boa notícia da salvação”.2
Arcebispo, Cardeal e Papa
Tiara de Pio IX
Tendo voltado aos seus estudos teológicos, foi ordenado
sacerdote em 1819. Em 1823 acompanhou o Núncio Apostólico ao Chile, aí
permanecendo durante dois anos. Ao seu retorno em 1825, foi nomeado cônego de
Santa Maria in Via Lata e diretor do grande hospital de São Miguel. Finalmente,
em 1827, Leão XII o designou Arcebispo de Espoleto, onde seguiu uma linha
pacificadora e moderada.
Em 1831, revolucionários italianos partidários da
independência de seu país em relação à Áustria combateram o exército imperial e
foram derrotados. O Arcebispo Ferretti os convenceu a depor as armas e a se
dispersarem. Deu-lhes dinheiro suficiente para voltar às suas casas, e obteve
para eles o perdão do comandante austríaco.
No ano seguinte Mastai Ferreti foi transferido para a sé de
Imola. Em 14 de dezembro de 1840 tornou-se cardeal (em 1839 ele já havia sido
cardeal in petto), conservando a sé de Imola até tornar-se sucessor de
Gregório XVI em junho de 1846. Era o candidato dos cardeais liberais, que
desejavam reformas políticas moderadas.
O novo Papa aceitou relutantemente a tiara, e tomou o nome
de Pio em memória de Pio VII, seu benfeitor. Por sua caridade para com os
pobres, bondade de coração e perspicácia, foi recebido com alegria pelo povo.
Em sua primeira encíclica (Qui Pluribus, de 9 de novembro de
1846) Pio IX lamentou a opressão dos interesses católicos, as intrigas contra a
Santa Sé, as maquinações das sociedades secretas, os sectarismos, as
associações bíblicas, o indiferentismo, as falsas filosofias, o comunismo e a
licenciosidade da imprensa.
O Papa Pio IX despede-se do Rei Fernando II no momento de
seu retorno a Roma depois do exílio em Gaeta – Filippo Bigioli (1798-1878)
Fuga para a cidade de Gaeta
Durante a revolução de 1848, estando Roma em poder dos
revolucionários que visavam proclamar a república, o palácio papal do Quirinal
foi cercado. Com a assistência do embaixador da Baviera, o Papa conseguiu fugir
disfarçado para Gaeta, onde outros cardeais se juntaram a ele. Apelou então
para França, Áustria, Espanha e Nápoles, e no dia 29 de junho as tropas
francesas comandadas por Oudinot restauraram a ordem na Cidade Eterna.
No dia 12 de abril de 1850 o Soberano Pontífice pôde voltar
a Roma. Daí em diante abandonou sua política liberal, tornando-se cada vez mais
um firme contra-revolucionário.
O Papa Pio IX proclama o Dogma da Imaculada Conceição
Francesco Podesti, séc. XIX. Museu do Vaticano
Dogma da Imaculada Conceição
Depois de
ter ouvido os pareceres de uma comissão teológica e dos bispos favoráveis à
Imaculada Conceição, no dia 8 de dezembro de 1854 Pio IX proclamou solenemente,
diante de uma multidão de cardeais, bispos, religiosos e mais de cinquenta mil
fiéis, que “a gloriosa Mãe de Deus fora concebida, desde o primeiro
instante de sua concepção, isenta de qualquer mancha”.
“Todos
os presentes afirmam que, no momento da proclamação do dogma, o rosto de Pio
IX, banhado em lágrimas, foi iluminado por um feixe de luz que descia do alto”,
como é declarado na Positio (livro que resume toda a documentação e
testemunhos de que o Servo de Deus viveu em grau heroico as dez virtudes: as
teologais, cardeais e, se religioso ou clérigo, as de pobreza, castidade e
obediência).
O Sumo Pontífice declarou depois a uma religiosa que,
naquele momento, “o próprio Deus comunicou ao meu espírito um conhecimento
tão claro e tão vasto da incomparável pureza da Santíssima Virgem, que me perdi
como num abismo na profundeza desse conhecimento que língua alguma pode
descrever”.
Escreve De
Mattei: “Nos difíceis anos que marcaram a sua ascensão ao trono de São Pedro,
Pio IX decidiu confiar o seu pontificado e a própria causa da Igreja Católica,
com uma solene definição dogmática, àquela que desde a infância sempre invocara
como Virgem Dolorosa […]. Segundo o testemunho de uma religiosa do Sagrado
Coração de Jesus, Pio IX teria tido a intuição de propor outras duas definições
dogmáticas relativas a Nossa Senhora: a Assunção, e a Mediação Universal”. O
dogma da Assunção foi proclamado depois por Pio XII, em 1950. Resta ainda o da
mediação universal da Mãe de Deus, almejado ardentemente por todos os fiéis
católicos.
No ano
seguinte, 1855, tendo o Piemonte aprovado uma lei suprimindo as Ordens
religiosas, Pio IX fulminou com uma excomunhão maior todos quantos tinham
proposto, aprovado e sancionado tão infame lei.
Encíclica Quanta Cura e o Syllabus
Em várias ocasiões, diversos eclesiásticos e leigos influentes haviam sugerido a Pio IX que publicasse um documento condenando os inúmeros e perniciosos erros do tempo. O Pontífice então “encarregou o cardeal Fornari, que presidia os trabalhos da Comissão Pontifícia, de consultar a opinião de alguns leigos e eclesiásticos de vulto, entre os quais o conde Avogradro della Motta, Mons. Pie, Louis Veuillot e Donoso Cortés”.
Depois de vaivens, a encíclica Quanta Cura, de 8 de
dezembro de 1864, condenou 16 proposições relativas aos erros da época. A
encíclica era acompanhada do famoso “Syllabus errorum”, lista de 80 proposições
condenando o panteísmo, naturalismo, racionalismo, indiferentismo, socialismo,
comunismo e a maçonaria.
Primeiro Concílio Vaticano
Haviam transcorrido três séculos após o encerramento do
Concílio de Trento, quando em setembro de 1864 Pio IX decidiu convocar um
Concílio Ecumênico como remédio para os gravíssimos males do tempo. Anunciou
oficialmente em junho de 1868 a convocação, marcando sua abertura para 8 de
dezembro de 1869. A preparação havia sido meticulosa. Desde 1865 instituíra uma
comissão cardinalícia, tendo como consultores os teólogos mais autorizados das
diversas disciplinas.
No dia 18 de julho de 1870 foi proclamado o dogma da
Infalibilidade Pontifícia pela bula Æterni Patris. “No instante em
que Pio IX entoou o Te Deum, o sol, cortando inesperadamente as nuvens,
iluminou a Basílica, deixando descer um raio sobre o rosto comovido do Papa,
como já tinha acontecido por ocasião da definição do dogma da Imaculada
Conceição”.
Foi o último ato do Primeiro Concílio Vaticano, pois no dia
seguinte, 19 de julho, a Prússia declarava guerra à França. “Punha-se
assim em movimento a sucessão de acontecimentos que haveria de concluir-se com
a ocupação de Roma a 20 de setembro, com o adiamento do Concílio ‘para uma
época mais oportuna e mais propícia’.” Com efeito, no dia 11 de setembro
cerca de 60 mil homens das forças italianas invadiram Roma, defendida por
apenas 13 mil soldados do exército pontifício. Por isso o Papa dera a estes
últimos a ordem de se renderem, tão logo ficasse configurada a agressão.
A queda de Roma marcou o fim do poder temporal da Santa Sé.
Pio IX encerrou-se então no Vaticano, passando a considerar-se como
prisioneiro.
Túmulo de Pio IX na igreja romana de São Lourenço Fora dos Muros
Singular virtude e grandes realizações
O pontificado de Pio IX foi cheio de outras grandes
realizações, como o restabelecimento da hierarquia católica na Inglaterra,
Holanda e Escócia; a condenação das doutrinas galicanas; o envio de
missionários ao Polo Norte, Índia, Birmânia, China e Japão; a criação de um
dicastério para as questões relativas aos orientais. Incentivou também a devoção
ao Sagrado Coração de Jesus.
Segundo o teólogo Michael T. Ott, na The Catholic
Encyclopedia, “o crescimento sadio e extensivo da Igreja durante seu
pontificado foi sobretudo devido ao seu desprendimento de si mesmo”, e ao fato
de ele ter concorrido muito para o florescimento da Esposa Mística de Cristo
escolhendo “para os postos eclesiásticos importantes somente homens que
eram famosos por sua piedade e saber”. Isso explica também a quase unanimidade
dos bispos em favor das grandes decisões pontifícias.
Monsenhor Pietro Balan, historiador da Igreja citado por De
Mattei, assim descreve Pio IX: “Era um homem de singular virtude, de vida
piedosíssima, de costumes inocentes, de índole humilde e compassiva, mas ao
mesmo tempo firme, experiente nas coisas políticas, conhecedor das tristes
condições da sociedade, das revoltas contemporâneas e dos artifícios sectários,
douto nas disciplinas eclesiásticas, eloquente, sóbrio, temperante, figura
muito esbelta, de modos corteses, avesso a favores indevidos a parentes,
magnânimo para socorrer e proteger, afetuoso, de consciência singularmente
delicada, e devotíssimo da Virgem Imaculada”.
Faleceu no dia 7 de fevereiro de 1878, e foi sucedido pelo
Papa Leão XIII. Seu túmulo está na igreja romana de São Lourenço Fora dos
Muros. Foi beatificado em setembro de 2000.
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Notas:
1. Roberto de Mattei, “Pio IX”, Livraria Civilização
Editora, Porto, 2000.
2. https://pt.wikipedia.org/wiki/Vicente_Pallotti
https://www.abim.inf.br/beato-pio-ix/
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