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domingo, 24 de junho de 2018

A DOR DO ABANDONO

Era uma manhã de sol quente e céu azul, quando o caixão contendo um corpo sem vida foi baixado à sepultura. De quem se trata? Quase ninguém sabe. Poucas pessoas acompanham o féretro. Ninguém chora. Ninguém sentirá a falta dela. Ninguém para dizer adeus ou até breve.

Depois que o corpo desocupou o quarto do asilo, onde aquela mulher passou boa parte da sua vida, a responsável pela limpeza encontrou em uma gaveta ao lado da cama, umas anotações. Um diário sobre a dor... Sobre a dor que ela sentiu por ter sido abandonada pela família num lar para idosos... Talvez o sofrimento fosse muito maior, mas as palavras só permitem extravasar uma parte desse sentimento, gravado em algumas frases:

Onde andarão meus filhos? Aquelas crianças sorridentes que embalei em meu colo, alimentei com meu leite, cuidei com tanto desvelo, onde estarão? Estarão tão ocupadas? Talvez, que não possam me visitar, ao menos para dizer olá, mamãe? Ah! Se eles soubessem como é triste sentir a dor do abandono... A mais deprimente solidão... Se ao menos eu pudesse andar...

Mas dependo das mãos generosas dessas moças que me levam todos os dias para tomar sol no jardim... Jardim que já conheço como a palma da minha mão.

Os anos passam e meus filhos não entram por aquela porta, de braços abertos, para me envolver com carinho...

Os dias passam... E com eles a esperança se vai... No começo, a esperança me alimentava, ou eu a alimentava, não sei... Mas, agora... Como esquecer que fui esquecida? Como engolir esse nó que teima em ficar em minha garganta, dia após dia?

Todas as lágrimas que chorei não foram suficientes para desfazê-lo. Sinto que o crepúsculo desta existência se aproxima... Queria saber dos meus filhos... Dos meus netos... Será que ao menos se lembram de mim? A esperança, agora, parece estar atrelada aos minutos... Que a arrastam sem misericórdia... Para longe de mim.

Às vezes, em sonhos, vejo um lindo jardim... É um jardim diferente, que transcende os muros deste albergue e se abre em caminhos floridos que levam a outra realidade, onde braços afetuosos me esperam com amor e alegria... Mas, quando eu acordo, é a minha realidade que eu vejo... Que eu vivo... Que eu sinto... Um dia alguém me disse que a vida não se acaba num túmulo escuro e silencioso... Que a vida continua após a morte, de outra forma... Mas com certeza a minha matéria, a minha mente, o meu eu dessa vida que vivo agora, com o nome que tenho... Nunca mais existirá! E quando a morte chegar, só restará a saudade que com o passar do tempo se ameniza... (se é que alguém vai sentir saudade de mim, já que não sentem enquanto ainda estou viva neste asilo)

Sinto que a minha hora está chegando. Depois que eu partir, gostaria que alguém encontrasse essas minhas anotações e as divulgasse. E que elas pudessem tocar os corações dos filhos que internam seus pais em asilos, e jamais os visitam... Que eles possam saber um pouco sobre a dor de alguém que sente o que é ser abandonado... Pensai que a cada pai e a cada mãe Deus perguntará: "- O que fizestes do filho confiado a vossa guarda?" e aos filhos: "- O que fizestes aos vossos pais?"


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PALAVRA DA SALVAÇÃO (84)


Natividade de São João Batista . Solenidade - 24 de Junho de 2018


Evangelho - Lc 1,57-66 - Nascimento de João Batista

+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo São Lucas
Glória a vós, Senhor!

Completou-se o tempo da gravidez de Isabel, e ela deu à luz um filho.
Os vizinhos e parentes ouviram dizer como o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel, e alegraram-se com ela.
No oitavo dia, foram circuncidar o menino, e queriam dar-lhe o nome de seu pai, Zacarias.
A mãe porém disse: 'Não! Ele vai chamar-se João.'
Os outros disseram: 'Não existe nenhum parente teu com esse nome!'
Então fizeram sinais ao pai, perguntando como ele queria que o menino se chamasse.
Zacarias pediu uma tabuinha, e escreveu: 'João é o seu nome.'
No mesmo instante, a boca de Zacarias se abriu, sua língua se soltou, e ele começou a louvar a Deus.
Todos os vizinhos ficaram com medo, e a notícia espalhou-se por toda a região montanhosa da Judéia.
E todos os que ouviam a notícia, ficavam pensando: 'O que virá a ser este menino?'
De fato, a mão do Senhor estava com ele.

Palavra da Salvação.
Glória a vós, Senhor!


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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão de Dom Alberto Taveira Corrêa:  

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Chamados pelo nome, no fluxo da vida


“João é o seu nome” (Lc. 1,63) 



A natividade de João Batista assemelha-se às festas da infância de Jesus. O espírito da festa é tipicamente de Lucas, ou seja, ela é inspirada e sustentada pela manifestação da graça e da bondade de Deus.

O nascimento de João se dá num clima de intensa alegria. Isabel se alegra e com ela os vizinhos. É a alegria de haver nascido um menino de uma mãe que era estéril e de idade avançada. Esta alegria do coração se manifesta no louvor: o Senhor tem favorecido com grande misericórdia. O reconhecimento agradecido dos grandes feitos do Senhor proporciona alegria.

A alegria é um sentimento central na experiência cristã. Nisto consiste a verdadeira alegria: sentir que um grande mistério, o mistério do amor de Deus, nos visita e plenifica nossa existência pessoal e comunitária. Alegria que brota do interior e é um dom do Espírito. “O fruto do Espírito é: amor, alegria” (Gal 5,22). Este dom nos faz sentir como filhos(as) de Deus, capazes de viver e saborear sua bondade e misericórdia.

O nascimento de João Batista é cheio de mistério, porque ali todos descobrem o agir misterioso de Deus.  É o mistério da vida. É o mistério de Deus que dá a vida como presente; é o mistério de um ventre seco que se torna fértil; o mistério do novo em um ventre que carrega a “novidade”.  Dois anciãos, Isabel e Zacarias: uma grávida, o outro mudo. No entanto, uma vida que cresce. “Os vizinhos e parentes ouviram dizer...” Não tinham percebido até o nascimento? Alguém afirmou que, de vergonha, Isabel se retirou a um sítio vizinho para esconder o mistério de Deus em seu ventre. Pode-se ocultar a gravidez; não se pode ocultar o filho. Para eles, é o filho esperado no silêncio que faz amadurecer a fé. Para os vizinhos e parentes, o filho da surpresa. E todos o veem “como o Senhor tinha sido misericordioso para com Isabel, e alegraram-se com ela”. E todos se perguntavam:
“O que virá a ser este menino?”

A natividade de João é uma visibilização do mistério da misericórdia de Deus; é o mistério da missão que Deus tinha para ele. Não seria sacerdote como seu pai; seria um mensageiro que prepara caminhos.

João Batista é a primeira ruptura com o passado. Já não se chamará Zacarias, porque não será como seu pai. Chamar-se-á João porque anunciará o novo que está ali mesmo, a seu lado, no ventre virginal de Maria. 

Não será o “homem do templo e do culto”, mas o “homem do deserto e do anúncio”.

Não será o “homem que recorda o passado”; será o “homem que anuncia a proximidade do novo”.

Não será o “homem que anuncia a esperança”; será o “homem que anuncia que a esperança já é realidade”.

Não será o “homem da lei”; será o “homem que abre caminhos onde tudo parece estar bloqueado. 
Por isso, o tema central do Evangelho deste domingo é este: “João é seu nome”. Esta frase é uma mensagem da gratuidade e bondade de Deus. João é um nome muito especial. Nele são guardadas muitas e importantes lembranças. De fato, o nome “Yohanan” significa “Deus se mostrou misericordioso”.

João é um dom gratuito de Deus, pois está além dos cálculos humanos; pertence plenamente a Deus. Nem sempre Deus elege o tradicional, o velho costume, o caminho trilhado. Agora nasce um tempo novo: o Espírito vai por caminhos novos, que nem sempre são fáceis de conhecer. É Deus quem toma a iniciativa e chama pelo nome. O “nome” encerra toda a verdade da pessoa e, ao mesmo tempo, todo o mistério da sua relação direta com Deus.

Na Bíblia, o nome é algo dinâmico, é um programa de vida. A troca de nome implica uma missão que deve ser realizada pela pessoa (Gen, 17,5; Jo. 1,42). Um nome novo: uma aventura que começa; uma história a ser construída. O nome é ponto de partida e de chegada na relação com Deus.

Todo nascimento é um mistério. Por isso, cada um de nós é fruto do mistério da misericórdia de Deus. E todos somos o mistério do anúncio do novo. Não somos repetição de ninguém. Somos únicos. E somos preparadores dos caminhos de Deus. Nosso nome, escrito na palma da mão de Deus, é uma missão a realizar.

É preciso crescer na consciência de que o próprio nome tem uma história e manifesta uma identidade única, irrepetível, original. O nome próprio está relacionado com nossa realidade pessoal, responsável, criativa e livre. Essa identidade vai sendo elaborada ao longo de nossa história pessoal, com os avanços e recuos, vitórias e fracassos, as alegrias e os sofrimentos... que vão pontilhando nossa existência e formando esse ser único que somos nós. 

Na linguagem bíblica, “nome” significa aquilo que torna a pessoa única.  O nome é um símbolo que exprime a individualidade de cada um. No nome está toda a pessoa. O nome é a pessoa. Interessar-se por conhecer o nome é interessar-se pela pessoa; é o primeiro passo para o encontro pessoal; é pelo nome que nos identificamos.

Os orientais, por exemplo, não dizem o seu nome a qualquer um. Só aos amigos, aos seus mais íntimos.

Conhecer o nome de alguém, para eles, é conhecer a pessoa toda. Fazer saber o seu nome é prova de amizade. Interessar-se por conhecer o nome é interessar-se pela pessoa.

O nome é referência reveladora da verdade da pessoa. É a porta de entrada de cada história particular.

Deus sabe o nosso nome: “Eu te gravei na palma de minha mão” (Is. 49,16). Deus nunca pode olhar Sua mão sem ver o nosso nome. E o nosso nome quer dizer: “EU mesmo”. Deus garante a nossa identidade: podemos ser nós mesmos. Ter recebido um nome de Deus significa tomar um lugar na história, uma missão a cumprir. Nosso nome secreto Deus o conhece.

Cada um de nós tem um nome, que é próprio, não comum. É de uma pessoa. Ele expressa o nosso ser,  indica uma missão a realizar, uma vocação a viver, um apelo a responder.. Somos seres chamados. É isso que significa ter um nome. 

Nós realizaremos nossa vocação, sendo nós mesmos, com nosso modo de ser, nossas possibilidades, nossa originalidade. Ninguém realiza-la-á por nós. Ser fiel ao nome é ser fiel à própria vocação. A dinâmica da relação com Deus passa através da nossa história, das nossas alegrias, dos nossos sofri-mentos, e das nossas perguntas: “Quem sou eu?”, “O que quereis de mim?”.

Não posso permanecer indiferente. É preciso ter coragem de perguntar: “Quem me chama?” e “a quê me chama?”; pedir ajuda para conseguir entender, reconhecer, descobrir o próprio nome. Deus, no momento em que me chama pelo nome, me revela a mim mesmo. Assim, meu nome se torna a minha própria vida, o meu patrimônio existencial, a minha realidade.

Texto bíblico:  Lc. 1,57-66

- Tome consciência de que também você tem um no-me, é pessoa única e com características muito parti-culares. Você tem uma dignidade imensa: é imagem e semelhança de Deus.

-  Para realizar o seu nome, você deve ser você mesmo. Você tem a sua própria vida, o seu modo próprio e original de ser.

- Ser “João” é ser graça amorosa de Deus na vida e na história de tantas pessoas.

- Rezar o sentido do seu nome. 

Pe. Adroaldo Palaoro sj



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