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segunda-feira, 11 de outubro de 2021

MAESTRO CHIQUINHO – Luiz Gonzaga Dias



Maestro Chiquinho I

 


E muitas vezes o luar de prata,

Viu-o vagueando pela noite fria.

Peregrino do belo em serenata,

E madrigais a deusa da harmonia.

 

A febre do talento ensandecia,

O artista em busca da riqueza abstrata

Com a razão, a glória lhe fugia

Cedo vencido pela sorte ingrata.

 

Vinha às vezes beijar-lhe a testa em fogo,

A musa amante condoída e terna,

Escutando o maestro, a angústia, e o rogo...

 

E noites solitário a luz da lua,

Da pauta escravo na tortura eterna,

Compunha sinfonias pela rua...

 

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Maestro Chiquinho II


 

Pela cidade a banda desfilava,

Na vibração dos dias festivais.

Sonoro o instrumental ao sol brilhava,

Desferindo harmonias marciais.

 

Na rua, roto, olhar parado, estava,

O Maestro e autor de peças magistrais.

Indiferente ao mundo que o cercava,

Nem mesmo o glória o importava mais.

 

- E a banda parou! Sentida a mágoa,

Invadiu corações – ninguém resiste,

À comoção que arrasa os olhos d’água.

 

Na festa agora, o entusiasmo é pouco...

A banda torna a sede, muda e triste:

 - O autor do dobrado estava louco!

 

Luiz Gonzaga Dias

(IMAGENS MUTILADA)

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O LEGADO DE ELVIRA FOEPPEL – Cyro de Mattos




 O Legado de Elvira Foeppel

 Cyro de Mattos

 

      Como Maura Lopes Cançado, autora de  O hospício é Deus (1965), diário, e O sofredor do ver (1968), contos, Elvira Foeppel deixou um legado literário pequeno, mas expressivo. Com Chão e poesia, pequeno volume com registros circunstanciais e anotações existenciais, fez a sua estreia em 1956, quando usa o diário como forma para exprimir a sua visão pessoal sobre o mundo. Nesses textos breves, já demonstra ser uma escritora preocupada com o indivíduo na condição do existir. Comparece ao chão de memórias curtas com pontos de vista pessoais, fazendo delas articulações agudas que ocupam espaços no sentido incomum de ambiguidades e ferimentos, entre a introversão e a denúncia de si mesma feita por um espírito inquieto, participante de uma força nova em nossa literatura.

       Com Círculo do medo, contos, 1960, essa escritora baiana nascida em  Ilhéus é saudada pela crítica como autora de textos inovadores no corpo da prosa de ficção breve desenvolvida entre nós. Elvira Foeppel introduz no conto elementos de vanguarda na estrutura e linguagem. O episódio, a trama, o ambiente, elementos presentes  numa prosa ficcional que se delineia objetiva, dependente de uma geografia humana exterior, em níveis horizontais no discurso, são abandonados para a construção de uma narrativa comprometida com a linguagem motivadora de mergulhos no fluxo da vida,  da atmosfera e do relevo dos personagens , que se aglutinam em torno de profunda percepção existencial, em cujo conteúdo o indivíduo emerge através dos conflitos universais, perpassados de angústia, náusea, solidão, amor, ódio e medo.

         Em Chão e poesia, a maneira de registrar a vida relaciona-se no campo expressivo próprio do eu inquietante, que comporta nos interiores pensamentos, divagações e pequenas percepções do mundo. Circulo do medo é o mundo ficcionalizado que se converte naquele espaço interior em que entram sentimentos atordoantes, sugestões que assaltam à mente carregadas de estranha beleza, além de exibir uma linguagem como instrumento de mergulho existencial destinado à criação de uma atmosfera, que quase sempre sufoca em sua morbidez. Observa-se que esse pequeno volume de contos é um repositório de peças de ficção sem didatismo do narrador onisciente, devaneios inúteis, informações do cotidiano ou lembranças sequenciadas no tempo sem verticalidades.  O que sobressai é o compromisso da autora em encarar a criação literária sem submissão à razão lógica. Inexiste assim o caso narrado através dos momentos de princípio, meio e fim, o tema que se impõe como resultado da recriação do real assentado na memória, no telurismo social ou nostálgico, no documento que revela a condição humana ligada ao urbano com os seus dramas diários adstritos à realidade circundante.

        Os desajustes, abandonos, desencontros e momentos críticos das criaturas inventadas por Elvira Foeppel situam-se no plano da poetização de um clima, armado por quem sabe revestir a vida em torno de uma aura estética ligada à própria existência humana. O estar no mundo desses personagens com sentimentos em conflito valoriza-se no que tem de mais profundo pela sensibilidade da ficcionista e em sua pesquisa da forma discursiva. Esta não se faz no que pretende sugerir com qualquer concessão ao leitor mediano. Podem ser destacados em Circulo do medo os contos “O fio metálico do ódio”, “O aleijado” e “Afinal lá estava ela” como exemplos de mais autêntico mergulho nos interiores obscuros da criatura humana.

        Muro frio, romance publicado em 1962, tem lugar assegurado em nossa novelística de renovação esteticista, numa época em que a literatura brasileira converge para procedimentos de vanguarda. Quando então romancistas, contistas e poetas procuram executar a arte literária no plano da linguagem e no significado incomum  da forma  pesquisada, assim como na ficcionalização da vida apurada pelos fios da sensibilidade, sugestões e pontuação psicológica, elementos que apresentam com a sua fisionomia bastante impregnada  de sentimentos obscuros  do mundo. É uma nova literatura que obriga o leitor a pensar a narrativa como um todo, destituída na sua  construção do dizer fácil, fluente e permeado de lugares comuns. Nesse particular, Elvira Foeppel insere-se em nosso contexto literário como transgressora de estrutura, numa hora em que a nossa ficção ainda não era plena de procedimentos proustianos, mansfieldianos, joycianos e faulknerianos. Justamente quando o nosso corpo literário passa a ser inovado e acrescido de qualidade estética por romancistas da grandeza de João Guimarães Rosa, Clarice Lispector, Adonias Filho e do contista Samuel Rawet.

      Muro frio é um romance articulado com poesia, música e memória, centrado em uma mulher que retorna à sua cidade para alcançar e ferir, na sua maneira de ser, pessoas na rua. Exprime pensamentos que atritam com a existência, sinaliza a dor do nada, constata juízos e preconceitos que fazem emergir uma angústia consciente, na qual a vida não se justifica nem é motivada. Romance que, em sua narrativa subjetiva, formada de breves capítulos, estende na memória um passado que tritura a infância, sentimentos espontâneos e desejos verdadeiros. Apresenta momentos do presente que apertam o olhar agudo de Marta no que amplamente vê, nos rumores de tudo que não chega a compreender e que a desnuda através da agonia e insolência, conduzindo-a dessa forma por paisagens de subsolo que perturba, espaços ocultos e tortuosos, feitos de vertigem, verdades oblíquas e ferocidades perigosas.

      Romance que fantasia a natureza humana com dolorosos silêncios que oprimem, desvenda Marta, morta num sonho. Com o seu ritmo poético faz pulsar um corpo de mulher possuída de ruídos selvagens, enquadrada numa cidade velha e pequena, repetitiva e enfadonha. Lá, onde a vida qual muro frio levanta sinais e gritos que não alteram o ritmo do viver. O espetáculo nada generoso do tempo no relacionamento das pessoas nutre-se de uma atmosfera com mentiras e excessos.

          O estilo sugestivo, que a autora usa para criar o clima tecido de sensações e percepções amargas, no qual se situa Marta, projeta um campo metafórico perturbador, que funciona no texto verbal, trabalhado em nível da forma, como momento singular da nossa emancipação literária no terreno da linguagem. E isso se dá   num corpo com mãos femininas que tão bem sabem inventar a língua literária, habilmente usá-la na estilização do drama e do cotidiano, como são exemplos disso Rachel de Queiroz, Clarice Lispector, Helena Parente Cunha e Lígia Fagundes Telles.

           A arte literária de Elvira Foeppel chama a atenção também por ter a autora nascido no sul da Bahia e em nenhum momento eleger a civilização cacaueira com o seu modo singular de vida como tema do universo ficcional, a exemplo do que ocorre com os escritores Jorge Amado, Adonias Filho e outros com um legado de expressão consistente.  Nem sequer funde o regional com o espiritual em busca de alcançar o universal, nem une poesia e humanismo social para retratar a vida geograficamente localizada, dependente da realidade exterior.  Sua literatura é de construção poemática, por excelência, seu discurso também conceitua, afirma sem hesitar em seu fundo existencial, faz com o outro pense a vida em suas verticalidades, enigmas e abismos.  Passa longe de subjetivismos eleitos para insinuar geografias espirituais, solidões ou sensações frouxas de nosso ser-estar precário no mundo.

          A obra de Elvira Foeppel vem sendo estudada recentemente por Vanilda Mazzoni, que, juntamente, com Alicia Duhá Lose, resgatou boa parte do legado disperso, publicado no período de vinte e dois anos, compreendido entre março de 1950 e 1972, em periódicos de divulgação e amenidades. Esse trabalho cuidadoso resultou no livro Da sombra à luz, seleção de contos, publicado em 2005, pela Editus, editora da Universidade Estadual de Santa Cruz.

        Elvira Foeppel nasceu em Canavieiras, em 15 de agosto de 1923, mas com dois meses de idade a família transferiu-se para Ilhéus onde, na cidade de belas praias, passou a infância, adolescência e exerceu o magistério primário até transferir-se para o Rio de Janeiro. Foi colaboradora no Rio de Janeiro, com artigos e crônicas, das revistas “Leitura”, “Cadernos Brasileiros” e, com maior frequência, do “Suplemento Literário do Jornal do Brasil”, ao lado de José Edson Gomes, Judith Grossman, Reynaldo Jardim e Assis Brasil.  Seus contos participam de antologias no Brasil. Deixou inédito Íntimos da Morte, romance. Faleceu no Rio de Janeiro, em 28 de julho de 1998.

 

Leituras Sugeridas

FOEPPEL, Elvira. Chão e poesia, memórias curtas, Organização Simões Editora,  Rio de Janeiro, 1956.

 ---------------------- Círculo do medo, contos, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 1960.

  ----------------------Muro frio, romance, Editora Leitura, Rio de Janeiro, 1961.

------------------------ Da sombra à luz, contos, seleção de Vanilda Salignac Mazzoni e Alícia Duhá Lose, Editus, editora da UESC, Ilhéus, Bahia, 2004.

MAZZONI, Vanilda. A violeta grapiúna, ensaio, Editus, Editora da UESC, Ilhéus, 2003.

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Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo das Academias de Letras da Bahia, de Itabuna e de Ilhéus. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. 

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