Discurso da Gratidão
por Cyro de Mattos
Primeiramente minha gratidão a Deus, que me deu a vida. À
minha esposa Mariza, meu suporte físico e espiritual durante 50 anos de união
conjugal. Aos meus três filhos e seis netos, pelo incentivo.
À confreira Janete Ruiz, que teve a ideia dessa homenagem. À
confreira Raquel e ao confrade Wilson pelo apoio. Aos confrades e confreiras
que aprovaram a iniciativa generosa, mas penso que outros integrantes desta
instituição mereceriam a honraria.
Já vai longe o tempo em que recebi a primeira distinção
relevante no meu currículo de vida literária. Foi em 1968, no Rio. Vendi meus
livros de Direito do escritório de advocacia, que havia estabelecido aqui em
Itabuna, com uma clientela considerável proveniente da área trabalhista, quando
então resolvi migrar para o Rio onde seguiria minha carreira literária.
Paralelamente, optei pelo jornalismo para sobreviver lá na cidade grande.
O Rio e São Paulo naquela época formavam o tambor cultural
do Brasil. Quem quisesse ter repercussão na carreira literária devia migrar
cedo para uma das duas metrópoles. Já repórter e redator do Diário de Notícias
no Rio, ainda como um moço do interior baiano espantado com a cidade de muita
gente e edifícios que altos sinalavam para as nuvens, sentia-me estranho aos
meios e costumes da metrópole. Foi aí que tive uma boa surpresa. Conquistava em
1968 o prêmio Internacional Miguel de Cervantes, patrocinado pela Casa dos
Quixotes, para autores de língua portuguesa. O conto que me deu o prêmio foi
Inocentes e Selvagens. Era a primeira vez que um autor brasileiro conquistava a
láurea. Não preciso dizer da alegria.
Vieram outras conquistas literárias e distinções
importantes, como foram ressalvadas aqui pela confreira Raquel Rocha. Veio
minha entrega
pela progressão e honra de nossa instituição, conforme
destacou a confreira Janete Ruiz. A última de nossas conquistas literárias, sem
dúvida a mais relevante, se deu recentemente com o Prêmio Literário Casa de las
Americas, para o livro Infância com Bicho e Pesadelo e Outras Histórias.
Fico pensando agora como reagiria meu pai Augusto quando
soubesse que tinha um filho como autor de 65 livros pessoais publicados no
Brasil, 16 no exterior, com vários prêmios de categoria, distinções outorgadas
por instituições importantes. Meu pai era um homem iletrado, aprendera a ler e
a escrever por esforço próprio. Tudo ele fez com trabalho, esforço e economia
para que os filhos fossem gente: o mais velho, José Orlando, se tornasse um
médico respeitável, o mais novo, começasse a carreira de advogado nas pegadas
de um profissional competente. O irmão mais velho tornou-se um médico de alto
valor aqui em Itabuna. Cirurgião elogiado durante décadas de dedicação e amor à
Medicina, foi provedor da Santa Casa de Misericórdia com louvores. O filho
caçula fora uma decepção para o pai, trocara o certo pelo duvidoso.
O pai disse:
- Você pretende viver nas nuvens, seguindo uma profissão que
não existe, não bota comida no prato, aqui na cidade ninguém dá importância a
quem vive de escrever livros. – De rosto triste na expressão inconformada
concluiu: - Esse negócio de ser escritor só serve pra quem não tem juízo.
Eu observei:
- Meu pai é o que gosto, ser escritor não dá dinheiro nem
conceito, reconheço, mas vou seguir o meu destino.
Perguntei-lhe se ele já havia ouvido falar no famoso
romancista Jorge Amado, era uma referência para quem quisesse seguir a carreira
de escritor.
Ele respondeu que já ouvira falar em Jorge Amado, mas era um
caso raro, acrescentando que devemos seguir a regra e não a exceção, onde para
se alcançar as metas tudo é mais difícil.
O pai não podia pensar diferente, com o saber que aprendera
na escola da vida, queria o melhor para mim.
Certamente hoje, se estivesse aqui comigo, ficaria calado,
entre estranho e assustado.
Seria bom, agradável, se ele dissesse:
- Filho eu não sabia que o tempo estava preparando uma boa
surpresa pra mim e pra sua mãe Josefina.
O tempo, esse avantajado cavaleiro soberano. Sabe das
coisas, conhece os caminhos, dá e toma, tudo bebe e lambe.
Antes de se recolher para se reconfortar no sono, depois de
mais um dia de trabalho, gostaria que o meu pai dissesse de voz calma:
- Meu filho, você é um escritor de verdade.
Passados tantos janeiros, entre dias alegres e tristes,
estou recebendo neste momento singular distinção como Presidente de Honra da
Academia de Letras de Itabuna, instituição com finalidades culturais que ajudei
a fundar com um grupo de pessoas sonhadoras. Fico comovido com a iniciativa.
Recebo a homenagem como reconhecimento ao meu legado, minha participação na
instituição que se tornou um capítulo importante em minha vida.
Por isso mesmo, não vejo outra maneira de agradecer essa
homenagem a não ser repetindo o que disse em meu poema de louvor à Academia de
Letras de Itabuna e que hoje serve como a letra do hino oficial da instituição.
A cidade contigo conhece
Que a vida não é coisa vã,
É a palavra solta a dizer
A beleza de cada manhã.
Imortal é tua maneira de ser,
Tua luz que nunca se apaga,
Ideal é a página que escreves
Pra voar com as asas da alma.
Tudo vale, tudo anda com Deus,
Que nos deu a razão e a emoção,
O sentido de viver com o amor
Pra dizer o que vem do coração.
O sentido de viver com o amor
Pra dizer o que vem do coração.
Obrigado a todos e a todas por este momento cativante.
*Discurso proferido por Cyro na homenagem que recebeu como
Presidente de Honra da Academia de Letras de Itabuna, no auditório do Hospital
de Olhos, em 27 de maio de 2023.
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