Total de visualizações de página

segunda-feira, 16 de setembro de 2019

OS DISCURSOS DO BRASIL NA ONU - Celso Lafer


A ONU é a grande expressão do multilateralismo. O multilateralismo começou a tomar forma no início do século 20. Resultou da dinâmica das transformações que unificaram a humanidade, para o bem e para o mal, tornando o mundo finito e interdependente.

Foi o que passou a exigir mecanismos institucionalizados de cooperação entre os Estados por meio de organizações internacionais. Estas criam tabuleiros diplomáticos que geram normas e pautas de conduta, elaboradas coletivamente pelos Estados para regerem suas recíprocas relações. Essas pautas e normas expressam em distintas conjunturas o possível da cooperação e do entendimento internacional. São sempre uma contínua, porém esquiva, conquista da razão política.

O Brasil participou dos momentos inaugurais da diplomacia multilateral: a Conferência de Paz de Haia em 1907 e a Conferência de Paris de 1919, a qual, ao término da 1.ª Guerra Mundial, levou à criação da Sociedade das Nações. A partir dessas experiências, o pensamento diplomático brasileiro identificou no multilateralismo um dos caminhos para a ação da política externa do País. Avaliou que um país como o nosso, de escala continental, sem “excedentes de poder” – como dizia o chanceler Saraiva Guerreiro –, mas com “interesses gerais” na dinâmica de funcionamento do mundo que o afeta, é nos tabuleiros do multilateralismo que sua voz encontra espaço para efetiva articulação.

No âmbito da ONU, o momento de maior significado da articulação da voz do Brasil é o discurso de abertura dos debates anuais da Assembleia-Geral. A prática consolidou a tradição de que cabe ao Brasil esse discurso. É o que vem sendo feito desde 1946.

A oportunidade de ser o primeiro a falar nos debates da Assembleia-Geral fez com que os chefes das delegações do Brasil na ONU – fossem embaixadores credenciados, ministros das Relações Exteriores ou os próprios presidentes da República – pronunciassem um discurso abrangente. Na avaliação de Luiz Felipe de Seixas Corrêa, que superiormente organizou a publicação desses discursos, antecedendo-os de uma esclarecedora análise de seus contextos internos e externos, o que os caracteriza é uma apreciação da situação internacional que é a moldura para a enunciação da visão brasileira do mundo e para a subsequente apreciação das principais questões internacionais. É o que os diferencia “da grande maioria das delegações que intervêm no debate geral, mais preocupadas com questões tópicas” (A Palavra do Brasil nas Nações Unidas – 1946-2011, 3.ª edição).

É considerável o desafio envolvido na elaboração desse tipo de discurso. Requer um olhar sempre atualizado sobre as mudanças da realidade internacional e, para ser devidamente abrangente, a capacidade de captar o que acontece no nosso contexto regional. O discurso na ONU é uma importante oportunidade de contribuir para a definição da agenda global e, nesse âmbito, formular como ela enseja a tradução das necessidades internas em possibilidades externas.

O histórico dos discursos deixa entrever, como aponta Seixas Correa, algumas dicotomias que caracterizam a formulação da política externa brasileira. Expressam as complexas dimensões do nosso país. Entre elas: realismo/idealismo, reivindicação/invenção, ocidentalismo/terceiro-mundismo, democracia/autoritarismo, continuidade/mudança.

Apesar disso, não obstante mudanças de ênfase e orientações, que provêm de distintas conjunturas internas e internacionais, há uma constante estável que tem sua origem na singularidade do lugar que o Brasil ocupa no mundo. No espaço de permissibilidade que o mundo nos oferece, o caminho trilhado pelo Brasil na explicitação da sua voz está alinhado com as formulações de Rui Barbosa em Haia: contrapor-se ao exclusivismo do poder das grandes potências e atuar no concerto das nações não com o peso de suas armas ou com eventuais ambições de potência, mas com a força de suas razões e a ascendência do seu Direito.

É por isso que esses discursos se têm oposto ao unilateralismo, sustentando os méritos do multilateralismo, e articulado a importância da paz, da cooperação e da solução pacífica de controvérsias. Reconhecem a heterogeneidade do sistema internacional e seu consequente pluralismo ideológico. Por isso, sem espírito de cruzada advogam o papel das negociações. Nas palavras do chanceler Horácio Lafer – de grande atualidade num mundo multipolar e permeado por tensões –, no seu discurso na ONU em 1960: “Face à inadmissibilidade de soluções bélicas, o mundo se acha confrontado com a necessidade de ajustar, por negociação as diferenças que separam as nações. O caminho em busca de soluções para os problemas do nosso tempo é a negociação permanente, o propósito de sempre negociar”.

Os discursos do Brasil na ONU têm sido enunciados numa linguagem apropriadamente diplomática. É o que confere qualidade à sua voz e ao estilo de sua visão do mundo, que agrega substância à reputação do nosso país. No ensinamento de Rui: “Hoje, com efeito, mais do que nunca, a vida assim moral como econômica das nações é cada vez mais internacional. Mais do que nunca, em nossos dias, os povos subsistem de sua reputação no exterior”.

A História não parte do zero a cada período presidencial. Por isso, no processo de redação do discurso da ONU, usualmente se leva em conta o que foi dito na abertura dos debates da Assembleia-Geral de 1946 até agora e o papel das forças internas e externas que modularam a voz do Brasil. É o que lhe dá, em distintas conjunturas, coerência, elemento da reputação internacional e de credibilidade.

Esse é o pano de fundo que permeia o peso da responsabilidade que deve ter o próximo discurso do Brasil na ONU, este mês. Uma de suas exigências é preservar no âmbito mundial a reputação internacional do nosso país.

Estadão, 15/09/2019


.............
Celso Lafer - Quinto ocupante da cadeira 14 da ABL, eleito em 21 de julho de 2006, na sucessão de Miguel Reale, e recebido em 1º de dezembro de 2006 pelo acadêmico Alberto Venancio Filho. 

* * *

ROBERTO CAMPOS – Frases


Morto em 2001, o economista e diplomata Roberto Campos estaria hoje com 100 anos. Relembre algumas de suas melhores frases sobre quanto o Estado estorva a vida de empresas e cidadãos, publicadas pelo Estadão:
---

“O bem que o Estado pode fazer é limitado; o mal, infinito. O que ele pode nos dar é sempre menos do que nos pode tirar.”

“Nossa Constituição é uma mistura de dicionário de utopias e regulamentação minuciosa do efêmero.”

“Uma vez criada a entidade burocrática, ela, como a matéria de Lavosier, jamais se destrói, apenas se transforma.”

“Continuamos a ser colônia, uma país não de cidadãos, mas de súditos, passivamente submetidos às ‘autoridades’ – a grande diferença, no fundo, é que antigamente a ‘autoridade’ era Lisboa. Hoje, é Brasília.”

“Todo mundo sabe que o dinheiro do governo é gasto para sustentar universidades ruins e grátis, para classes médias que podem pagar. Nada melhor. Garante comícios das UNEs da vida, ótima preparação para futuros políticos analfabetos.”

“O doce exercício de xingar os americanos em nome do nacionalismo nos exime de pesquisar as causas do subdesenvolvimento e permite a qualquer imbecil arrancar aplausos em comícios.”

“Sou chamado a responder rotineiramente a duas perguntas. A primeira é ‘haverá saída para o Brasil?’. A segunda é ‘o que fazer?’. Respondo àquela dizendo que há três saídas: o aeroporto do Galeão, o de Cumbica e o liberalismo. A resposta à segunda pergunta é aprendermos de recentes experiências alheias.”

“O PT é um partido de trabalhadores que não trabalham, estudantes que não estudam e intelectuais que não pensam.”

“Nossas esquerdas não gostam dos pobres. Gostam mesmo é dos funcionários públicos. São estes que, gozando de estabilidade, fazem greves, votam no Lula, pagam contribuição para a CUT. Os pobres não fazem nada disso. São uns chatos.

“É divertidíssima a esquizofrenia de nossos artistas e intelectuais de esquerda: admiram o socialismo de Fidel Castro, mas adoram também três coisas que só o capitalismo sabe dar – bons cachês em moeda forte, ausência de censura e consumismo burguês. São os filhos de Marx numa transa adúltera com a Coca-Cola.”

“Fui um bom profeta. Pelo menos, melhor que Marx. Ele previra o colapso do capitalismo; eu previ o contrário, o fracasso do socialismo.”

“Segundo Marx, para acabar com os males do mundo, bastava distribuir. Foi fatal. Os socialistas nunca mais entenderam a escassez.”

Brilhante!


(Recebi via Whats)


* * *