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sábado, 29 de fevereiro de 2020

A REVOLUÇÃO DE ITABUNA – Carlos Pereira filho


            Esta falada revolução de Itabuna, explicava Carlos Sousa ao seu companheiro de palestra, o Tourinho da farmácia, tinha interpretações diversas, mas a interessante é a que contava Adolfo Lima, que foi secretário da Prefeitura. Esse Adolfo Lima, ponderou o farmacêutico, é cidadão inteligente e preparado. Viveu por aqui decentemente, metido nessas políticas e saiu limpo, sem roubar e sem matar, para viver em Ilhéus.

            A história da revolução, repetiu Carlos Sousa, é ótima. O prefeito Antônio Gonçalves Brandão começou a manobrar safadamente para fazer um candidato ao seu gosto e por isso rompeu com o partido que sustentava a candidatura de José Kruschewsky. Do lado de Brandão formaram Paulino Vieira, Afonso Ligouri, Astério Rebouças, Filadelfo Almeida. Firmino Alves e Henrique Alves ficaram na moita, soprando a fogueira para queimarem Zezinho Kruschewsky e Gileno Amado.

            Em Salvador, as coisas não andavam boas, nem poderiam andar, com a política fervendo, entre o Governador Moniz e Arlindo Leone, de quem o deputado itabunenses era correligionário e amigo. Um dia, Antônio Moniz chamou ao palácio Gileno Amado e disse-lhe: “Pelo que vejo você está sozinho, em Itabuna”. Gileno ouviu, queimou de raiva e saiu do palácio. Efetivamente, estava sozinho, ou quase sozinho, com a traição do prefeito e dos amigos. No passeio do palácio, ao sair, encontrou o sargento Belarmino, um caboclo grosso e simpático, cara de homem de coragem.

            Chamou Belarmino e disse-lhe: - Belarmino, você tem coragem para cumprir uma missão arriscada?

            - Tenho até para morrer, é questão do senhor determinar.

            - Então, ouça, Belarmino: pegue o seu fuzil, embarque no vapor que sai hoje, para Ilhéus. Em Ilhéus tome o trem, vá a Itabuna e entregue esta carta ao prefeito, vivo ou morto.

            - Vivo ou morto, eu ou o prefeito? – indagou espantado, o sargento.

            - Um ou outro, Belarmino, como preferir, o caso é que entregue a carta.

            Ordens dadas, ordens cumpridas. Belarmino apanhou o fuzil, encheu a capanga de balas, despediu-se da amante que morava numa casa da Rua da Misericórdia, beijou-a e abraçou-a, arranjou umas fitas milagrosas do Senhor do Bonfim e embarcou no “baiano” para Ilhéus, na terceira classe, cheia de sergipanos enjoados. Uma viagem desgraçada, vento sul contra, mar pela frente, prenúncio de maior temporal. O comandante do navio Jequitinhonha, um homem vermelho de nome Correia, quanto mais o navio jogava, mais ele bebia.

          No dia seguinte saltou em Ilhéus, e foi descansar no quartel para viajar no dia imediato, no trem das sete horas. De vez em quando apalpava o dinheiro que o deputado lhe dera, cem mil-réis e pensava na tal ordem – “ou vivo ou morto”. Era o diabo, mas cumpriria a ordem, “ou vivo ou morto”. Teve uma ideia. Foi à estação e comunicou para Itabuna, pelo telefone, que no outro trem, estaria lá com uma força.

            Realmente, no dia marcado às 11 horas saltou do trem na estação de Itabuna com o fuzil na mão, e a passo militar. A estação estava deserta. Um ou outro curioso, um ou outro espião. Aproximou-se de um soldado que deparou na rua e ordenou que o acompanhasse e disse alto para ser ouvido: “a tropa vem aí”.

            Com o companheiro, marchou para a casa do Prefeito Brandão. Lembrou-se da recomendação: “vivo ou morto”; apalpou a carta, o dinheiro, sacudiu a capanga para ouvir o tinir das balas, umas contra as outras, e enfiou pela porta da residência do Prefeito, apartando os homens de cara feia que encontrava no caminho. Perfilou-se diante do prefeito, entregou a carta e disse marcial: “Dê-me, as ordens”. Pode retirar-se! Exclamou o prefeito. E Belarmino, militarmente, saiu, como havia entrado.

            Perto da Rua do Lopes, observou que um grupo marchava em sua direção e, incontinenti, atirou contra o grupo que correu, tendo um jagunço perdido o chapéu arrancado por uma bala. Ao mesmo tempo os “cauassus”, que guardavam a residência de José Kruschewsky, começaram a atirar também e estabeleceu-se um tiroteio do diabo. Um sujeito passou correndo e gritou: “A tropa da polícia tomou a cidade, está chegando por todos os lados”.

            Paulino Vieira, Henrique Félix correram, fugiram ou se esconderam. Belarmino soube da notícia, marchou para o esconderijo dos jagunços foragidos de Paulino Vieira e nas pastagens ao lado apanhou todo o armamento jogado fora na carreira da fuga. Estava terminada a revolução.

            Foi ao telégrafo e passou o seguinte despacho: “Deputado Gileno Amado estou vivo, movimento dominado. Mande as ordens”.

(TERRAS DE ITABUNA – CAPÍTULO XVI)
Carlos Pereira Filho

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