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domingo, 4 de março de 2018

ATAQUE A UMA FAZENDA - Carlos Pereira Filho


Ataque a uma fazenda


            Houve um comentário geral e depois o silêncio. João Borges tinha executado Henrique Félix, penhorado e tomado a sua fazenda, alguns quilômetros acima de Itabuna.

            Ninguém se conformava com o silêncio e a resignação de Henrique Félix, um homem tão barulhento e tão valente, que perdera a fazenda e nada fizera. Algumas pessoas afirmavam que tomara medo da jagunçada de João Borges, outros que recebera dinheiro, por fora, e muitos diziam que Henrique Félix estava preparando, calmamente,  a resposta e que esperassem o que sucederia com João Borges.

            Passaram-se dias. João Borges foi morar na fazenda, com a família. Tranquilamente desfrutava o clima maravilhoso da fazenda e apreciava a paisagem magnífica do local.

            Tropas de burros subiam e desciam pela estrada que, beirando o rio, passava na frente da casa grande da fazenda. João Borges, homem ativo, gostava daquele movimento e contemplava as nuvens de poeira que os burros levantavam no seu trote. Aquela estrada era a principal de Itabuna, ligava o seu centro comercial ao seu centro produtor, até o sertão. Era um trecho da velha estrada que Felisberto Gomes Caldeira havia mandado abrir para a ligação do mar, em Ilhéus, ao sertão de Minas.

            Longe do seu espírito estava a ideia de um ataque de surpresa. Amigos que conheciam Henrique Félix, afirmavam a João Borges, que ele estava conformado, nem mais havia tocado no assunto da fazenda.

            Numa madrugada, porém, mal o galo acabara de cantar e o dia de clarear, alguém bateu forte na porta da frente da casa grande. Bateu a primeira e a segunda vez. João Borges perguntou quem era e, de fora, responderam que era de paz, que podia abrir a porta sem susto.

            Entre confiante e inquieto, confiante na mansidão da voz, inquieto, pensando no inimigo, João Borges abriu a porta da casa grande. Um susto tremendo o estremeceu, dos pés à cabeça. Henrique Félix, em pessoa, acompanhado da jagunçada foi entrando casa adentro e atirando.

            Um pânico estabeleceu-se, com mulheres gritando, em ataques, chorando, inclusive visitas, que estavam passando dias na fazenda.

            Henrique Félix foi peremptório e decisivo. Retirassem-se todos, menos João Borges, que tinha contas a ajustar com ele, naquela madrugada.

            Gritos, apelos, lágrimas não comoveram o atacante. Retirassem-se, todos, imediatamente. Num canto da sala, meio encolhido, acobardado, acabrunhado, impotente, sem ação, pálido, com os olhos desmesuradamente abertos e cabelos vermelhos arrepiados, João Borges acompanhava todos os movimentos daquela cena trágica e inesperada, naquela madrugada que indicava ser a última da sua vida.

            Depois que Henrique Félix tangeu de casa, as mulheres de camisolas, com cabelos desgrenhados, mortas de medo, fulminadas pela aspereza daquele ataque selvagem, comandado por um bruto, sem noção de coisa alguma, virou-se para um dos seus “capangas” e ordenou: - Fuzile este homem.

            O capanga, imediatamente, manobrou a repetição e a apontou, contra João Borges.

            Já João Borges estava ajoelhado, no chão, pedindo, implorando, pelo amor de Deus, que não o matasse, não cometesse aquele ato. Ele entregaria a fazenda, não queria mais aquela fazenda, renunciaria a tudo, perderia o dinheiro. Deixassem-no, com a vida, somente com a vida. As lágrimas caíam, o corpo tremia todo, o pavor se estampava na sua face dura de homem duro, conquistador das selvas.

            Henrique Félix riu-se, com aquele seu riso, acanhada o cínico. O “capanga” esperava, somente, a ordem de fazer fogo, de apertar o gatilho. Henrique Félix suspendeu a ordem de fuzilamento. João Borges foi expulso da casa grande e de cabeça baixa, desceu estrada abaixo para Itabuna.

            No dia imediato, o assalto da fazenda, era o assunto forçado das rodas, nas ruas de Itabuna. Na porta da farmácia do Tourinho, a rodinha fazia os comentários. E Tourinho, com aquele espírito que o dominava dizia: esse Henrique Félix é um artista. Levou a melhor.  Naturalmente conseguiu o que desejava do seu credor e desta ou daquela forma ganhou na embrulhada. Também, concluiu, a lição foi boa. Esses usurários, que emprestam dinheiro para ficar com as fazendas alheias, merecem isto mesmo; deveria é ter morrido até.

(TERRAS DE ITABUNA, Cap. XVIII)
Carlos Pereira Filho.

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À MARGEM DA INTERVENÇÃO NO RIO: CRIMINALIDADE, DROGAS E VALORES MORAIS


4 de Março de 2018 
  

Marcos Costa

Caro leitor, qual seria a sua reação se encontrasse em um dos cotidianos de maior tiragem do Brasil, ou, melhor ainda, na recente Campanha da Fraternidade lançada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), este título: Valores Morais, a solução para a criminalidade e para as drogas!

Valores Morais? Infelizmente, a defesa desses valores não se encontra na Campanha da CNBB.
 Mas vem da área civil, um primeiro lampejo de onde procurar a solução do Brasil contemporâneo.

“El País”, conhecido diário madrilenho, reproduz em sua edição-Brasil, de 27 de fevereiro último, esta frase de Raul Jungmann: “[…] pela frouxidão dos costumes, pela ausência de valores, pela ausência de capacidade hoje de entender os limites entre o que é lícito e ilícito passam a consumir drogas”.

Não é objetivo neste artigo entrar em questões meramente politico-partidárias. Faz parte de nossa meta o retorno aos valores morais, alicerce de toda sociedade, sobretudo da Civilização Cristã.

Foi-se o tempo da Revolução da Sorbonne (1968) com a sua golfada de orgulho e sensualidade: “É proibido proibir”. São 50 anos desde que nossos pais foram deformados pela quebra dos valores morais.

Felizmente, talvez suscitado pela própria Providência Divina, começa a levantar-se no Brasil uma reação sadia — embora não inteiramente explicitada por falta de líderes que a interpretem —, como o demonstraram bem as manifestações gigantescas na capital paulista, no Rio e em incontáveis cidades brasileiras. Sim, nossas manifestações gigantescas não foram apenas para o impeachment de Dilma Rousseff. Os cartazes, as faixas, os slogans clamavam por uma Reconstrução do Brasil [foto ao lado].

Nessa geração que agora acorda e vai tomando força por sua afirmatividade nas Redes Sociais (falo das redes sadias tão odiadas pelo PT e pela mídia de esquerda) está a solução do Brasil.
Solução, sim, se soubermos pautar a nossa conduta pelos eternos e sempre novos valores morais.

O que são e como alimentar os valores morais nessa geração? Isso fica para outra ocasião.



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PALAVRA DA SALVAÇÃO (68)

3º Domingo da Quaresma – 04/03/2018

Anúncio do Evangelho (Jo 2,13-25)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós!
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.
— Glória a vós, Senhor!

Estava próxima a Páscoa dos judeus e Jesus subiu a Jerusalém. No Templo, encontrou os vendedores de bois, ovelhas e pombas e os cambistas que estavam aí sentados. Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo, junto com as ovelhas e os bois; espalhou as moedas e derrubou as mesas dos cambistas. E disse aos que vendiam pombas: “Tirai isso daqui! Não façais da casa de meu Pai uma casa de comércio!”
Seus discípulos lembraram-se, mais tarde, que a Escritura diz: “O zelo por tua casa me consumirá”.
Então os judeus perguntaram a Jesus: “Que sinal nos mostras para agir assim?”
Ele respondeu: “Destruí este Templo, e em três dias eu o levantarei”.
Os judeus disseram: “Quarenta e seis anos foram precisos para a construção deste santuário e tu o levantarás em três dias?”
Mas Jesus estava falando do Templo do seu corpo. Quando Jesus ressuscitou, os discípulos lembraram-se do que ele tinha dito e acreditaram na Escritura e na palavra dele.
Jesus estava em Jerusalém durante a festa da Páscoa. Vendo os sinais que realizava, muitos creram no seu nome. Mas Jesus não lhes dava crédito, pois ele conhecia a todos; e não precisava do testemunho de ninguém acerca do ser humano, porque ele conhecia o homem por dentro.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Frei Alvaci Mendes da Luz, OFM:

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Religião sem templos?

“Fez então um chicote de cordas e expulsou todos do Templo…” (Jo 2,15) 

A Quaresma nos oferece os grandes sinais da vida e da mensagem de Jesus: das tentações (1º. dom.) e transfiguração (2º. dom.) à expulsão dos comerciantes do Templo (3º. dom.). Este terceiro sinal, vinculado com a construção do novo Templo (formado pela vida dos cristãos, unida à vida de Cristo), está no centro da mensagem de Jesus. E revela-se uma ocasião privilegiada para denunciar a tendência da religião cristã em distanciar-se da mensagem de Jesus e deixar-se contaminar pelo poder, pela riqueza, pela vaidade... Todos devemos nos empenhar em destruir muitas coisas do “velho templo” que fomos construindo ao longo da história. 

João, à diferença dos outros evangelistas, situa o relato da expulsão dos comerciantes do Templo no começo do ministério de Jesus. O espaço do Templo tinha se convertido em mercado, e se encontrava dominado pelos comerciantes da religião, vendedores e sacerdotes. Com sua atitude, Jesus combate uma religião que está a serviço do “deus-dinheiro”, deixando de ser mediação de vida, de comunhão e partilha dos bens. Evidentemente, este não é o templo de Jesus, que veio chamar e convocar aqueles que não podem comprar “bois-ovelhas-pombas”. Jesus expulsou os mercadores-vendedores do templo porque estes expulsaram Deus de suas vidas e da realidade cotidiana; queriam ter Deus sob seu controle para se enriquecer com o sagrado. 

Por que este gesto violento de Jesus para com aqueles que dominavam o templo e manipulavam Deus em favor de seus interesses? Porque, para eles, o primeiro e o intocável era “o ritual” e “o sagrado” (com todas as suas consequências). Enquanto que, para Jesus, o primeiro e o intocável, era “o humano” (a vida humana, o respeito ao humano, a dignidade de todos os seres humanos por igual). Jesus se situou do lado da vida e da felicidade dos seres humanos. De fato, as preocupações de Jesus não foram nunca nem as observâncias rituais do templo, nem a inviolabilidade do sagrado, nem a dignidade dos sacerdotes, nem os poderes da religião... As preocupações de Jesus foram: a saúde das pessoas (relatos de curas), a mesa da partilha e da inclusão (relatos de refeições), a reconstrução das relações entre os humanos (o sermão da Montanha). 

Jesus foi um profeta leigo; não foi sacerdote, nem funcionário da religião, nem mestre da lei, nem nada parecido. Mais ainda, Jesus viveu e falou de tal maneira que logo entrou em conflito com os dirigentes da religião de seu tempo, os sacerdotes e os funcionários do Templo, que eram os representantes oficiais do “religioso” e do “sagrado”. 

Se há algo que é claro e é repetido tantas vezes nos Evangelhos é que os “homens da religião” não suportaram o Evangelho de Jesus, centrado na vida e não no Templo. E não o suportaram porque eles   viram, em Jesus, um perigo e uma ameaça aos seus privilégios. Enquanto o projeto deles era defender e manter o Templo com seus ritos e normas, com suas dignidades e privilégios, com seus poderes sobre o povo, o projeto de Jesus centrava-se na cura dos enfermos, na proximidade junto aos mais pobres, aos pequenos, aos pecadores e a todo tipo de pessoas desprezadas e rejeitadas pelos dirigentes religiosos. Tudo isto é o que Jesus privilegiou, inclusive transgredindo as normas da religião, enfrentando os escribas, fariseus, os sacerdotes e atuando com violência contra aqueles que utilizavam o templo como negócio, até convertê-lo em “casa de comércio”. O Compassivo não quer sangue, nem incenso, nem ritos...; quer compaixão, ternura, quer justiça, quer que todos vivam e vivam intensamente. 

Sabemos que em toda religião o determinante está no sagrado. No projeto de Jesus, o centro de tudo está no humano, na dignidade e na felicidade das pessoas, na vida. Jesus não suprimiu o sagrado, mas o deslocou do religioso ao humano. Este é o verdadeiramente sagrado para Jesus. Seu projeto não é projeto “religioso”, mas a vida humana; o central na sua vida não foi o religioso, mas o humano e a humanidade. 

Por isso, Jesus prescindiu do Templo para relacionar-se com Deus. Ele se encontrava com o Pai não no espaço sagrado do Templo, nem no tempo sagrado do culto religioso, mas no espaço cotidiano do encontro com as pessoas. Seu Templo era a convivência com as pessoas, sobretudo as mais excluídas. 

Jesus foi um piedoso israelita que teve uma forte experiência de Deus, a quem chamava Pai e que fomentava a oração não no templo, mas no monte, nos lugares solitários e silenciosos. Sua “religiosidade” não estava vinculada ao templo nem aos rituais sagrados. 

Frente ao projeto que chamava “Reinado de Deus”, Jesus foi questionando uma religião que desumanizava as pessoas. Ele mesmo foi relativizando os pilares da religião: o sábado, a “pureza” legal, o pecado, o Templo, o culto, os sacrifícios, as doutrinas... Pouco a pouco, foi colocando tudo em questão, infringindo suas normas e atacando a hipocrisia de um culto a Deus que desprezava as pessoas. 

Para aqueles que veem em Jesus o novo Templo onde habita Deus, tudo é diferente. Quem deseja viver a fundo e encontrar-se com Deus (“os verdadeiros adoradores do Pai), não é preciso ir a um templo ou outro, frequentar uma religião ou outra. É necessário aproximar-se de Jesus, entrar em seu projeto, seguir seus passos, viver sob o impulso do seu Espírito. 

Neste Novo Templo, que é Jesus, para adorar a Deus não bastam o incenso, as aclamações nem as liturgias solenes. Os verdadeiros adoradores são aqueles que vivem diante de Deus “em espírito e em verdade”. A verdadeira adoração consiste em viver com o “Espírito” de Jesus e na “Verdade” do Evangelho. Sem isto, o culto é “adoração vazia”. 

Nós dizemos que a religião é um meio (mediação) para nos relacionar com Deus. Mas nem sempre caímos na conta que a religião com seus rituais (templos, ritos, o sagrado, os sacerdotes, a normativa religiosa...) ocupam tanto espaço e alcançam tanta importância na experiência dos indivíduos e da sociedade que Deus acaba ficando deslocado da vida e desfigurado em sua imagem de Pai/Mãe de misericórdia. O que acontece, com muita frequência, é que a religião, seus ritos, suas hierarquias e suas normas, em lugar de fazer-nos aproximar de Deus e fazer-nos pessoas melhores, na realidade fazem é complicar nossa relação com Deus e, sobretudo, dificultam nossas relações sociais, religiosas ou simplesmente humanas. 

No Reino de Deus não se requer “templos” mas corpos vivos. Estes são os santuários de Deus, onde brilha Sua presença e Seu amor, onde as pessoas vivem dignamente. Jesus não veio para continuar a linha religiosa tradicional. Veio para propor uma humanidade restaurada a partir do princípio da centralidade da vida das pessoas que vivem com dignidade. Sobre esta base é possível sonhar e construir outra maneira de viver e outra maneira de ser. 

Neste Novo Templo, que é a vida dos(as) seguidores(as) de Jesus, não se faz discriminação alguma, nem se fomenta a desigualdade, a submissão e o medo. Não há espaços diferentes para homens e mulheres. Em Cristo já “ não há varão e mulher”. Não há raças eleitas nem povos excluídos. Os únicos preferidos são os necessitados de amor e de vida.

Necessitamos, sim, de igrejas e templos para celebrar e fazer memória de Jesus como Senhor, mas Ele é nosso verdadeiro Templo. Os templos físicos não podem ser fronteiras que dividem o sagrado do profano, mas espaços onde vivemos a sacralidade de toda a vida. 

Texto bíblico:  Jo. 2,13-25    

Na oração:  As portas do “novo Templo”, que é Jesus, estão abertas para todos; ninguém está excluído.
Podem entrar nele os pecadores, os impuros, os excluídos, os marginalizados da religião...
O Deus que habita em Jesus é de todos e para todos.
Somos também o “novo templo”, morada do Espírito, presença que alarga nosso interior para que todos possam ali ter acesso.
- Quem são os “frequentadores” do seu “templo interior”? 

Pe. Adroaldo Palaoro sj
http://centroloyola.org.br/revista/outras-palavras/espiritualidade/1220-religiao-sem-templos

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