Os jornais vienenses “Die Presse” e “Der Kurier” publicaram
recentemente a seguinte notícia:
“A administração da Universidade de Viena decidiu, ‘por
razões administrativas’, não mais colocar crucifixos nas novas salas de aula da
Faculdade de Teologia Católica. O vice-decano da Faculdade fala de uma
‘interferência e ruptura simbólica com histórico significado’”.
A Faculdade de Teologia Católica é uma das dezenove
faculdades da Universidade de Viena, com a qual foi fundada pelo Duque Albrecht
III em 1384, com a aprovação do Papa Urbano VI.
Se as novas salas da Faculdade de Teologia não terão mais
cruzes, é bem evidente que elas tampouco estarão nas salas onde serão ensinadas
matérias não religiosas.
A Faculdade de Teologia ocupa apenas três salas da
Universidade, nas quais a cruz sempre esteve presente. Contudo, no final do
último semestre, os alunos foram transferidos para outros recintos, pois a
diretoria queria que fossem feitas reformas nas salas. Quando, no inicio do
novo semestre, os alunos voltaram às antigas salas, os crucifixos haviam sido
removidos e não havia autorização para recolocá-los.
Houve reação de professores e alunos, bem como artigos
escritos em jornais católicos, mas a reação foi insuficiente para que as cruzes
voltassem para as salas de aula.
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Vem sendo discutido na universidade se símbolos religiosos
pertencem ou não a recintos públicos, e se nas salas de aula, não só de
teologia, mas também onde assuntos seculares são ensinados, deve ou não haver
crucifixos.
Desde a Idade Media — podemos até mesmo dizer que desde a
sua fundação — a Igreja vem criando estabelecimentos de ensino. Pode-se também
afirmar, com toda certeza, que a existência de universidades tal como nós hoje
as conhecemos, se deve principalmente à Igreja Católica, que desde tempos muito
remotos foi ordenando e difundindo o ensino entre camadas cada vez mais amplas
dos povos convertidos ao Cristianismo. E isso a tal ponto, que hoje, na
maioria, se não em todos os países cristãos, o ensino básico é obrigatório e o
superior amplamente oferecido, o que não acontecia entre os povos pagãos em
geral, onde o maior conhecimento era difundido apenas entre as classes altas.
O próprio nome Universidade surgiu em Bolonha, a
primeira universidade da Europa. A palavra vem da ideia de que o
estabelecimento deveria estudar a universalidade das matérias existentes,
abrangendo todas as ciências.
A Igreja sempre entendeu que o ensino, mesmo de matérias
temporais, deve estar ligado a Ela de alguma forma, pois a história, a
biologia, a física, a química e todas as outras matérias têm seus fundamentos
em verdades metafísicas e religiosas. Como, por exemplo, no campo da pura
matéria, pode-se perguntar se a matéria existiu desde sempre ou se foi criada?
Ela não existiu desde sempre, mas foi criada por Deus.
Vê-se que não pode ter existido desde sempre, pois se
degrada e, degradando-se, tenderia a transformar-se no seu estado mais
primitivo, ou seja, nos seus componentes mais elementares. Só os seres vivos
organizam a matéria em sistemas mais complexos. Por exemplo, as plantas retiram
do solo e do ar substancias inertes e as transformam em tecidos vivos. Os
animais, alimentando-se de plantas, de outros animais e de minerais,
multiplicam-se e assim geram matéria viva.
Deus criou a matéria e os seres vivos, e sustenta a
existência de todos os seres do universo. Se Ele cessasse de manter sua
existência, eles simplesmente cessariam de existir.
Todos esses princípios nos mostram como Deus está presente
em todos os aspectos de nossa vida.
Sua presença deveria ser manifestada
quando, por exemplo, um professor transmite a seus alunos conhecimentos sobre
as coisas da religião, da natureza, ou sobre os homens e sua ciência. Razão pela
qual toda aula bem dada, sobre qualquer matéria que seja — religião, filosofia,
matemática, química ou arte culinária —, deveria ter como pressuposto que Deus
está presente em absolutamente todas as coisas, e que todas elas deveriam ser
tomadas como o melhor meio de conhecer amar e servir a Deus, até mesmo a
culinária.
Para que os alunos possam ter sempre presente que todas as
ciências, até mesmo aquelas aparentemente mais distantes da religião, como a
química, a geografia ou o estudo de uma língua, por exemplo, devem nos conduzir
a um maior conhecimento, amor e serviço de Deus através das coisas criadas ou
elaboradas pelos homens, é altamente conveniente ou mesmo indispensável que
toda sala de aula tenha um crucifixo, uma imagem da Santíssima Virgem ou outro
símbolo religioso que lembre sempre aos alunos a relação da matéria que estudam
com o sagrado. Toda transmissão de conhecimento tem, portanto algo de
religioso.
Nada melhor para lembrá-lo do que ter um crucifixo bem
visível. Na Universidade de Viena isto parece que não será mais assim.
+ Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo segundo João
12,20-33
Naquele tempo:
Havia alguns gregos entre os que tinham subido a Jerusalém,
para adorar durante a festa. Aproximaram-se de Filipe,
que era de Betsaida da Galileia, e disseram: 'Senhor, gostaríamos de ver Jesus.'
Filipe combinou com André, e os dois foram falar com Jesus.
Jesus respondeu-lhes: 'Chegou a hora em que o Filho do Homem vai ser
glorificado.
Em verdade, em verdade vos digo: Se o grão de trigo que cai na terra não morre,
ele continua só um grão de trigo; mas se morre, então produz muito fruto. Quem
se apega à sua vida, perde-a; mas quem faz pouca conta de sua vida neste mundo conservá-la-á
para a vida eterna.
Se alguém me quer servir, siga-me, e onde eu estou estará também o meu servo.
Se alguém me serve, meu Pai o honrará.
Agora sinto-me angustiado. E que direi? `Pai, livra-me desta hora!'?
Mas foi precisamente para esta hora que eu vim. Pai, glorifica o teu nome!'
Então, veio uma voz do céu: 'Eu o glorifiquei e o glorificarei de novo!'
A multidão que lá estava e ouviu, dizia que tinha sido um trovão.
Outros afirmavam: 'Foi um anjo que falou com ele.'
Jesus respondeu e disse: 'Esta voz que ouvistes não foi por causa de mim,
mas por causa de vós.
É agora o julgamento deste mundo.
Agora o chefe deste mundo vai ser expulso, e eu, quando for elevado da terra, atrairei
todos a mim.'
Jesus falava assim
para indicar de que morte iria morrer.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. José
Valdecy Romão:
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A
LÓGICA INEXPLICÁVEL DO AMOR: "é morrendo que se vive..."
“Se o grão de trigo morre, então produz muito fruto”
(Jo 12,24)
Caminhamos para o final da Quaresma, e o evangelho deste
domingo nos situa diante de uma experiência radical de morte por amor, como o
grão de trigo. Esta é uma experiência universal: só o trigo que “entrega” sua
vida é fecundo: multiplica-se em sementes na espiga, transforma-se em alimento
(pão compartilhado), alimenta vidas.
Estamos no cap. 12 de S. João; depois da unção em Betânia e
da entrada triunfal em Jerusalém, e como resposta aos gregos que queriam vê-lo,
João põe na boca de Jesus um pequeno discurso sobre a Vida. Vida maiúscula que
só pode ser alcançada quando se entrega em favor de tantas vidas feridas e
excluídas.
O evangelho deste domingo nos situa diante da lógica
inexplicável do Amor: “perder” a vida por amor é a certeza de “ganhá-la”;
morrer a si mesmo é a verdadeira maneira de viver, entregar a vida é a melhor
forma de recebê-la... Perder-ganhar, morrer-viver, entregar-reter,
doar-receber..., parecem dimensões ou realidades contraditórias, mas captar a
profundidade da verdade contida nesta “contradição aparente” é descobrir o
Evangelho.
A vida é constantemente chamada a ser Páscoa. Porque na
vitória da Vida entregue, ela ganha sentido, avança, como uma torrente que rega
terras secas, ávidas de água, como um fogo que, na noite mais escura, traz uma
luz que permite vislumbrar a vida oculta.
A vida não se conta pelas respirações, mas pelos momentos de
assombro, de alegria e encantamento. Ela tem a dimensão do milagre e carrega no
seu interior o destino da ressurreição. A vida, desde o mais íntimo da pessoa
humana, deseja ser despertada e vivenciada em plenitude. Ela é fruto do amor,
mas o egoísmo é a casca que impede o germinar dessa vida, embora ela esteja
presente dentro de cada um de nós. Amar é romper a casca para que a vida se
expanda na doação. A morte do falso eu é a condição para que a vida se
liberte.
Participando da morte de Jesus, podemos também fazer de
nossas cotidianas mortes um ato de decisão, de entrega, de oblação. A certeza
de nossa fé em Cristo, morto e ressuscitado, nos ajuda a tirar do coração os
medos, os impulsos egoístas de busca de segurança e proteção, e encontrar uma
paz profunda que nos permita fazer de nossa vida uma oferenda gratuita em favor
da vida dos outros.
Por si mesma, toda vida humana é fecunda, é potencialidade,
é explosão de criatividade... Assim como na semente do trigo há vida latente
esperando a oportunidade de expandir-se, também no ser humano encontram-se
ricas possibilidades, esperando a morte do “eu mesquinho”, para se
plenificarem.
A condição da fecundidade é saber morrer a muitas coisas:
auto-centramento, busca de poder, vaidade... E esse processo de mortes de tudo
aquilo que limita, que atrofia e isola..., não é o fim da vida, mas sua
plenitude; esse caminho permanente de esvaziamento do ego, para viver a entrega
aos outros, não significa a anulação da “pessoa”, mas sua potenciação; pois a
vida não deve ser corroída pela tirania do egoísmo mesquinho: vida é encontro,
interação, comunhão... Desperdiçar a vida é travar a existência; é trágico que
alguém viva na superficialidade sem ter acesso à sua riqueza interior. Quem
conhece o valor da vida não se limita a viver de maneira “normótica”
(normalidade doentia).
Precisamos abandonar nossas medidas de segurança, ser
liberados do domínio cego do ego, para que possa emergir e brilhar o que
realmente somos, nossa dignidade mais profunda. “Não é o centrar-se em si mesmo
que confere dignidade à existência, mas o descentrar-se, o reestruturá-la em
favor dos outros” (L. Boff). “Não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”
(Gal 2,20).
O essencial não é encontrar um caminho para alcançar a
imortalidade, mas aprender a “morrer em Cristo”. A vida aumenta quando
compartilha e se atrofia quando permanece no isolamento e na comodidade. De
fato, aqueles que mais desfrutam da vida são os que deixam a segurança do
conhecido e se dedicam apaixonadamente à missão de comunicar vida aos
outros.
O Evangelho de hoje (5º dom. Quaresma) nos ajuda a descobrir
que a preocupação doentia para com a própria vida atenta contra a qualidade
humana e cristã dessa mesma vida. Aqui descobrimos outra lei profunda da
realidade: alcança-se a maturidade da vida à medida que ela é entregue para
possibilitar vida a outros.
“Morre e transforma-te” (Goethe) Somos seres que passamos
por contínuas transformações. Tudo muda. Muda o nosso coração, nossa mente se
abre ao novo, nossos sentidos se expandem, nossos encontros com os outros
revelam-se criativos e inspirados... Reagimos como aquelas pessoas que tiveram
uma experiência limite da morte (por enfermidade, acidente ou por ter superado
uma morte certa); elas experimentam uma mudança radical em suas vidas. Sua
atitude diante da vida é totalmente diferente; vêem-na com olhos novos: captam
muitos detalhes que antes escapavam de sua atenção, vivem intensamente, amam
com mais paixão, prestam atenção a muitas coisas que lhes passavam
desapercebidas; tem um comportamento diferente para com os outros; há, nestas
pessoas, mais ternura, são mais sensíveis à dor e à injustiça.
Ao apreciar o presente da vida, vivem como se fossem
ressuscitadas; crêem que, amando mais a vida, se afastarão mais da morte e
resistirão às hostilidades do mundo presente. E, no entanto, continuam vivendo
na mesma casa, fazendo as mesmas coisas..., mas, com outra sensibilidade, com
mais criatividade e doação.
Para quem se deixa afetar profundamente pela experiência
quaresmal, é impossível não ser movido(a) a viver bem a vida, a valorizá-la e a
coloca-la a serviço. O convite de Jesus é para “perder” nossa vida, não
afeiçoarmos egoicamente a ela e abrir-nos para receber uma Vida maior, nossa
verdadeira vida, a Vida de Deus em nós. Precisamos nos destravar, deixar de
apegar-nos a nós mesmos, abrir as mãos, abandonar nossa autoafirmação... para
que Deus possa entrar e atuar em nós.
Aquele que “quer salvar sua vida”, ou seja, aquele que quer
estar bem, não quer ter compromissos, não quer se envolver com as situações
exigentes, quer estar à margem da realidade que pede uma presença diferente...,
esse “perderá sua vida”. Quê vida mais atrofiada quando se vive bem
comodamente, bem tranquilo, bem instalado, bem relacionado politicamente,
economicamente, socialmente...!
Mas aquele que por amor ao Reino se desinstala, acompanha o
povo, se solidariza com o sofrimento do pobre, encarna-se e faz sua a dor do
outro... esse “ganhará a vida”. Sua vida se transformará em Vida. Libertam o
mundo todos aqueles e aquelas que fazem de sua vida uma doação, um
oferecimento. Assim deixam passar por eles(elas) o que é Deus, puro Dom de Si,
Amor que não se reserva a Si mesmo.
É gratificante fazer memória de tantos homens e mulheres que
foram presença compassiva e, à maneira de Jesus, consumiram suas vidas em favor
da vida; histórias silenciosas de tantas pessoas que com sua presença ajudaram
os outros a viver; pessoas que revelaram a paixão por viver em pequenas
paciências cotidianas, que entregaram suas vidas sem brilho algum, sem vozes
que a proclamassem; foram como o fermento silencioso que se dissolveram na
massa para fazê-la crescer.
Texto bíblico: Jo. 12,20-33
Na oração: Somos grãos de trigo na grande seara do mundo; e
o grão de trigo eterniza-se na sua entrega-doação para que outros matem suas
fomes e vivam com sentido.
Aprendamos a morrer para nossos interesses mesquinhos; só
assim nossa vida terá a dimensão da eternidade.
- “Se a semente do trigo sou eu, a quê devo morrer, para que
a vida interior possa se expandir?”