'Leve'?
Lula, segundo Kalil, se apresentava com 'pneumonia leve'.
Ninguém perguntou a razão de não ter sido, esse diagnóstico, dado pelo médico
que o atendeu em Brasília, cabendo isso a um amigo íntimo que sempre o
acompanhou. Sem que se entenda como declarou ser 'leve', a tal pneumonia, sem
ter sequer auscultado o pulmão do paciente. Pelo visto, Kalil é mais amigo de
Lula do que da verdade?
Janeiro de 2010. Lula, presidente da República, estava indo
a Davos ? onde receberia, no dia 29, o prêmio Estadista Global do Fórum
Econômico Mundial. Mas seu avião fez parada, no Recife, para que inaugurasse
uma UPA. Dá para acreditar? Problema foi ter, aqui, passado mal. O médico da
presidência, destacado para a caravana oficial, era ortopedista e não conseguia
definir o que tinha. Razão pela qual o levaram ao Hospital Português. Eduardo
Campos, então governador de Pernambuco, estava preocupado. Que a imprensa
entendia ser, aquele mal-estar, decorrente de uma discussão que tivera com o
presidente. Pediu, então, que fosse atendido pelo doutor Murilinho Guimarães.
Esse diminutivo, no nome pelo qual é conhecido, se deve a ser filho do grande
advogado, e Reitor da UFPE, Murilo Guimarães (o mesmo acontece comigo; que,
para os mais velhos, continuo sendo Zé Paulinho).
Murilinho Guimarães é consagrado (internacionalmente)
especialista em pulmão. E, só para constar, estava em uma degustação de vinhos
(norte-americanos), outra de suas muitas especialidades. Foi, correndo, ver de
que se tratava. E, depois dos exames, o diagnóstico que deu foi 'pneumonia,
associada a hipertensão e dispneia como manifestações de uma sepsis se
instalando'. Os da comitiva afirmaram que teria que viajar, naquela mesma
noite, para a Europa. E Murilinho 'vai morrer'; por não ser capaz de suportar,
naquele estado, as grandes altitudes de um voo sobre o Oceano Atlântico. Lula
falou com o médico Roberto Kalil. Decidiram que melhor seria ir até São Paulo,
onde ficaria sob os cuidados do Sírio Libanês. E que o avião voaria, para lá, abaixo
dos mil metros. Evitando os riscos da pressurização. Assim deve ter se dado,
que chegou a seu destino sem maiores problemas. E Celso Amorim foi designado
para representá-lo, naquele prêmio.
Entram em cena Franklin Martins e Dilma Roussef, ponderando
que a versão de uma hipertensão leve seria melhor, politicamente. 'A verdade é
um cachorro que tem que ficar preso num canil', dizia Shakepeare (Rei Lear).
Pediram que Murilinho desse, nas televisões, esse diagnóstico. 'Perdão, mas o
que ele tem é pneumonia'. E recusou se prestar a esse papel subalterno. O
médico do presidente, mesmo não sendo especialista, foi encarregado de dar a
versão falsa (enquanto Murilinho ficou retido, numa sala, até que o último
repórter se fosse do local). Tudo correu bem. O público acreditou. E a história
seguiu seu curso. Pouco depois Dilma acabou presidente(a); Lula condenado (por
Juiz, TRF do RGS, STJ) e preso por corrupção, descondenado e solto pelo
ministro Fachin (do Supremo), para em seguida voltar a ser presidente; e Franklin,
ano passado, lançou um muito interessante (e grosso) livro sobre músicas de
campanhas políticas.
'A história se repete', dizia Maquiavel em O Principe.
Enquanto Marx respondeu 'só como farsa', em 18 Brumário. No caso, vale
considerar que 'a prática é o critério da verdade'. Uma frase comumente
atribuída ao dito Marx, quando está mais alinhada ao pensamento leninista ? ver
Berger, Guérin, Korsch e Pannekoek (que, depois da Revolução Russa, rompeu com
o leninismo). E se assim for basta ver o que aconteceu, agora, para definir
qual dos dois pensadores tem razão. Lula, segundo Kalil, se apresentava com
'pneumonia leve'. Ninguém perguntou a razão de não ter sido, esse diagnóstico,
dado pelo médico que o atendeu em Brasília, cabendo isso a um amigo íntimo que
sempre o acompanhou. Sem que se entenda como declarou ser 'leve', a tal
pneumonia, sem ter sequer auscultado o pulmão do paciente. Pelo visto, Kalil é
mais amigo de Lula do que da verdade ? perdão, caro leitor, trata-se apenas de
uma brincadeira com a famosa frase de Aristóteles Amicus Plato (sed) magis
amica veritas (Platão é amigo mas ainda mais amiga deve ser a verdade). Como a
viagem à China foi cancelada, apesar de sua enorme importância, o cenário
sugere não ter sido tão 'leve', assim, a tal 'pneumonia'. O diagnóstico
sugerido, pelo Palácio do Planalto, foi claramente falso. De novo. Como antes.
Prova de ter mais razão o florentino, que o prussiano. A história se repetiu
mesmo, e não como farsa.
Essa introdução, mais longa talvez de que deveria, tem só a
intenção de questionar a Grande Mídia do Sul. O Globo estampou em primeira
página (edição do sábado passado), o que os demais grandes jornais de lá também
deram, 'Com pneumonia leve Lula adia viagem à China em um dia'. Depois se veria
ser (bem) mais que um dia. Quase dois meses. Só detalhe, para eles. E seguiram,
no mesmo caminho, para conforto e alegria do Palácio do Planalto. Parecendo
sócios em um projeto de poder. Mas essa notícia está jornalisticamente
correta?, eis a questão. Pelos manuais de redação o certo seria dizer 'Segundo
o médico Roberto Kalil, tem pneumonia'. Ou 'pneumonia leve' se quisessem. E
jamais o que saiu. Caberia então perguntar, ao ministro Alexandre de Moraes,
não considera isso fake News? Se for mídia social, contra esse governo, o
cidadão se arrisca a ser preso. Mas se forem grandes jornais do Sul, a favor
desse governo, e mesmo sendo uma notícia claramente falsa, isso parece não
incomodar o famoso ministro. Como se todos os envolvidos, inclusive o ministro,
fossem jogadores de um mesmo time. Parceiros. Juntos. Só mesmo rindo.
Para encerrar, apenas lembrar que Deus deve ser brasileiro.
Como dizia o pai de Fernando Sabino, 'no fim tudo acaba bem'. A saúde de nosso
presidente está em ordem e respiramos aliviados. A Grande Mídia, nos dias de
hoje, continua se pautando por interesses (muito) discutíveis.
E a única pergunta é: será essa a imprensa que precisamos, e
desejamos, em nossa pobre Democracia?
Chumbo Gordo, 31/03/2023
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José Paulo Cavalcanti - Nono ocupante da
Cadeira nº 39 da ABL, eleito em 25 de novembro de 2021, na sucessão de Marco
Maciel e recebido em 10 de junho de 2022 pelo Acadêmico Domício Proença Filho.
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