Houve um
comentário geral e depois o silêncio. João Borges tinha executado Henrique
Félix, penhorado e tomado a sua fazenda, alguns quilômetros acima de Itabuna.
Ninguém se
conformava com o silêncio e a resignação de Henrique Félix, um homem tão
barulhento e tão valente, que perdera a fazenda e nada fizera. Algumas pessoas
afirmavam que tomara medo da jagunçada de João Borges, outros que recebera
dinheiro, por fora, e muitos diziam que Henrique Félix estava preparando,
calmamente,a resposta e que esperassem
o que sucederia com João Borges.
Passaram-se
dias. João Borges foi morar na fazenda, com a família. Tranquilamente desfrutava
o clima maravilhoso da fazenda e apreciava a paisagem magnífica do local.
Tropas de
burros subiam e desciam pela estrada que, beirando o rio, passava na frente da
casa grande da fazenda. João Borges, homem ativo, gostava daquele movimento e
contemplava as nuvens de poeira que os burros levantavam no seu trote. Aquela estrada
era a principal de Itabuna, ligava o seu centro comercial ao seu centro
produtor, até o sertão. Era um trecho da velha estrada que Felisberto Gomes
Caldeira havia mandado abrir para a ligação do mar, em Ilhéus, ao sertão de
Minas.
Longe do seu espírito estava a ideia
de um ataque de surpresa. Amigos que conheciam Henrique Félix, afirmavam a João
Borges, que ele estava conformado, nem mais havia tocado no assunto da fazenda.
Numa madrugada,
porém, mal o galo acabara de cantar e o dia de clarear, alguém bateu forte na
porta da frente da casa grande. Bateu a primeira e a segunda vez. João Borges
perguntou quem era e, de fora, responderam que era de paz, que podia abrir a
porta sem susto.
Entre confiante
e inquieto, confiante na mansidão da voz, inquieto, pensando no inimigo, João
Borges abriu a porta da casa grande. Um susto tremendo o estremeceu, dos pés à
cabeça. Henrique Félix, em pessoa, acompanhado da jagunçada foi entrando casa adentro
e atirando.
Um pânico
estabeleceu-se, com mulheres gritando, em ataques, chorando, inclusive visitas,
que estavam passando dias na fazenda.
Henrique Félix
foi peremptório e decisivo. Retirassem-se todos, menos João Borges, que tinha
contas a ajustar com ele, naquela madrugada.
Gritos,
apelos, lágrimas não comoveram o atacante. Retirassem-se, todos, imediatamente.
Num canto da sala, meio encolhido, acobardado, acabrunhado, impotente, sem
ação, pálido, com os olhos desmesuradamente abertos e cabelos vermelhos
arrepiados, João Borges acompanhava todos os movimentos daquela cena trágica e
inesperada, naquela madrugada que indicava ser a última da sua vida.
Depois que
Henrique Félix tangeu de casa, as mulheres de camisolas, com cabelos desgrenhados,
mortas de medo, fulminadas pela aspereza daquele ataque selvagem, comandado por
um bruto, sem noção de coisa alguma, virou-se para um dos seus “capangas” e
ordenou: - Fuzile este homem.
O capanga,
imediatamente, manobrou a repetição e a apontou, contra João Borges.
Já João
Borges estava ajoelhado, no chão, pedindo, implorando, pelo amor de Deus, que
não o matasse, não cometesse aquele ato. Ele entregaria a fazenda, não queria
mais aquela fazenda, renunciaria a tudo, perderia o dinheiro. Deixassem-no, com
a vida, somente com a vida. As lágrimas caíam, o corpo tremia todo, o pavor se
estampava na sua face dura de homem duro, conquistador das selvas.
Henrique Félix
riu-se, com aquele seu riso, acanhada o cínico. O “capanga” esperava, somente,
a ordem de fazer fogo, de apertar o gatilho. Henrique Félix suspendeu a ordem
de fuzilamento. João Borges foi expulso da casa grande e de cabeça baixa,
desceu estrada abaixo para Itabuna.
No dia
imediato, o assalto da fazenda, era o assunto forçado das rodas, nas ruas de
Itabuna. Na porta da farmácia do Tourinho, a rodinha fazia os comentários. E Tourinho,
com aquele espírito que o dominava dizia: esse Henrique Félix é um artista. Levou
a melhor.Naturalmente conseguiu o que
desejava do seu credor e desta ou daquela forma ganhou na embrulhada. Também, concluiu,
a lição foi boa. Esses usurários, que emprestam dinheiro para ficar com as
fazendas alheias, merecem isto mesmo; deveria é ter morrido até.
Caro leitor, qual seria a sua reação se encontrasse em um
dos cotidianos de maior tiragem do Brasil, ou, melhor ainda, na recente Campanha
da Fraternidade lançada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil
(CNBB), este título: Valores Morais, a solução para a criminalidade e para as
drogas!
Valores Morais? Infelizmente, a defesa desses valores
não se encontra na Campanha da CNBB.
Mas vem da área
civil, um primeiro lampejo de onde procurar a solução do Brasil contemporâneo.
“El País”, conhecido diário madrilenho, reproduz em sua
edição-Brasil, de 27 de fevereiro último, esta frase de Raul Jungmann: “[…]
pela frouxidão dos costumes, pela ausência de valores, pela ausência de
capacidade hoje de entender os limites entre o que é lícito e ilícito passam a
consumir drogas”.
Não é objetivo neste artigo entrar em questões meramente
politico-partidárias. Faz parte de nossa meta o retorno aos valores morais,
alicerce de toda sociedade, sobretudo da Civilização Cristã.
Foi-se o tempo da Revolução da Sorbonne (1968) com a sua
golfada de orgulho e sensualidade: “É proibido proibir”. São 50 anos desde
que nossos pais foram deformados pela quebra dos valores morais.
Felizmente, talvez suscitado pela própria Providência
Divina, começa a levantar-se no Brasil uma reação sadia — embora não
inteiramente explicitada por falta de líderes que a interpretem —, como o
demonstraram bem as manifestações gigantescas na capital paulista, no Rio e em
incontáveis cidades brasileiras. Sim, nossas manifestações gigantescas não
foram apenas para o impeachment de Dilma Rousseff. Os cartazes, as
faixas, os slogans clamavam por uma Reconstrução do Brasil [foto ao lado].
Nessa geração que agora acorda e vai tomando força por sua
afirmatividade nas Redes Sociais (falo das redes sadias tão odiadas pelo PT e
pela mídia de esquerda) está a solução do Brasil.
Solução, sim, se soubermos
pautar a nossa conduta pelos eternos e sempre novos valores morais.
O que são e como alimentar os valores morais nessa geração?
Isso fica para outra ocasião.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo
João.
— Glória a vós, Senhor!
Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a
Jerusalém. No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e
os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e
expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e
derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: “Tirai
isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”
Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura
diz: “O zelo por tua casa me consumirá”.
Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras
para agir assim?”
Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias eu o
levantarei”.
Os judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos
para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?”
Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. Quando
Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e
acreditaram na Escritura e na palavra dele.
Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo
os sinais que realizava, muitos creram no seu nome. Mas Jesus não lhes
dava crédito, pois ele conhecia a todos; e não precisava do testemunho de
ninguém acerca do ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro.
Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Frei Alvaci
Mendes da Luz, OFM:
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Religião sem templos?
“Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo…”
(Jo 2,15)
A Quaresma nos oferece os grandes sinais da vida e da
mensagem de Jesus: das tentações (1º. dom.) e transfiguração (2º. dom.) à
expulsão dos comerciantes do Templo (3º. dom.). Este terceiro sinal, vinculado
com a construção do novo Templo (formado pela vida dos cristãos, unida à vida
de Cristo), está no centro da mensagem de Jesus. E revela-se uma ocasião
privilegiada para denunciar a tendência da religião cristã em distanciar-se da
mensagem de Jesus e deixar-se contaminar pelo poder, pela riqueza, pela
vaidade... Todos devemos nos empenhar em destruir muitas coisas do “velho
templo” que fomos construindo ao longo da história.
João, à diferença dos outros evangelistas, situa o relato da
expulsão dos comerciantes do Templo no começo do ministério de Jesus. O espaço
do Templo tinha se convertido em mercado, e se encontrava dominado pelos
comerciantes da religião, vendedores e sacerdotes. Com sua atitude, Jesus
combate uma religião que está a serviço do “deus-dinheiro”, deixando de ser
mediação de vida, de comunhão e partilha dos bens. Evidentemente, este não é o
templo de Jesus, que veio chamar e convocar aqueles que não podem comprar
“bois-ovelhas-pombas”. Jesus expulsou os mercadores-vendedores do templo porque
estes expulsaram Deus de suas vidas e da realidade cotidiana; queriam ter Deus
sob seu controle para se enriquecer com o sagrado.
Por que este gesto violento de Jesus para com aqueles que
dominavam o templo e manipulavam Deus em favor de seus interesses? Porque, para
eles, o primeiro e o intocável era “o ritual” e “o sagrado” (com todas as suas
consequências). Enquanto que, para Jesus, o primeiro e o intocável, era “o
humano” (a vida humana, o respeito ao humano, a dignidade de todos os seres
humanos por igual). Jesus se situou do lado da vida e da felicidade dos seres
humanos. De fato, as preocupações de Jesus não foram nunca nem as observâncias
rituais do templo, nem a inviolabilidade do sagrado, nem a dignidade dos
sacerdotes, nem os poderes da religião... As preocupações de Jesus foram: a
saúde das pessoas (relatos de curas), a mesa da partilha e da inclusão (relatos
de refeições), a reconstrução das relações entre os humanos (o sermão da
Montanha).
Jesus foi um profeta leigo; não foi sacerdote, nem
funcionário da religião, nem mestre da lei, nem nada parecido. Mais ainda,
Jesus viveu e falou de tal maneira que logo entrou em conflito com os
dirigentes da religião de seu tempo, os sacerdotes e os funcionários do Templo,
que eram os representantes oficiais do “religioso” e do “sagrado”.
Se há algo que é claro e é repetido tantas vezes nos
Evangelhos é que os “homens da religião” não suportaram o Evangelho de Jesus,
centrado na vida e não no Templo. E não o suportaram porque eles
viram, em Jesus, um perigo e uma ameaça aos seus privilégios. Enquanto o
projeto deles era defender e manter o Templo com seus ritos e normas, com suas
dignidades e privilégios, com seus poderes sobre o povo, o projeto de Jesus
centrava-se na cura dos enfermos, na proximidade junto aos mais pobres, aos
pequenos, aos pecadores e a todo tipo de pessoas desprezadas e rejeitadas pelos
dirigentes religiosos. Tudo isto é o que Jesus privilegiou, inclusive
transgredindo as normas da religião, enfrentando os escribas, fariseus, os
sacerdotes e atuando com violência contra aqueles que utilizavam o templo como
negócio, até convertê-lo em “casa de comércio”. O Compassivo não quer sangue,
nem incenso, nem ritos...; quer compaixão, ternura, quer justiça, quer que
todos vivam e vivam intensamente.
Sabemos que em toda religião o determinante está no sagrado.
No projeto de Jesus, o centro de tudo está no humano, na dignidade e na
felicidade das pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o sagrado, mas o deslocou
do religioso ao humano. Este é o verdadeiramente sagrado para Jesus. Seu
projeto não é projeto “religioso”, mas a vida humana; o central na sua vida não
foi o religioso, mas o humano e a humanidade.
Por isso, Jesus prescindiu do Templo para relacionar-se com
Deus. Ele se encontrava com o Pai não no espaço sagrado do Templo, nem no tempo
sagrado do culto religioso, mas no espaço cotidiano do encontro com as pessoas.
Seu Templo era a convivência com as pessoas, sobretudo as mais excluídas.
Jesus foi um piedoso israelita que teve uma forte
experiência de Deus, a quem chamava Pai e que fomentava a oração não no templo,
mas no monte, nos lugares solitários e silenciosos. Sua “religiosidade” não
estava vinculada ao templo nem aos rituais sagrados.
Frente ao projeto que chamava “Reinado de Deus”, Jesus foi
questionando uma religião que desumanizava as pessoas. Ele mesmo foi
relativizando os pilares da religião: o sábado, a “pureza” legal, o pecado,
o Templo, o culto, os sacrifícios, as doutrinas... Pouco a pouco, foi
colocando tudo em questão, infringindo suas normas e atacando a hipocrisia de
um culto a Deus que desprezava as pessoas.
Para aqueles que veem em Jesus o novo Templo onde habita
Deus, tudo é diferente. Quem deseja viver a fundo e encontrar-se com Deus (“os
verdadeiros adoradores do Pai), não é preciso ir a um templo ou outro,
frequentar uma religião ou outra. É necessário aproximar-se de Jesus, entrar em
seu projeto, seguir seus passos, viver sob o impulso do seu Espírito.
Neste Novo Templo, que é Jesus, para adorar a Deus não
bastam o incenso, as aclamações nem as liturgias solenes. Os verdadeiros
adoradores são aqueles que vivem diante de Deus “em espírito e em verdade”. A
verdadeira adoração consiste em viver com o “Espírito” de Jesus e na “Verdade”
do Evangelho. Sem isto, o culto é “adoração vazia”.
Nós dizemos que a religião é um meio (mediação) para nos
relacionar com Deus. Mas nem sempre caímos na conta que a religião com seus rituais
(templos, ritos, o sagrado, os sacerdotes, a normativa religiosa...) ocupam
tanto espaço e alcançam tanta importância na experiência dos indivíduos e da
sociedade que Deus acaba ficando deslocado da vida e desfigurado em sua imagem
de Pai/Mãe de misericórdia. O que acontece, com muita frequência, é que a
religião, seus ritos, suas hierarquias e suas normas, em lugar de fazer-nos
aproximar de Deus e fazer-nos pessoas melhores, na realidade fazem é complicar
nossa relação com Deus e, sobretudo, dificultam nossas relações sociais,
religiosas ou simplesmente humanas.
No Reino de Deus não se requer “templos” mas corpos vivos.
Estes são os santuários de Deus, onde brilha Sua presença e Seu amor, onde as
pessoas vivem dignamente. Jesus não veio para continuar a linha religiosa
tradicional. Veio para propor uma humanidade restaurada a partir do princípio
da centralidade da vida das pessoas que vivem com dignidade. Sobre esta base é
possível sonhar e construir outra maneira de viver e outra maneira de ser.
Neste Novo Templo, que é a vida dos(as) seguidores(as) de
Jesus, não se faz discriminação alguma, nem se fomenta a desigualdade, a
submissão e o medo. Não há espaços diferentes para homens e mulheres. Em Cristo
já “ não há varão e mulher”. Não há raças eleitas nem povos excluídos. Os
únicos preferidos são os necessitados de amor e de vida.
Necessitamos, sim, de igrejas e templos para celebrar e
fazer memória de Jesus como Senhor, mas Ele é nosso verdadeiro Templo. Os
templos físicos não podem ser fronteiras que dividem o sagrado do profano, mas
espaços onde vivemos a sacralidade de toda a vida.
Texto bíblico: Jo. 2,13-25
Na oração: As portas do “novo Templo”, que é Jesus,
estão abertas para todos; ninguém está excluído.
Podem entrar nele os pecadores, os impuros, os excluídos, os
marginalizados da religião...
O Deus que habita em Jesus é de todos e para todos.
Somos também o “novo templo”, morada do Espírito, presença
que alarga nosso interior para que todos possam ali ter acesso.
- Quem são os “frequentadores” do seu “templo
interior”?