“Faça-se em mim segundo a tua palavra”… E o Filho de Deus se
fez homem. Também poucas palavras bastam para Jesus Cristo descer ao altar como
sacramento e vítima, e imolar-se por nós. Enquanto Deus tira do nada todas as
coisas, para fazer-se homem quis depender do consentimento da Virgem Maria:
— “Como se fará isto se não conheço varão?”
Disse-lhe o Anjo: — “A virtude do Altíssimo te cobrirá
com a sua sombra, portanto o santo que há nascer de ti será chamado Filho do
Altíssimo”. No consentimento da Santíssima Virgem, o Filho de Deus se
encerrou em seu ventre e “habitou entre nós, e vimos a sua glória, glória
como de unigênito do Pai, cheio de graça e de verdade”, (Jo 1, 14).
João descreve a geração eterna do Filho — que quer dizer
Verbo —, gerado antes de todas as coisas, proclamando a divindade de Nosso
Senhor Jesus Cristo que se torna homem. Com duas naturezas unidas numa só
pessoa, que é a pessoa do Verbo, Ele veio a este mundo sem deixar de ser Deus e
toma a forma de servo para remir a humanidade pecadora.
No Natal comemoramos o homem-Deus que se tornou criança,
singela, encantadora, cintilante de luz divina, pequeno para conduzir os
pequenos, e grande, imenso, para atear o fogo do divino amor nos corações dos
homens. Não há língua capaz de descrever a sublimidade da noite de Natal, que
se tornou noite de luz, noite em que Maria e José contemplaram o Menino-Deus
reclinado em um presépio.
Noite em que a Terra se liga ao Céu, a natureza toda se
reluz de uma alegria sem par, noite em que os Anjos cantam o mais belo hino ao
Deus-Menino que enche de luz os corações dos homens. Quem Vos fez nascer num
pobre estábulo, reclinado numa manjedoura? Vós que estais acima dos Céus, acima
dos astros e de todo o firmamento? Quem Vos arrancou do seio do Eterno Pai para
se reclinar numa gruta fria, sendo o Senhor do universo?
Entre os Serafins e Querubins, entre os esplendores e
belezas do Céu, Vós vos reclinais agora em um presépio? Para quê, Senhor? Vós
que num só movimento determinais as funções dos astros e de todo firmamento,
Vos reclinais, pobre e indefeso, diante de uma Mãe que Vos contempla? Vós que
concedeis alimento aos homens e aos animais, necessitais de um pouco de leite
para Vos manter sobre a Terra.
Por ora gemeis e chorais, ó pequena criança, mas o vosso
pranto é como uma melodia que se ergue da Terra ao Céu; precisando de amparo,
sobe às alturas como um incenso de suave odor, como uma oração sublime, pois
saída dos lábios divinos. Quem Vos contempla no presépio não deixa de se
enternecer diante de tão encantadora e divina presença.
Quem analisa o vosso olhar celeste que penetra no fundo das
almas e vê o recôndito dos corações, ajoelha-se em profunda adoração, percebe a
solução de todos os problemas! Vós sois o Senhor do universo, Aquele que existe
antes de todas as coisas, nada havendo de criado que não fosse feito por Vós,
dignai-Vos a nos contemplar nesta noite em que nascestes.
Vosso olhar, pleno de ternura e bondade, possui uma
movimentação de tal modo harmoniosa, que o universo não pode explicar sua
grandeza e melodia. Aquele que os Céus e a Terra não podem conter está
reclinado num presépio pobre e humilde.
Os Natais de outrora, meu Senhor Jesus, eram revestidos de
doçura e beleza sem par, mas eis que nos encontramos no Século XXI depois do
primeiro Natal, e tudo o que nos rodeia é tristeza e apreensão pelo que se
passa com a vossa Esposa santíssima, o vosso Corpo Místico, a Santa Igreja Católica
Apostólica Romana.
A cristandade foi envolta pelas trevas e erros, desilusões e
desamparos por parte daqueles que, em vez de ser o sal que salga, a luz que
ilumina e o fermento que fermenta, se transformaram em elemento de
autodemolição, de apodrecimento, de desunião. Há, contudo, uma esperança que
não morre, há uma certeza que não desmorona, há uma vida que não se desfaz,
pois o vosso presépio é um marco de certeza, de esperança, de vida, de virtude
que continua sob as cinzas.
O fogo de vosso amor é mais forte que a morte, a vossa vida
é mais invencível do que todos os infernos, porque Vós tendes palavras de vida
eterna, Vós sois o Rei do universo. Nessa perspectiva, ó Senhor, que ora
contemplamos na manjedoura — ali encontramos José e Maria, os pressurosos
pastores, e os reis cheios de esplendores e grandezas —, Vós vindes para
reinar. Reinai, Senhor Jesus, nos corações dos homens!
São súplicas que Vos dirigimos. O Natal para os homens é o
anúncio de uma grande nova, pois Cristo se fez carne por nós. O Anjo disse aos
pastores para não temerem, pois anunciava uma boa-nova que seria de grande
alegria para todo o povo. Disse ele, nasceu hoje um Salvador, que é o Cristo
Senhor. Eis o sinal:“Encontrareis o menino envolto em panos e deitado numa
manjedoura”. Ao mesmo tempo uma multidão da milícia celeste se uniu ao Anjo a
louvar a Deus: “Glória a Deus no mais alto dos céus e paz na terra aos homens
de boa vontade” (Lc II, 8 e sg.).
Envoltos nesta luz, comemoremos o Natal de Nosso Senhor
Jesus Cristo.
______________
*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria – Cardoso
Moreira (RJ)
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
Mateus.
— Glória a vós, Senhor.
A origem de Jesus Cristo foi assim: Maria, sua mãe, estava
prometida em casamento a José, e, antes de viverem juntos, ela ficou grávida
pela ação do Espírito Santo. José, seu marido, era justo e, não querendo
denunciá-la, resolveu abandonar Maria, em segredo. Enquanto José pensava
nisso, eis que o anjo do Senhor apareceu-lhe, em sonho, e lhe disse: “José,
Filho de Davi, não tenhas medo de receber Maria como tua esposa, porque ela
concebeu pela ação do Espírito Santo. Ela dará à luz um filho, e tu lhe
darás o nome de Jesus, pois ele vai salvar o seu povo dos seus pecados”.
Tudo isso aconteceu para se cumprir o que o Senhor havia
dito pelo profeta: “Eis que a virgem conceberá e dará à luz um filho. Ele
será chamado pelo nome de Emanuel, que significa: Deus está conosco”. Quando
acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia mandado e aceitou sua esposa.
“Quando acordou, José fez conforme o anjo do Senhor havia
mandado e aceitou sua esposa”
Estamos já no centro do mistério da Encarnação. Os relatos
“da infância de Jesus” (Mt e Lc), não são crônicas de acontecimentos, não são
“história” no sentido que hoje damos à palavra. São “teologia narrativa”.
O relato do evangelho deste domingo nos revela que Deus
dirige a história. Para isso se serve de pessoas eleitas. Cada vez que há um
acontecimento importante na história da salvação, ali aparece um homem ou uma
mulher como mediadores da obra de Deus ou transmissores de sua vontade.
O acontecimento mais importante da história da salvação é o
Nascimento do Filho de Deus. Para “fazer-se homem”, Deus precisava de uma
família. O nome de José está profundamente ligado ao mistério de Jesus. E se o
anjo é um sinal de que Deus se faz presente na vida de uma pessoa para
comunicar-lhe algum de seus desígnios, Deus mesmo se fez presente a José, por
meio de seu anjo. Segundo o evangelho de Mateus, José é a pessoa a quem
primeiro lhe é revelado o mistério que sua esposa guardava em seu ventre.
Quantas coisas acontecem envolvidas pela noite e pelo mistério!
Enquanto o agricultor dorme, na noite rompe-se a casca e cresce a semente
lançada na escura terra, acompanhada de renovadas expectativas e esperança.
Tudo começa na noite: na noite dos pensamentos, dos corações, das intenções,
das esperas, dos encontros. Eis o mistério, eis a noite! A noite, a nossa
noite, é habitada por Aquele que vem. Até na noite da desolação, na solidão, no
deserto, é possível encontrá-Lo.
Contemplando a noite de José, nosso coração se alarga até o
assombro, nossos braços se abrem para a acolhida, nossos olhos se aquecem ao
reconhecer Àquele que vem e na brisa pronuncia o nosso nome. Nas sombras da
vida Ele se faz encontrar, na solidão revela sua presença, na fragilidade
mostra seu rosto.
O mistério da Encarnação de Jesus, sem dúvida, significou
também “a paixão vivida por José, esposo de Maria”. Momentos de angústia, de
dúvida; momentos de obscuridade em seu coração; momentos de pura fé na palavra
de Deus.
José, assim como Maria, vai além da lógica e das condições
humanas; também ele termina se apresentando como “o servo do Senhor”, dizendo
em seu coração: “faça-se em mim segundo tua palavra”.
Como a Maria, Deus também diz a José: “Não tenhas medo de
receber Maria como tua esposa”. Há homens que são importantes não pelo que fazem,
mas pelo que são no coração. Há homens que são grandes não por suas grandes
ideias, mas por acolher a lógica de Deus, que quebra toda lógica humana. José
foi o homem humilde de um povoado como carpinteiro; mas José foi grande por ser
o “homem da fé”.
É preciso recuperar o sentido da surpresa, que é a atmosfera
própria do tempo do Advento; é preciso recordar que a visão bíblica da
história, dirige-se para uma meta surpreendente. Para isso, faz-se necessário
despertar novamente a capacidade de maravilhar-se.
José era um pobre noivo, pertencente a uma nação oprimida e
a uma categoria social esquecida, mas conservava límpidos os olhos do espírito,
prontos para perceber a maravilha que estava acontecendo na sua vida e na vida
de Maria. Nele, devemos recobrar o sentido da expectativa, da novidade, da
coragem.
Deus é encontrado, não na estrada suntuosa do domínio e do
triunfo, mas na estrada do desapego, da doação, do despojamento e da
fragilidade. Para entrar em sintonia com sua Vontade e deixar-se conduzir pelo
seu Anjo, não é preciso estar coberto de títulos honoríficos, nem envolto pelo
manto de obras realizadas; é preciso, isto sim, ser como José, sem títulos e
sem riquezas, mas justo e humano, como o seu Filho que “não veio para ser
servido, mas para servir, e para dar a sua vida”.
Como costuma acontecer com todas aquelas pessoas às quais
lhes são confiadas missões importantes, José é um homem discreto. Sua presença
é silenciosa. Na relação de José com Jesus, poderíamos aplicar a ele estas
palavras: “é preciso que ele (Jesus) cresça e que eu diminua” (Jo 3,30).
Não podemos entender a presença de José em função de si
mesmo, mas a serviço de Jesus e de seu mistério. Saber estar em função de outro
não é fácil, mas é um dos modos mais belos de amar. O silêncio de José não tem
nada de ingênuo. É o silêncio daquele que escuta atentamente para assim poder
servir melhor.
José, “homem justo”: para alguns o têrmo é sinônimo de
“delicadeza ou piedade”, para outros significa “respeito, reverência” em
relação ao mistério de Maria; para outros ainda, é um título jurídico, ou seja,
“obediente à lei”. Sabemos que o “Justo” por excelência é Deus, fiel à
Aliança e que, com constância, continua seu projeto salvífico, apesar das
rupturas provocadas pela infidelidade humana.
O “homem justo” é aquele que, como Abraão, na fé acolhe o
plano de Deus e com Ele colabora. José é “justo” porque adere ao misterioso
desígnio de Deus, é justo porque confia em Deus, arrisca com Deus, ainda que os
contornos do Seu Plano permaneçam obscuros e, em certos aspectos,
incompreensíveis.
José e “justo” porque se ajusta ao modo de agir
surpreendente de Deus. É “justo” porque se abre para o infinito, inspirando-se
em Deus mesmo, o Justo; à justiça exterior, farisaica, ele opõe a justiça da fé
e do coração. Portanto, o termo justo quer indicar a abertura e a adesão à ação
suprema de Deus.
Nesse sentido, José se coloca na linha das grandes figuras
da história da salvação. Sua vida é um exemplo de silenciosa dedicação ao
Reino.
Este José é hoje o homem do Advento, e nos alegramos que ele
tenha se mantido firme e mudado seus critérios para estar a serviço da Vida.
Também nós somos “josés”, neste domingo final de Advento. Também nós, algumas
vezes, nos encontramos em momentos de obscuridade, marcados por dúvidas e
crises, pensando em fugir, abandonar a missão. É normal que, ao adentrar-nos em
nosso próprio mistério, nos encontremos com nossos medos e preocupações, nossas
feridas e tristezas, nossa mediocridade e incoerência.
Mas Deus quer atuar em nós e através de nós; Ele sempre
conta conosco para uma nobre missão.
Não devemos nos inquietar, mas permanecer no silêncio. A
presença amistosa, que está no mais íntimo de nós, irá nos pacificando,
libertando e sanando. “Esta experiência do coração é a única com a qual se pode
compreender a mensagem de fé do Natal: Deus se fez homem” (Karl Rahner).
Este mistério último da vida é um mistério de bondade, de
perdão e salvação, que está em nós: dentro de todos e cada um de nós. Se o
acolhemos em silêncio, conheceremos a alegria do Natal.
Na vida, há muitos momentos nos quais só cabe o silêncio, em
vez do alvoroço, só cabe a serenidade, em vez da precipitação; cabe a nós
renunciar aos nossos próprios critérios e esperar que Deus fale.
Isso pede de nós confiança total, muitas vezes sem
compreender nem conhecer o “por quê e o como”; o decisivo é “deixar-nos fa-zer”
por Deus, deixar-nos conduzir por Aquele que, a partir do mais profundo de nós
mesmos, abre um horizonte de sentido e de surpresas. Aprendamos de José a abrir
nosso interior e deixar-nos surpreender por Deus.
Texto bíblico: Mt 1,18-24
Na oração: Durante a oração devemos nos deter
particularmente na figura de José. Ele teve seus pensamentos próprios, suas
preocupações e suas provações, suas perguntas dilacerantes e suas dúvidas
angustiantes.
Mas Deus nunca deixa de atuar no meio das nossas noites,
dúvidas, provações. Ele conhece nossos pensamentos e temores. E, no momento
certo, nos liberta dos nossos medos e nos dá a conhecer sua Vontade.
- Recordar momentos de dúvidas, incertezas, desolações...,
mas que lhe ajudaram a amadurecer na fé e na adesão ao projeto de Deus.