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terça-feira, 16 de junho de 2020

O JURAMENTO – Catulo da Paixão Cearense


PATRÃO!!... Veja agora a Lua,
como está clara tão clara,
que Inté parece que é o leite
que está saindo do peito
d’uma vaquinha... a escumar!

Uma noite assim tão branca
só os véios, meu patrão,
é que sabe apreciá!
Eu juro... (Nem de prepósito!)

Por via de um juramento,
enquanto a Lua, o que é cheia,
o céu e a Terra alumêia,
um causo eu vou contá.

Patrão!  Ninguém neste mundo
pode amá cumo eu amava
a muié, que se chamava
- Tereza Rosa Jesus!

Deus nunca mais mas fazerá
outra muié cumo aquela,
que era mais linda e mais bela
do que a alegria da luz!
Deus nunca mais fazerá
uma muié tão fermosa!

Quando abria aquela boca
e óiando a gente, se ria,
vassuncê via uma rosa,
toda, toda avremeiada,
e dento, os dente pequeno,
cumo os pingo do sereno,
que fica em riba da rosa,
que se abre de madrugada.

Os óio, o corpo, os cabelo...
vassuncê pense, patrão,
magine cumo quisé!
Tereza Rosa Jesus
era a fia do demônio,
com o corpo de uma muié!

Eu sei que a prêmêra vez
que eu vi a minha Rosinha
foi numa rucegazinha
em casa do Pedro Ingá.
Quando eu cheguei, a cabôca
já tava se apreparando
prá sambá!

Thereza era uma andorinha...
taliquá!

 Cumeçava n’um cantinho,
a punteá, cum os dois pézinho,
sempre no mêmo lugá!
Despois, ia, de mansinho,
abrindo os braço prôs lado,
 cumo querendo avoá!

Ficava toda tremendo,
toda a se saçaricá,
assim cumo um passarinho,
na bêra d’um corgozinho,
sastifeito, a se lavá!!

Depois, toda sacudida,
saía a sapatear!!

Despois, de repentemente,
naquele avôo aparando,
ficava a tremer no ar!...

Pra depois vim se abaxando,
e logo se alevantá,
e, de novo, vim brincando,
inté cum o chão rastejá...
e avoando, sempre avoando,
se perder de nosso oiá,
cumo faz uma andorinha,
quando é tempo de viajá.

Desde essa noite, seu moço,
cumecêmo a namorá.

O pai, que foi n’outro tempo
um valente jangadêro,
um cabra corudo e forte,
não queria que eu casasse
cum a Therezinha Jesus,
pru via de eu já tá feito
(e fiz, não nego...) três morte.

Matei cum muita razão.

A primeira foi prú móde
d’um curêma rebingudo
 me tê dado um bofetão.

A segunda (nesse tempo
já era um cabra soquêro...)
foi prú via d’um milonga
me chamar de milonguêro!

A terceira foi das três
a mais bela e naturá:
eu xapinhei um lordaça,
que me queria incrizá.

Falando, de coração,
o véio tinha razão.
Mas, porém, um belo dia,
o jangadêro isturdido
pulas tuia dos pedidos,
finalmente consentiu!

Eu era noivo... Apois bem!

O véio só me pediu
que eu deixasse aquela vida
de zanzadô de pagode, 
deixasse a mamãe-sacode,
e fosse um hôme de bem.

Vire, mexe, larga e péga,
o seu Quinca Meia Noite,
cumo eu era lá chamado,
(apois era nessa hora
que eu chegava nas fonção...)
brocou e fez um roçado,
que era um gosto, meu patrão.

Rasga-letra, galanjão,
curvela, manivainho,
frô de Cuba, quebradinho,
jandaia, feijão gordura...
tudo eu tinha com fartura!
Em mêno de sete mês,
o meu baú de sordado
tava cheio de dinheiro,
ganhando cum o meu roçado!...
Veja que sastifação
prá um hôme arado de fome,
que sempre foi miquiado!

Agora peço a vancê
a vossa honrada atenção.
Eu tinha tanto ciúme
daquela maia-de-fogo,
que eu digo, sem mais aquela,
que eu tinha inté, meu sinhô,
ciúme dela cum ela!

Prú via disso, patrão,
eu supliquei à cabôca
que não sambasse mais, não!
Pruquê, quando ela sambava,
não havia um timbopéba,
que não ficasse ali mêmo
de rede sôrta no chão.

Eu pedia, eu supricava,
cum carinho e cum quêxume,
pruquê o ciúme me matava!

Apois um dia, patrão,
dei um tiro em minha sombra,
pensando que era um rivá,
só prú mode do ciúme!

Mas porém, meu bom patrão,
Thereza Rosa Jesus,
desde aquele santo dia
que o véio pai consentiu
na nossa acuiêração,
jurou, pela fé de Deus,
que não sambava mais, não.

E assim passêmo uns três mês.

O véio tava contente
prú me vê trabaiadô!...
Eu amava mais a Rosa
e a Rosa me tinha amô!...
O baú táva pesado
e dava gosto se vê
e prantação do roçado!

Eu tinha muita confiança
em Therezinha e no pai;
mas porém em casamento
de cobra tatu não vai.

E prú via e mais prú mode,
maginei uma viagem
prá um lugar, que maginei,
me adispidi de Thereza,
e... ali... pertinho, fiquei.

No dia que fez dez dia
daquela minha partida,
eu sube que a minha noiva
ia outra vez n’outra festa
em casa de Pedro Ingá.

Apois eu fui tocaiá.

Meu sinhô!... (veje esta lua,
que parece um sol de leite,
quando está mêmo a escumá!)

A muié tava sambando
c’um cabra que eu tinha rêxa,
o Bastião Sarará!!!

Beijando a faca espeiáda,
Jurei , prú Deus, que eu havéra
de me vingá... me vingá!...

Uma sumana despois,
sube que a Rosa Thereza
tava cum o ramo-ruim!
Tava quage vai, não vai!

Era três hora da tarde.

Pela boquinha da noite
ia tomá Nosso Pai!

Fingi que tinha chegado
de viagem, naquele dia...
(vancê me entende...) e prá casa
de Rosinha me botei.

Toda a famia chorava!
Eu chorei!... Também chorei!

Já vinha findando o dia!

A gente, afrita, esperava
prú Nosso Pai, que tardava!

De  vez em quando, eu saía
e oiáva lá pras estrada...
mas porém... não via nada!...

A estrada táva vazia!...

Um corria prá acolá!

O outro prá ali corria!...

Um vinha d’ali prá cá!...

O outro d’aqui prá lá!...

Lá, naquele bafafá,
em casa o jangadêro,
já ninguém mais se entendia!

Agora, o pai, lá de dento,
vinha correndo, correndo,
gritando, cum os braço aberto:

“Minha fia tá morrendo!...
Minha fia! minha fia!
Eu quero morrê também!”

“E Nosso Pai que não vem!!
Me acuda a Virge Maria!”

Foi aqui que toda gente
correu prô meio da estrada,
e enxergando alguma coisa
gritava, lá da cancela:
 - Lá vem – Lá vem Nosso Pai!
– Já tá passando a pinguela! –

E aquele mundão de gente
 as duas mão sacudia,
aflita, a fazê siná!!!...

Eu não podia esperá!!!

Entrei no quarto! A doente
já táva a sossorocá,
cum as mão garrada na cruz!

Dei um salto, uma comborça,
e cravei cum toda força
a minha pernambucana
no coração da muié,
que tinha jurado farso
pulo nome de Jesus!!!...

Despois, saí cumo um doido,
correndo nos mato a fora...
n’um choro desembestado!!!

Patrão! O nome de Deus,
seu santo nome sagrado,
esse nome, que é divino,
se foi um dia jurado,
deve ser arrespeitado
no beijo d’um namorado,
cumo no ferro espêiádo
da faca d’um assassino.


(POEMAS BRAVIOS)
Catulo da Paixão Cearense

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