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sexta-feira, 31 de março de 2017

A LISTA FECHADA DO CONGRESSO BRASILEIRO – Eduardo Affonso

(Como vai funcionar o voto em lista fechada na prática)



"- Garçom, me veja o cardápio, por favor.

- Nós não trabalhamos mais com cardápio, senhor.

- Vocês usam uma tabuleta, você me fala os pratos?

- Não, senhor, trabalhamos agora com lista fechada.

- Como assim, "lista fechada"?

- O senhor escolhe o restaurante (no caso, escolheu o nosso), e o nosso gerente escolhe o que o senhor vai comer.

- E o que é que eu ganho com isso?

- O senhor não precisa perder tempo escolhendo.

- Mas como vou saber o que vou comer?

- O senhor come o que o gerente achar que o senhor deve comer.

- Mas baseado em quê, se ele não sabe do que eu gosto.

- Baseado nos critérios dele.

- Que são...

- Ele pode querer que sejam os pratos mais caros. Ou os que usam ingredientes que estão com prazo de validade perto de vencer. Ou os que já estão prontos. Ou os que dão menos trabalho. Isso não cabe ao senhor decidir.

- Então eu me sento e...

- Senta, come o que o gerente quiser, e paga a conta.

- E se eu não gostar do prato?

- Nós não trabalhamos com essa possibilidade, senhor. Gostando ou não, vai pagar a conta do mesmo jeito.

- Bem, acho que vou então para outro restaurante...

- Todos agora trabalham assim, senhor.

- Mas quem decidiu isso?

- O Sindicato dos Donos dos Restaurantes.

- Pois então eu não vou mais comer fora. Vou comer em casa.

- Não tem problema, senhor. Posso trazer a conta?

- Que conta? Não vou comer nada...

- A do Fundo Suprapartidário dos Restaurantes. Comendo aqui ou em casa, o senhor tem que financiar os restaurantes.

- Por que é que eu tenho que financiar vocês?

- Porque se não financiar por bem, nós vamos conseguir o financiamento de outra forma, que é assaltando o senhor - um método também conhecido como Caixa Registradora Dois. O senhor pagar diretamente é muito mais civilizado, não acha?

- E quem me garante que eu pagando vocês não vão me assaltar do mesmo jeito?

- Ninguém, senhor. Ah, não aceitamos cartão. E os 10% são obrigatórios...”


Essa é uma das propostas da Reforma Política dos seus nobres representantes no congresso... A Lista Fechada.


Eduardo Affonso

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CAIPORA - Marília Benício dos Santos

Caipora


          No meu tempo de criança, vivia apavorada com a caipora que, na época, era cantada e decantada.
Costumávamos passar as férias na Fazenda Guanabara. Esta fazenda foi a primeira que papai adquiriu. Era muito bonita. Para nós, crianças, era o pequeno Eldorado. É minha recordação mais remota. Lembro-me que a casa era branca, tinha na frente uma varanda com grade de madeira em toda ela. Ali ficávamos vendo o gado ser conduzido ao curral, os trabalhadores voltando do serviço e o trem passar.
  
          Hoje, a Guanabara pertence a Oscar e a Iara. Eles conseguiram, com os recursos atuais, torná-la mais atraente e mais bonita. Fui passar o dia com eles e gozar um pouco daquela tranquilidade. Não existe mais nada da minha infância, nem podia. Mas o ar, o céu, as árvores, estão todos ali com a mesma disposição para acolher-me. Deitei-me numa linda rede armada na varanda e comecei a olhar as coisas em volta de mim: os pássaros cantando, um beija-flor a pousar de flor em flor, saboreando todo o seu encanto,  as galinhas d’água no ribeirão ao lado, coberto de baronesa, pareciam dançar ao som do coaxar dos sapos. E eu ali assistindo àquele espetáculo que a natureza me oferecia. Mas terminei dormindo um sono tranquilo, mas profundo. E sonhei: que o trem ia passar, estava apitando, cheguei a ouvir o seu apito “PI...u...ii...pi...u...ii... café com pão, bolacha não, café com pão, bolacha não...” No sonho, repetia-se a façanha da infância: saía correndo com os meus irmãos para ver o trem passar. Podíamos vê-lo da varanda. Mas só era válido se corrêssemos até a cancela. Na descida da ladeira, escorreguei e caí. – Coisa que sempre acontecia em minha infância! – Com o susto, - que pena! – acordei. Foi mesmo um azar. Estava tão gostoso!
  
          Continuei sonhando acordada. Era noite de lua cheia, todos nós sentados na varanda para ouvir histórias. Naquela noite, João Peixe, um dos trabalhadores contava-nos a história da caipora. Ouvíamos o relato com prazer e pavor ao mesmo tempo. Como sempre não ouvi o final. Lembro-me que as últimas palavras que consegui ouvir de João Peixe foram: “a caipora enganou e a menina se perdeu no mato”.

          Quando acordei no dia seguinte, estava triste e desapontada porque não ouvi o resto da história e também porque não consegui, mais uma vez, dormir na rede da sala. Dirceu ganhou novamente. Fui fazer queixa a papai e ele me disse: “Hoje você dorme na rede. Vamos comigo lá na roça?” Chamei Dina e acompanhamos papai.

           - Será que vocês acertam ir até em casa? – perguntou papai.

           - Sim, acertamos.

           - É só seguir o caminho em frente.

          Não me lembro bem o que íamos buscar. Mas fomos contentes, ouvindo os grilos cantar e olhando os cacaueiros carregados. É muito bonito andar numa fazenda de cacau! O fruto do cacaueiro se espalha por todo o seu caule. Há cacau de várias cores: verde, amarelo, azul, vermelho e, quando marcado pela podridão, pardo, preto. Seguíamos o caminho sem perdê-los de vista. Quando chegamos ao topo da ladeira, o caminho se bifurcava. E agora? Qual o caminho a seguir? Optamos por um que, infelizmente, não era o verdadeiro.
  
           - Julinha, a caipora nos enganou. Estamos perdidas.

          E Dina começou a gritar apavorada. Quando verifiquei que ela estava com razão, gritei mais ainda:

          - Papai! Paa...paa...iii...

          Cada vez ficávamos mais apavoradas e gritávamos mais. O nosso medo aumentou quando vimos um calango muito grande que, assustado com os nossos gritos, saiu correndo por entre as folhas do cacau.
  
          Felizmente, os nossos gritos chegaram até papai que veio ao nosso encontro.

          - O que vocês vieram fazer aqui?

           - Foi a caipora que nos enganou.

          - Qual caipora! Caipora não existe.

          - Existe, sim. João Peixe ontem contou que ela...

          - Esta história de João Peixe é bobagem. Vocês não devem ter medo. Vamos para casa...

           - Tia, você quer coca-cola?

          Outra vez fui despertada de meus sonhos.

          - Paulinho, você não se acanha de oferecer-me coca-cola aqui, em plena natureza?

          - Então, um suco de caju?

          Maravilhoso! Um suco de caju, sim. Vá buscar rápido.

          Enquanto esperava o suco de caju, olhando o céu muito azul que parecia encontrar-se com as folhas verdes da mata, refletia sobre aquele fato ocorrido na minha infância quando, desesperada, gritei por papai. E, como por encanto, ele apareceu. Como o bom pastor atrás da ovelhinha perdida.

          É tão bom pensar que existe Aquele Pastor que está sempre atento precisando apenas ser solicitado!

          - Tia, o seu suco.

           - Obrigada, Paulinho!

           - Obrigada, meu Deus!


 (ARCO-ÍRIS)

Marília Benício dos Santos


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CONEXÃO DIVINA - Mírian Warttusch

Conexão  Divina 




Seja alma e coração, aqui agora a falar! 
Iluminai-nos, meu Deus, hora santa para orar.

Meus lábios fazem a prece, coração acelerado…

Tudo que eu possa pedir, seja por certo alcançado.

Eu só quero alçar minh'alma, iluminada a voar,

Para encontrar-te, meu Deus, Universo a rebrilhar.

Tanto mais eu me aproximo, das estrelas de meu Deus,

Tanto mais, tenho a certeza, são elas mistérios Teus.

Via Láctea efervescendo, em caracóis estelares,

Façais vir a mesma luz, caindo nos nossos lares.

Sejamos abençoados, como amigos, como irmãos,

Estejamos sempre juntos, nesta hora de oração.

Deus está aqui presente, em tamanha Onipotência,

Só a fé pode explicar - contradiz toda a ciência.

Alma e corações unidos, tanta luz ninguém já viu!

Cintila nos nossos olhos, no nosso peito explodiu! 


Mírian Warttusch

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ACADEMIA BRASILEIRA DE LETRAS - Música de Câmara: "Villa-Lobos - 130 anos"

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“Música de Câmara na ABL” de abril apresenta concerto com o Quarteto Radamés Gnattali


A Academia Brasileira de Letras dá início à sua série “Música de Câmara na ABL” de 2017, sob coordenação do Acadêmico Marco Lucchesi, com concerto do Quarteto Radamés Gnattali (Carla Rincón, violino; Andréia Carizzi, violino; Marco Catto, viola; e Hugo Pilger, violoncelo), intitulado “Villa-Lobos – 130 anos”. O espetáculo está programado para o dia 6 de abril, quinta-feira, às 12h30min, no Teatro R. Magalhães Jr., na Avenida Presidente Wilson 203. Entrada franca.

Na oportunidade, o grupo estará comemorando os 130 anos de nascimento do compositor brasileiro Heitor Villa-Lobos (1887-1959), apresentando as aberturas dos 17 quartetos escritos por ele ao longo de sua vida: “Condensar a obra para quarteto de cordas do maestro em um concerto é tentar fazer da Floresta Amazônica um bonsai, somente possível com um extenso conhecimento e cuidado nessa escolha, tarefa para o único grupo brasileiro a gravar a obra em DVD e Blu-Ray e a executar sua integral ao vivo na América do Sul”, garantem os produtores da série.

PROGRAMA – O melhor de Villa-Lobos: Quarteto n° 1 Opus 50 (1915) II - Brincadeira (Allegretto scherzando) Quarteto n° 3 Opus 56 (1916) II - Molto Vivo Quarteto n° 5 (1931) III – Andantino – tempo giusto e ben ritmado Quarteto n° 7 (1942) III - Scherzo (Allegro Vivace) Quarteto n° 9 (1945) I – Allegro Quarteto n° 11 (1947) III - Adagio Quarteto n° 13 (1951) III - Adagio Quarteto n° 14 (1953) IV - Molto Allegro Quarteto n° 15 (1954) II – Moderato Quarteto n° 16 (1955) II - Molto Andante (quasi Adagio) Quarteto n° 17 (1957) IV - Allegro Vivace (con fuoco).

Saiba mais

Vencedor dos prêmios Rumos Itaú 2007 e XIII Prêmio Carlos Gomes como melhor conjunto de câmara do Brasil em 2009, indicado para o Grammy Latino 2012, Prêmio da Música Brasileira 2013 e Prêmio de Cultura do Governo do Rio de Janeiro 2012-2013, o Quarteto Radamés Gnattali despontou como o primeiro no mundo a gravar em DVD e BluRay os 17 Quartetos de Cordas do compositor. No âmbito educacional, gravou 13 programas para a televisão dedicados aos quartetos de Heitor Villa-Lobos e realiza o projeto Brasil de Tuhu, levando a música do compositor brasileiro às crianças de escolas públicas do Brasil.

30/03/2017



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quinta-feira, 30 de março de 2017

DIÁRIO DE VIAGEM - Francisco Benício dos Santos


BORDO DO PEDRO II
1º DIA

Estou desambientado.
Tudo estranho.
Saudade/ Muitas saudades, de mamãe de papai e da Nísia.
Fecho os olhos.
Meu quarto de dormir, meus livros, minha estante, as refeições em conjunto.
A nova casa da chácara.
Frutuoso, Mássimo, Tunche,
Velhos amigos da minha infância...
Saudades!
Lembranças!...
Dá-me vontade de chorar...
A sala das aulas,
O meu triunfo oratório.
O abraço soluçante de mamãe,
O abraço forte e corajoso de papai,
O olhar divino de Nísia...
Saudades...
Nostalgia!


(AQUARELAS E RECORDAÇÕES Capítulo XXII)

Francisco Benício dos Santos.

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UM ABISMO ATRAI OUTRO ABISMO - Marcos Luiz Garcia

30-03-2017
Um abismo atrai outro abismo!



Está na Bíblia: um abismo atrai outro abismo. Os jornais noticiaram que os políticos estão deixando de usar gravata para se aproximarem mais do povo.

Não concordo com essa impostação, pois assim logo eles estarão de bermudas, shorts e tênis, pois é o que está dominando.

Precisamos de gente que puxe o povo para cima, e não que se una a ele para descer mais baixo.
O vocabulário está liquidado, as boas maneiras morreram, o bom gosto desapareceu, até a boa aparência sumiu!

Desse jeito vamos para fundo do abismo da História, como aqueles que abandonaram a civilização e voltaram para o primitivismo.

O “desgravatamento” é mais uma atitude que só serve para tonificar os lados ruins da sociedade, e não para retirá-la do abismo em que está. Sem mudar esse e outros comportamentos, sem que as pessoas se elevem e se considerem melhor, não haverá absolutamente regeneração do Brasil.

Não é de hoje que esse preconceito contra a civilização vem se manifestando sem que, nesse e em outros casos semelhantes, sejam chamados de preconceito.

Tudo o que procura elevar-se é preconceituoso e tudo o que puxa para baixo é politicamente correto.

Negar isso é negar a evidência. O pior cego é o que não quer ver.


          ( * ) Marcos Luiz Garcia é escritor, conferencista e colaborador da ABIM

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 Fonte: Agência Boa Imprensa – (ABIM)

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PODÃO - Geraldo Maia


Podão

Pra Eglê


No rito do bago melado de azul,
no rastro da barca no horizonte nu
barcaça na caça de fala bem buna
há barca na pele do Rio Cachoeira
rito de poeira e lava da noite
arreganha e goza na ponte
que o mar engole no açoite.

Pode a poda capadócia afrontar o poder do poema?
podão cego sem punho forte pro verso
ou corte o bacanal de bagos nus que o sol perverte
em mel e pó atoa que o poeta voa à margem
do que não seja com o coração.

Pois é, menina, saudades mesmo da terrinha onde cheguei à luz, onde andei catando sonhos nas barcaças, de fazenda em fazenda onde meus pais peregrinaram à cata de sobrevivência nas terras da injustiça sem fim onde o ouro verde escreve com letra rubra a obscura cartilha dos coronéis nos cacauais. O amor por essa terra tem uma carga de doer a memória e vez por outra deixa escapar um sorriso de esperança que faísca na lâmina do facão e na lágrima que o coração escava.

Com certeza, amiga, amo essa terra sofrida de glória podada pela usura dos coronéis que sugaram inutilmente as entranhas do cacau e o sangue das estrovengas, sim amiga, estamos do mesmo lado dessa terra de luz e pedra, aí teci as primeiras palavras da infância, foi em sua beleza selvagem que lavrei os primeiros versos, e nos trilhos das barcaças embarquei para os territórios da saudade nas estradas abertas a sonho e a soluço.

Geraldo Maia


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Geraldo Maia, poeta
Estudou Jornalismo na instituição de ensino PUC-RIO (incompleto)
Estudou na instituição de ensino ESCOLA DE TEATRO DA UFBA
Coordenou Livro, Leitura e literatura na empresa Fundação Pedro Calmon
Trabalha na empresa Folha Notícias,

Filho de Itabuna/BA/BRASIL, reside em Louveira /SP.

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SOBRE AS MANIFESTAÇÕES DE 26/03/2017

Clique sobre a foto, para vê-la no tamanho original
A manifestação de hoje foi um fiasco


Havia milhares de pessoas.
Apenas não havia um milhão.

E juntar milhares de pessoas para se manifestar contra a corrupção, pela ética, pela justiça, pela moralidade na gestão da coisa pública, será um fracasso?
Penso que não.

Fiasco seria um milhão de pessoas defendendo a impunidade, o desvio de verbas, a violação à Constituição.

Fiasco seria ter ido tangido feito gado pelos sindicatos, em ato organizado com dinheiro tirado do trabalhador.

Fiasco seria tumultuar a vida das pessoas num dia útil, faltar às aulas, ao trabalho, usar máscara, soltar rojão.

Ninguém estava lá por privilégios.
Ninguém estava lá por se sentir acima da lei.

Talvez a manifestação de hoje tenha sido um fiasco para quem achava que tirar Dilma do poder era um fim em si mesmo.
(Era o começo. Ainda há muito o que drenar naquele abcesso).

Um fiasco para quem se contenta com Cunha e Cabral na prisão.

Um fiasco para quem acha que o Brasil não tem jeito.

É, pra esses foi um fiasco.



Eduardo Affonso

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quarta-feira, 29 de março de 2017

MINH’ALMA MORA NA BAHIA – Oscar Benício dos Santos

Minh’ alma mora na Bahia


A Velha Bahia é uma gaiola,
nos prende com seu alçapão
e não mais abre a portinhola
do seu alegre coração. 

É uma mulata frajola,
parece não ter coração, 
canta como uma vitrola
naqueles seus discos de então. 

Eu, seu antigo prisioneiro
preso, só, de corpo inteiro,
mas, de espirito livre – que ironia; 

viando sozinho por todo mundo,
como tristonho vagabundo,
mas, minh’alma mora na Bahia.


 

Oscar Benicio Dos Santos
Velha Bahia (Salvador)


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PRECE ÁRABE

Prece Árabe
 

Deus!
Não consinta que eu seja o carrasco que sangra as ovelhas,
nem uma ovelha nas mãos dos algozes.
Ajude-me a dizer sempre a verdade na presença dos fortes
e jamais dizer a mentira para ganhar os aplausos dos fracos.
Meu Deus!
Se me deres a fortuna, não me tires a felicidade!
Se me deres a força, não me tires a sensatez!
Se for me dado prosperar, não permita que eu perca a modéstia,
conservando apenas o orgulho da dignidade.
Ajuda-me apreciar o outro lado das coisas
para não enxergar a traição dos adversários
e nem acusá-los com maior severidade do que a mim mesmo.
Não me deixes ser atingido pela ilusão da euforia quando bem sucedido e nem desesperado quando sentir o insucesso.
Lembra-me que a experiência de um fracasso poderá proporcionar um progresso maior.
Oh Deus!
Faça-me sentir que o perdão é o maior índice da força
e que a vingança é prova de fraqueza.
Se me tirares a fortuna, deixe-me a esperança,
Se me faltar a beleza da saúde, conforta-me com a graça da fé!
E quando me ferir a ingratidão e a incompreensão de meus semelhantes,
cria em minha alma a força da desculpa e do perdão.
E finalmente, Senhor, se eu te esquecer...
Te rogo mesmo assim que nunca te esqueças de mim.




Enviado por: " PPS Crystal" <ppscrystal@yahoo.com.br>

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“CIRO DEVIA SE PREOCUPAR COM SUA SAÚDE MENTAL”, DIZ JOÃO DORIA

28 de março de 2017

Ciro Gomes (PDT-CE) “devia se preocupar é com o estado dele, primeiro o pessoal, de saúde mental, depois o Ceará, que é o Estado que ele representa”, disse nesta segunda-feira (27) o prefeito de São Paulo, João Doria (PSDB).

O prefeito tucano rebatia críticas feitas pelo pedetista a ele, em entrevista publicada pela Folha no mesmo dia.

Para Ciro, o “farsante” Doria força uma imagem errada de “antipolítico”, já que, ao chefiar a Embratur no governo Sarney, “saiu debaixo de muitas irregularidades no Tribunal de Contas da União e foi violentamente criticado por uma propaganda do turismo brasileiro com bundas de mulher na praia, estimulando claramente o turismo sexual”.

Doria evocou um episódio visto como machista da campanha presidencial de Ciro em 2002 –quando Ciro disse que sua então esposa, a atriz Patricia Pillar, tinha um dos papéis mais importantes na disputa: “Dormir comigo”.

“O ex-governador [do Ceará] não é exatamente a pessoa mais indicada para falar das questões das mulheres, né? Ele tratou a esposa como tratou, não é exatamente uma pessoa que tem perfil e autoridade pra falar sobre isso.”

“E os temas da Embratur são temas do passado, não houve esse tipo de situação”, afirmou na sequência.

[…]

Doria negou que sua fortuna tenha sido construída com ajuda do partido. “Se tivesse tido algum problema, não seria depois de nove meses de intensa campanha que isso teria surgido. Então não procede.”

E emendou: “Lamento também que o ex-ministro Ciro Gomes, com seu habitual destempero e seu tradicional desequilíbrio, queira fazer colocações desse tipo”.

Acabei de publicar um texto com a fala do vereador do Partido Novo, Felipe Camazzoto, afirmando que a típica postura tucana de fazer “oposição” pusilânime à extrema-esquerda, seus “primos radicais”, já era, é coisa do passado, e que os socialistas terão de se acostumar com isso.

João Doria mostra que estou certo, e que até no PSDB há ventos de mudança! É verdade que muitos dizem que Doria tem mais o perfil do Novo do que do PSDB, e o fato de ele receber tanto “fogo amigo” de seu próprio partido comprova isso. Os tucanos não toleram muito essa postura de “bateu, levou”, pois sua vocação é mesmo apanhar com elegância, oferecer a outra face e convidar para um chá das cinco aquele que pretende destruí-los, em nome da “diplomacia”.

Mas FHC já deu. Agora precisamos de uma nova postura, de quem tenha coragem de enfrentar com determinação esses safados que pretendem arruinar de vez com nossa democracia. Enquanto o ex-presidente nega até mesmo o que disse, alegando que chamou Lula e Ciro Gomes de “mau caráter” na hora do nervosismo, mas que após reflexão calma não pensa nada disso, Doria coloca o dedo na ferida e mostra como essa gente deve ser tratada.

É assim que se faz, Doria! Eu ainda acho que o prefeito de São Paulo pode adotar o novo apelido de Ciro que anda circulando por aí. Apresentei uma justificativa bem lógica para tanto em minha página do Facebook:

Apesar da pinta de coronel nordestino, acho que Ciro Gomes tem algo de italiano em sua origem. E, como todos sabem, em italiano o “c” muitas vezes tem som de “t”. Por exemplo: Cielo se fala “tielo”. Por conta disso, e apenas disso, resolvi que a partir de hoje só chamarei o candidato de extrema-esquerda de Tiro Gomes. Não há ligação alguma com o episódio em que o linguarudo destemperado afirmou que receberia o juiz Sergio Moro “na bala”, que fique bem claro.

Os fãs de Tiro Gomes (sim, há maluco para tudo nesse mundo) andam revoltados com meus ataques, e na falta de argumentos puxam o velho “debate” que travei com o homem há 9 anos. Fui “humilhado”, dizem, e nunca superei a vergonha (talvez por isso eu mesmo tenha postado o vídeo). É pura “dor de cotovelo”, portanto. Estão certos, claro! Meus ataques não têm absolutamente nada a ver com o fato de que um sujeito arrogante, despreparado, oportunista e destemperado pretende ser o próximo presidente do Brasil, para afundar de vez com o país, terminar o serviço começado por seus comparsas Lula e Dilma. Imagina só!

Estou aqui elogiando Doria e criticando Ciro por “revanche egoica”, pura vaidade. Quem me conhece sabe que sou mais vaidoso até do que aquele lá, que passou a defender o indefensável só para atacar a “direita xucra”…

Rodrigo Constantino

Um blog de um liberal sem medo de polêmica ou da patrulha da esquerda “politicamente correta”.



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terça-feira, 28 de março de 2017

CARTA DE CAYMMI PARA JORGE AMADO: (Para quem não lembra o que é uma carta)

Carta de Caymmi para Jorge Amado


“Jorge, meu irmão, são onze e trinta da manhã e terminei de compor uma linda canção para Yemanjá, pois o reflexo do sol desenha seu manto em nosso mar, aqui na Pedra da Sereia. Quantas canções compus para Janaína, nem eu mesmo sei, é minha mãe, dela nasci.

Talvez Stela saiba, ela sabe tudo, que mulher, duas iguais não existem, que foi que eu fiz de bom para merecê-la? Ela te manda um beijo, outro para Zélia e eu morro de saudade de vocês.

Quando vierem, me tragam um pano africano para eu fazer uma túnica e ficar irresistível.

Ontem saí com Carybé, fomos buscar Camafeu na Rampa do Mercado, andamos por aí trocando pernas, sentindo os cheiros, tantos, um perfume de vida ao sol, vendo as cores, só de azuis contamos mais de quinze e havia um ocre na parede de uma casa, nem te digo. Então ao voltar, pintei um quadro, tão bonito, irmão, de causar inveja a Graciano. De inveja, Carybé quase morreu e Jenner, imagine!, se fartou de elogiar, te juro. Um quadro simples: uma baiana, o tabuleiro com abarás e acarajés e gente em volta.

Se eu tivesse tempo, ia ser pintor, ganhava uma fortuna. O que me falta é tempo para pintar, compor vou compondo devagar e sempre, tu sabes como é, música com pressa é aquela droga que tem às pampas sobrando por aí. O tempo que tenho mal chega para viver: visitar Dona Menininha, saudar Xangô, conversar com Mirabeau, me aconselhar com Celestino sobre como investir o dinheiro que não tenho e nunca terei, graças a Deus, ouvir Carybé mentir, andar nas ruas, olhar o mar, não fazer nada e tantas outras obrigações que me ocupam o dia inteiro. Cadê tempo pra pintar?

Quero te dizer uma coisa que já te disse uma vez, há mais de vinte anos quando te deu de viver na Europa e nunca mais voltavas: a Bahia está viva, ainda lá, cada dia mais bonita, o firmamento azul, esse mar tão verde e o povaréu. Por falar nisso, Stela de Oxóssi é a nova iyalorixá do Axé e, na festa da consagração, ikedes e iaôs, todos na roça perguntavam onde anda Obá Arolu que não veio ver sua irmã subir ao trono de rainha?

Pois ontem, às quatro da tarde, um pouco mais ou menos, saí com Carybé e Camafeu a te procurar e não te encontrando, indagamos: que faz ele que não está aqui se aqui é seu lugar? A lua de Londres, já dizia um poeta lusitano que li numa antologia de meu tempo de menino, é merencória. A daqui é aquela lua. Por que foi ele para a Inglaterra? Não é inglês, nem nada, que faz em Londres? Um bom filho-da-puta é o que ele é, nosso irmãozinho.

Sabes que vendi a casa da Pedra da Sereia? Pois vendi. Fizeram um edifício medonho bem em cima dela e anunciaram nos jornais: venha ser vizinho de Dorival Caymmi. Então fiquei retado e vendi a casa, comprei um apartamento na Pituba, vou ser vizinho de James e de João Ubaldo, daquelas duas ‘línguas viperinas, veja que irresponsabilidade a minha.

Mas hoje, antes de me mudar, fiz essa canção para Yemanjá que fala em peixe e em vento, em saveiro e no mestre do saveiro, no mar da Bahia. Nunca soube falar de outras coisas. Dessas e de mulher. Dora, Marina, Adalgisa, Anália, Rosa morena, como vais morena Rosa, quantas outras e todas, como sabes, são a minha Stela com quem um dia me casei te tendo de padrinho.

A bênção, meu padrinho, Oxóssi te proteja nessas inglaterras, um beijo para Zélia, não esqueçam de trazer meu pano africano, volte logo, tua casa é aqui e eu sou teu irmão Caymmi”.




(Enviado do meu smartphone Samsung Galaxy).

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segunda-feira, 27 de março de 2017

ENTREVISTA COM HÉLIO PÓLVORA



Hélio Pólvora por Ramon Muniz

Nunca é tarde para o acolhimento de um contista de qualidade, como Hélio Pólvora, na coleção Melhores Contos, da Global, dirigida por Edla Van Steen. O gesto chega na fase de plenitude criadora deste autor baiano que, aos 83 anos, e com cerca de 30 livros publicados, abraça o romance, após dedicar a vida literária ao exercício do conto, sem dúvida a sua grande paixão, parece que agora sazonada de vez.

A partir da estréia, em 1958, com a coletânea Os galos da aurora, Hélio Pólvora aprofunda e alarga o seu conceito de conto literário: sua short story não é mera anedota, não se resume a peripécia ou mero incidente; é o conto artístico, porque a literatura é, para ele, arte aberta a investigações e aventuras. Pode parecer exagero, mas qualquer conto de Pólvora, ou quase todos, escolhido ao acaso dentre os 120 que escreveu, é um texto denso que preza o verossímil, ao mesmo tempo em que deflagra a sugestão e instiga o leitor a descobrir o que há na parte submersa do relato. Sim, porque o escritor que ele é dota o texto de significados vários, inclusive metalinguísticos. Também crítico literário, Pólvora sabe levar pontos de vista para o conto e, se para tanto precisa seguir a via da intertextualidade, assim o faz como quem revolve camadas com destreza, uma a uma, nas complexas dobras e escaninhos da arte e da vida.

Por seu muito saber do quanto viver é negócio perigoso, conforme anotou João Guimarães Rosa, o contista Hélio Pólvora não permite que se lhe escapem circunstâncias e vicissitudes eloquentes; garante ao leitor, se entusiasmado ou cúmplice, estupefato ou indignado, mais de uma leitura, segundo planos narrativos insinuados ou interpostos, e mais os protagonistas que narram e são narrados. Por vezes o seu leitor indagará quem narra, de fato, e em que tempo exato.

Os mais recentes títulos de Hélio Pólvora são romances: Inúteis luas obscenas Don Solidon, ambos editados pela Casarão do Verbo, respectivamente em 2010 e 2011, sendo que o primeiro título foi um dos finalistas do Prêmio São Paulo de Literatura. É de 2011 a edição de seus Melhores contos, seleção e estudo introdutório de André Seffrin. E mais: está no prelo, a sair em edição da Academia de Letras da Bahia — da qual é membro — uma antologia pessoal, ao modo de Borges, em dois volumes alentados que reúnem 70 histórias curtas — as preferências do ficcionista. Com tanto para comentar, o escritor aborda em entrevista todos esses eventos, a vida dedicada à literatura e a obra que vem construindo.

• A seleção de 15 contos para a antologia da Global, Melhores contos de Hélio Pólvora, feita por André Seffrin, leva o leitor a concluir que qualquer escolha representaria bem a sua contística, tal o patamar que as narrativas alcançam. É uma peculiaridade ou há o cuidado de publicar somente o que julga melhor, com vistas a um padrão uniforme de qualidade?
A emoção é má conselheira. Deixo o texto esfriar, sujeito a reprovação ou aprovação posterior, quase sempre com ressalvas. Há casos de revisões radicais. O ficcionista teria de ser exigente a partir da ferramenta da linguagem atrelada à expressão. Se esta for de fato pessoal, ele satisfará, assim, um compromisso de qualidade assinado em branco e sem prazo de vencimento. A escrita, como a urina, não deve sair em condições de sumário satisfatório ao primeiro jorro. Há que decantá-la. A metáfora talvez seja de mau gosto para os beletristas, mas é verdadeira. Em geral, eu reescrevo, no esforço de unir timbre e significado. Apurar o ponto de cozimento da escrita não significa necessariamente cortar, enxugar, como queria Hemingway. Às vezes é preciso acrescentar, conforme lições de Balzac, Henry James e Joseph Conrad. Entendo que retórica não é apenas adorno; também acentua as ênfases, tangencia o indizível.

• Ainda sobre a antologia: a seleção de André Seffrin me parece excelente. Nada a opor. Mas o ficcionista nem sempre concorda com as preferências. Teria sido o seu caso?
Antologias exprimem sempre um gosto pessoal. Portanto, são indiscutíveis, menos aquelas que caracterizam ação entre amigos. No caso de Seffrin, crítico e pesquisador aparelhado, sensibilidade de alta voltagem, ele há de ter partido de uma tese, de um esquema a priori. Escolheu alguns contos que se ajustavam e esqueceu outros porventura de igual nível ou superiores. Eu teria incluído, pelo menos, A caderneta e Pavana para uma menina quase defunta, da série de histórias anteriores a Estranhos e assustados, porque reproduzem situações de uma literatura tipo raw life — aquela que me agrada em cheio. Mas havia um limite para o número de páginas… Portanto, concordo cabalmente com a escolha de Seffrin.

• A propósito: circularam censuras à segunda edição, em 2002, dita, nas suas próprias palavras, como “versão definitiva”, de seu volume de estreia Os galos da aurora, de 1958. Houve quem falasse em livro novo…
E com razão. É que a minha concepção de conto mudou de lá para cá. O que eu entendia por incidente, instantâneo ou fatia de vida, envolvidos em palor poemático, expandiu-se e exigiu desdobramentos. Senti que o conto literário, por ser breve e estruturado em circuito fechado, à maneira do soneto, requeria tensão de corda esticada, densidade. E se submetia ao contágio das sujeiras da vida, se é que desejava refletir a vida em reverberações paralelas. Além disso, o conto-título, vencedor de concurso famoso, fora muito imitado. Decidi preservar-lhe a essência — e nesse lance prolonguei a descrição da noite de um menino que deseja amanhecer para a luz forte do dia. Os demais contos não tiveram a mesma sorte; deles restavam, a meu ver, resíduos que eram tições mornos, tive de soprar, entende? E soprarei enquanto pulmões tiver. De resto, os contos me pertencem, eu estou neles e devo saber o que mais lhes convém.

• Sua voz ficcional vigorosa, de corte realista, vem da experiência concreta da vida não apenas experimentada, mas fruto de muita reflexão. São sempre necessários para o escritor essa vivência e esse entendimento da tragicomédia humana, ora estarrecedora, ora sublime, como fornecedores do instrumental temático?
Sim. A vida fornece as histórias, contos e romances, seja diretamente, seja por via da sugestão. A vida é o manancial, a arca. Não inventamos; recriamos, reescrevemos. Ultimamente a vida tem sido de uma criatividade espantosa: seus enredos ultrapassam a ficção mais descabelada. O jogo Vida versus Ficcionismo atingiu uma escala atordoante. O que explica, provavelmente, essa atual crise de leitura no Brasil e no mundo inteiro, apesar das fornadas de livros. Será que o livro se transformou em objeto explícito de desejo e adorno? Para que a intermediação, o leitor pergunta, se a realidade se assemelha àquela ave de rapina de Kafka, que bica os nossos pés, sobe, entra pela goela e despedaça entranhas? E, no entanto, a vida pode ser bela, é um rolo de perplexidades sedutoras à análise. Resta-nos, então, a capacidade de resistir e alinhavar esperanças. Nunca os ficcionistas se viram tão acuados, pressionados, apostrofados. Perderam, pelo menos, aquela aura de heróis, aquele prestígio que os fazia competidores das divas do teatro e do cinema. Era assim, até os anos 30 ou 40 do século passado.

• Aos 83 anos de idade, o escritor Hélio Pólvora continua produzindo e trilhando uma nova vereda com a publicação recente de dois romances, Inúteis luas obscenas, em 2010, e Don Solidon, no ano passado. É a sua receita de resistência?
É a minha trincheira. Eu não saberia fazer outra coisa. Ler e escrever dá sentido à minha existência, existência, que, de outra forma, seria baça e vazia de significados. Uns ganham dinheiro, outros roubam, outros matam, há os que choram. Eu escrevo. Para quem, não sei ao certo. Para um leitor sem rosto. Para um interlocutor que procurei a vida toda — e estava dentro de mim, à espreita. Acho que escrevemos basicamente para nos encontrar, contradizer, condenar e executar, sentenciados e carrascos a um só tempo. Não há heroísmo nisso. Há desespero. E não adianta ninguém se fazer de vítima.

"A literatura, em especial a outrora chamada prosa de ficção, está em retirada. Não sei se ainda haverá tempo de nós, escritores, marcarmos encontro nas catacumbas, ao redor de fogueiras, e lermos nossos textos uns para os outros, enquanto devoramos nacos de carne crua."


 • A passagem do conto ou novela para o romance aconteceu de que modo? Houve preparação, amadurecimento, a necessária espera? O romance exige mais?
Não há mais romance. Não há mais conto. Ambos os gêneros se dessangraram, tomados pela afasia, corroídos pela anorexia que tirou do romance à feição de Tolstói aquele estridor, aquele timbre épico, e criou, além dos romancinhos, a fraude a que chamam miniconto. Eu me exaspero com essas bobagens, esses truques de mágico de aldeia. Não defendo o conto clássico, tradicional. Defendo o conto a meia distância, pelo menos, da facilidade do legível e dos tormentos do escriturável — o que implica técnicas de montagem e uso de meios de expressão sinalizadores de ruptura. Sem vanguardismos estéreis, porque a hora de espantar o burguês já passou; mas com a lucidez de quem pretende fincar um marco, mesmo ilusório. Ainda há espaços vazios na literatura de ficção. Ela está cheia de mansões, tal e qual a casa do Pai bíblico. Mas vejo agora que divaguei. Você me perguntou sobre a travessia da história curta para o romance, que quase sempre, entre nós, é um conto espichado, à falta de fôlego, ou porque há pressa. Em resenha ao meu primeiro livro, Adonias Filho, romancista e crítico literário, vaticinou que cedo eu chegaria ao romance. Creio que ele divisou algum material disfarçado sob forma de sugestão. Acontece que eu estava apaixonado pelo conto, suas reticências, seu confinamento, suas apoteoses. Eu era do conto, como certas pessoas são do mar e outras se agarram ao pó da terra. Nesse ínterim, tecia-se, entre uma descoberta e outra, aquela ponte invisível. E eis que, sem querer, embora tenha trilhado caminhos dissimulados, vejo-me autor de um romance, o Inúteis luas obscenas, tumultuado, perverso, lírico e provocador, onde se experimenta o apresamento do amor e tenta-se vencer barreiras na comunicação humana. Chega o instante em que o personagem, que é surdo ou meio surdo, deseja ter um amigo mudo e outro amigo cego. Assim se completariam. Basta. Não serei o crítico de mim mesmo. Tenho pudores iguais aos de Graciliano Ramos. Direi apenas que o romance seguinte, Don Solidon, é diferente, é um livro de formação, gira em torno da personalidade de um protagonista, plasmada ao longo da vida. Ou, quem sabe, o personagem principal é a literatura como fiandeira de achados e perdidos.

• O argentino Ricardo Piglia considera não haver diferença entre vida e literatura: “São a mesma coisa”. E vai além: “A literatura é o lugar onde as pessoas experimentam o que pode ser uma emoção verdadeira”. Qual o resultado, para a ficção, do quociente entre verdade e invenção?
Acho que já tocamos neste aspecto. A verdade… O que é a verdade? Interrogado a respeito por Pilatos, que desejou salvá-lo do martírio, Jesus Cristo calou-se. Talvez não soubesse. Talvez apenas intuísse a verdade. Ou pressentisse a inutilidade do esforço de buscar a verdade. Eu conheço vagamente a verdade da ficção. Ela equivale à verossimilhança de contingências, reações e emoções com que a vida, essa abstração solar, me dotou.

• Segundo o mesmo Piglia, “a literatura é uma prática de seitas e, portanto, seu valor deve ser resolvido entre os interessados, por aqueles que compõem uma espécie de sociedade secreta de indivíduos atados pelo mesmo interesse”. Observamos que tal sociedade parece cada vez menos numerosa e, talvez, a causa esteja no distanciamento da literatura em relação à cultura de massa. Enfim, a literatura converteu-se em algo cada vez mais artístico?
Receio que sim. A literatura, em especial a outrora chamada prosa de ficção, está em retirada. Não sei se ainda haverá tempo de nós, escritores, marcarmos encontro nas catacumbas, ao redor de fogueiras, e lermos nossos textos uns para os outros, enquanto devoramos nacos de carne crua.

• Sua bagagem de leituras seguramente influiu na formação do ficcionista. Afora os franceses dos folhetins na infância, afora a literatura americana dos anos 30 e 40 — destacando aqui William Faulkner, sua admiração confessa — e, ainda, afora Machado de Assis e Graciliano Ramos, quais os autores que parecem ser, em qualquer época de sua vida, os responsáveis pelo grande modelo da ficção?
É lendo que se aprende a escrever, se há vocação. Caso contrário, seria melhor ficar nas leituras, ou vender melancia nas feiras. Um escritor de raça pode deflagrar outro. Faulkner, por exemplo, inspirou vários, na América Latina e Europa. Foi o último grande ficcionista americano, conforme disse García Márquez. Perdão, eu fico também com Hemingway e Saul Bellow e Carson McCullers. Os russos do século 19, entre eles o Saltykov-Shchedrin de A família Golovliov, são gigantescos. Há alguns italianos, os franceses de Flaubert a Stendhal e Marcel Proust, os ingleses representados por Joseph Conrad e Thomas Hardy. Alguns alemães, como Von Kleist, Musil e Franz Kafka. Quem enveredar pelo conto não poderá esquivar-se aos fundadores ou fixadores e reformuladores do gênero: Edgar Poe, Maupassant, Tchekhov e certos discípulos. Por fim, mas não necessariamente por último, os brasileiros Alencar, de O guarani, Raul Pompéia, Euclides, três ou quatro títulos de Graciliano, o mesmo de José Lins do Rego, a saga O tempo e o vento, de Erico Verissimo. A prosa hispano-americana legou-nos Cem anos de solidão [García Márquez], Pedro Páramo [Juan Rulfo], Dom Segundo Sombra [Ricardo Güiraldes]. Atualmente, no Brasil, abrem caminho Luiz Antônio de Assis Brasil, o Milton Hatoum dos primeiros títulos, Ronaldo Correia Lima, Francisco J. C. Dantas, Cristovão Tezza, Ana Miranda, o Salim Miguel de Nur na escuridão, o Aramis Ribeiro Costa dos contos. E temos as obras consolidadas de Autran Dourado, Lygia Fagundes Telles e Dalton Trevisan. Machado de Assis está no pedestal, erguido única e exclusivamente por ele próprio, em vida. Essa gente mexeu comigo, anda comigo.

• Suas narrativas são ricas em técnicas, em cruzamentos de pontos de vista e jogos de tempo. John Irving disse que a espontaneidade muitas vezes é um fato matemático. Isto equivale a dizer que a técnica se impõe de forma sutil e pode chegar ao ponto de não ser visível?
Exatamente. A estrutura do conto literário é muito débil, como disse H. E. Bates. A do romance é um pouco mais forte, no entanto são ambos incapazes de sustentar o peso da teoria, tal e qual a vemos, sobranceira e imperialista, nos textos universitários. O armênio-americano William Saroyan entendeu que se devia atirar regras pela janela, ao escrever ficções. Não é bem assim. A técnica literária deve ser acolhida, absorbida e diluída na escrita, de modo a preservar a fluência do rio do romance e a queda livre das cataratas do conto.

"O ficcionista teria de ser exigente a partir da ferramenta da linguagem atrelada à expressão. Se esta for de fato pessoal, ele satisfará, assim, um compromisso de qualidade assinado em branco e sem prazo de vencimento."

  
• O escritor Orhan Pamuk, em O romancista ingênuo e o sentimental, afirma que alguns escritores são melhores quando se dirigem à nossa imaginação verbal, enquanto outros exercem mais força sobre a imaginação visual. Ele chama o primeiro tipo de “escritores verbais” e o segundo de “escritores visuais”. Isto porque, para Pamuk, ao lermos certos escritores ficamos mais envolvidos com as palavras, com o curso do diálogo, com os paradoxos ou pensamentos que o narrador está explorando; já outros nos impressionam com imagens indeléveis, visões, paisagens, objetos. Ele exemplifica: “Enquanto Tolstói está repleto de objetos sugestivos, sutilmente situados, os aposentos de Dostoiévski quase parecem vazios”. Não se pode situar os escritores exclusivamente de um lado ou de outro dessa classificação, reconhece Pamuk. Portanto, pergunto: as narrativas de Hélio Pólvora tendem mais para o escritor visual ou o verbal?
A classificação de Pamuk me parece mera anotação didática ou paradidática. A Casa da Literatura tem muitas mansões, e nestas cabem todas as supostas verdades — que são as verdades ditadas pelo temperamento e formação de cada escritor. Condena-se a retórica, privilegia-se o estilo seco, enxuto — e, no entanto, Faulkner é um escritor retórico, Conrad é um retórico. Retóricos são dois de seus seguidores, García Márquez e José Saramago. No ficcionismo francês contemporâneo houve um roman du regard. Fez algum furor, está esquecido. Era moda passageira. Quero com isso dizer que a literatura de criação está aberta a todas as expressões possíveis, sem posicionamentos radicais, sejam ideológicos ou estilísticos. Uma coisa, porém, é certa: deve-se evitar o supérfluo, o detalhe inútil. Se um escritor menciona e descreve móveis, estes terão de ser um prolongamento das circunstâncias do personagem. O mesmo vale para descrições da paisagem (e, por extensão, de cenários), que mudaria segundo o estado de espírito do protagonista. Esses recursos constituem uma espécie de moldura, o mais leve possível, já que o retrato é o que importa. Do outro lado, nada tenho contra os “aposentos vazios”. Há ficcionistas que, de tanto enfocar o mistério da personalidade, as refulgências e desertos do ser humano, criam figuras espectrais. São assim alguns personagens de Dostoiévski, especialmente mulheres que duvidamos sejam capazes de amar, enquanto Anna Karenina freme de amor e punição dos equívocos do amor. O mais correto seria reconhecer que o empenho verbal e o empenho visual andam juntos, e em dosagens diferentes. São indissociáveis. Tchekhov ensinou que, se uma espingarda for mencionada na parede, é preciso fazê-la disparar. Ou imaginar outro incidente a respeito. Poucos “ficcionistas” de hoje se preocupam em abrir espaços ao ficcionismo; ficam no exercício inócuo de palavras vazias, preferem atirar regras fundamentais pela janela e escrever textos anódinos. Ocorre, então, o nivelamento por baixo, com a conseqüente fuga do leitor.

• Sobre seus dois romances, Inúteis luas obscenas e Don Solidon, vem a calhar o que Samuel Beckett escreveu em Marlone morre: “Antes de mais nada, quero dizer que não perdôo ninguém. Desejo a todos uma vida atroz nos fogos do gélido inferno e nas gerações execráveis que hão de vir”. O sarcasmo presente em Don Solidon é sinônimo de uma postura implacável ao longo da revisão que se faz da vida — no caso, sendo um romance de formação, da vida revisitada pelo personagem João Pedro, que não cogita do perdão?
O narrador das peripécias e testemunhos de João Pedro, ora ele mesmo, ora a entidade invisível da terceira pessoa, decide sabatiná-lo. João Pedro é instigado, acuado, contra ele batem imprecações — e é no desespero que ele se revela. Quem passa por esses transes escolhe a ironia, apela para o sarcasmo. Quem afinal ri de si mesmo não pede perdão; salva-se.

• Há claramente três aberturas na obra de Hélio Pólvora: os textos ambientados na zona baiana do cacau, os locados em Salvador da sua juventude e os emoldurados no Rio de Janeiro. As circunstâncias próprias de cada ambiente determinaram e fermentaram sua obra ou, segundo a definição sartriana de liberdade, tendo o homem como autor e responsável pelos acontecimentos, a obra obedeceu exclusivamente ao livre arbítrio do seu criador?
Fui punido pelo contágio da tragicidade. A reserva de livre arbítrio é pequena para o descampado de circunstâncias tecidas sem o conhecimento pleno do indivíduo. As mouras misturam os fios de seus enredos e temos de nos desembaraçar. Como qualquer mortal, o escritor é produto do meio: origem, renda, formação intelectual. Alguns, poucos, trazem o roteiro da evasão. Outros permanecem na bastilha. E erguem outra bastilha dentro da enxovia, na tentativa de libertação.

• A inquietação é uma característica de todo o artista. A razão da inquietude estaria no desejo de construir outros universos porque a realidade não lhe é suficiente, ou porque o artista se julga capaz de mudar o mundo? Enfim, o escritor tem algum poder?
O escritor sabe-se vencido de antemão, inclusive pela linguagem incapaz de acompanhar-lhe o pensamento, por mais que ele a deforme ou apure. Isso explicaria a inquietação permanente. Mas convém atentar para os textos fraudulentos disfarçados ainda sob o rótulo de vanguarda.













Hélio Pólvora
Org.: André Seffrin
Global
287 págs.


GERANA DAMULAKIS
É escritora e crítica literária. Autora do livro de poesia Guardador de mitos e organizadora da Antologia panorâmica do conto baiano —século 20. Vive em Salvador (BA).


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