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quinta-feira, 16 de abril de 2020

HISTÓRIA DE LAURA PALMER – Cyro de Mattos


História de Laura Palmer
Por Cyro de Mattos

              
           Ela nunca soubera o tempo de escutar a própria voz e se sentir em disponibilidade de si mesma. Pouco a pouco, uma realidade foi sendo constatada em seus ângulos desconhecidos. Respirava entre pessoas que se encontravam para manter um ritmo sem qualquer atrativo humano especial, apenas para alimentar certo rótulo social e econômico, exibido com enorme satisfação como um trunfo que poucos na vida conseguem. Perfis da vitória nos seus acentos circunflexos, gestos redondos que se intumesciam de prazer, na mesa a prata castiça, iguarias e bebidas raras. Os dias desfilavam sob o peso de uma mentira constante. Por acaso existirá no mundo algo mais triste do que a solidão em família com as palavras encobrindo verdades e ferindo como faca? Ela tinha tudo em suas mãos, mas o sonho de viver livre era um passo que parecia impossível de ser dado. Um pássaro que não voava, com o seu canto prisioneiro guardado numa gaiola de ouro era mesmo uma coisa sem sentido. E o dissabor da realidade desse pássaro artificial atingiu o ponto máximo quando ela percebeu que os filhos não precisavam mais dela, e o marido, o banqueiro mais famoso da cidade, fechado no mundo dos negócios, era uma pedra que se lançara para o fundo de um poço.

            Um grito então aconteceu. Como algo especial que se aqueceu em segredo e apareceu na paisagem para se propagar com os dias plenos de ardor. Laura Palmer, senhora de alta sociedade, mãe de três filhos, todos casados, em romance com Clarindo Mali, compositor negro, cantor do bloco Olodum, que neste ano vai apresentar durante o carnaval o tema “Dogons, o povo das estrelas”, e mostrará como se deu a criação, a origem da vida, do nosso planeta e do universo. O bloco irá mostrar no desfile dessa temporada a importância do respeito às águas, o amor às estrelas, de onde viemos e para onde vamos voltar um dia. Milionária divorciada grava o seu primeiro CD e entra com surpreendente sucesso no mundo apaixonante da música popular. E fofocas e comentários e disse me disse. Ela assim conheceu que aquele grito deveria ter sido dado muito antes. Aos dezessete anos talvez. Na plena força da idade quando o coração pulsa com o fulgor maravilhoso de um sol, a irradiar luz por todos os recantos. É bom caminhar assim e sorrir e chorar. Esta a vida do ar, do amar e do sonhar, pensou.

          Na medida em que se via penetrada das cores da realidade nova, ela se sentia levada por ondas que iam deixando para trás cenas de uma alma saturada de coisas insignificantes. Havia circulado naquele tempo habitado por rostos sem brilho, beijos sem afeto, dedos sem entrelaço. Que droga, aquela havia sido a sua estrada? Quanta insinceridade, meu Deus, as pessoas haviam colocado nisso tudo, nessa estrada horrível, a essa altura comprida. Pessoas de seu círculo formaram logo opiniões. Quiseram tomar detalhes, reincidiram nas visitas, mostraram-se inconformadas com aquela mudança súbita. No fundo mesmo ficaram revoltadas com a altivez acentuada que surgiu dos traços harmoniosos de seu rosto. Alguns parentes, não conseguindo ferir os encobertos objetivos, utilizaram-se das armas do desprezo, coação e censura.

         A propósito, há poucos dias sua mãe fez a seguinte observação: Depois de velha, você entendeu de ser artista... E ela, agora eu sou livre, l-i-v-r-e. E seu ex-marido, o banqueiro Carlos, deixou um pouco de lado o mundo dos sucessos econômicos e resolveu também interferir. É essa a maneira de você retribuir aos filhos o amor que eles sempre dedicaram a você? E ela: Na minha maneira de ser nada mudou para eles, apenas agora eu estou vivendo. E os filhos por sua vez disseram que não acreditavam no que estava sendo publicado nas colunas sociais dos jornais e revistas. Esses comentários chocam muito. E ela, não vendo qualquer motivo que justificasse esconder a verdade, procurou deixá-los a par de tudo.  Vocês não devem sofrer por isso, gostaria de dizer a vocês o inverso do que eu ouvi dos meus pais, o oposto de tudo o que eu aprendi com eles. Concluindo: Sinto-me na vida. E mil coisas agradáveis, marcantes, ela passou a conhecer.

         Aconteceu ela cruzar inúmeros caminhos, descobrir-se com uma infinidade de pessoas, cuja beleza consistia em fazer da vida uma realidade simples, espontânea, habitada nos seus movimentos cotidianos à vontade por ondas de calor e brilho forte.. E recentemente lhe tocou uma emoção grande quando aquele rosto tão jovem aproximou-se dela e perguntou qual seria o título do seu livro de memórias e ela, irradiando serenidade e alegria, sem hesitar um minuto sequer, respondeu: Viver.
                                    

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Cyro de Mattos - Ficcionista e poeta. Publicado em inglês, francês, italiano, espanhol, alemão, dinamarquês, russo. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. É membro titular da Academia de Letras da Bahia e da Academia de Letras de Ilhéus. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz-UESC.

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BIOS CONTRA MAMON - Marcos Luiz Garcia


16 de abril de 2020


Marcos Luiz Garcia

O coronavírus está mudando a fisionomia do mundo. Mais precisamente, as medidas preventivas estão mudando completamente a situação mundial. Será razoável? Será proporcional?

As autoridades divergem em suas avaliações. Só uma coisa é sólida: o empobrecimento acentuado dos países.

Antigamente, o zelo do clero e a fé dos fiéis se traduziam em tais ocasiões em cerimônias nas quais orações acompanhadas de ardentes e ininterruptos pedidos de misericórdia subiam ao Céu até obter de Deus a cessação da epidemia, da catástrofe, da guerra.

Hoje, não. As igrejas estão fechadas, inclusive não ocorreram as cerimônias de Semana Santa com os fiéis. Por quê?

Porque não se acredita mais que dessas celebrações se obtêm os grandes auxílios sobrenaturais. Até fontes de milagres como Lourdes foram fechadas!

Acompanhe-me, por favor, no seguinte raciocínio.

Após as transformações operadas pelo Concílio Vaticano II acentuou-se no mundo moderno a ideia de que o mais importante na vida é ter saúde e dinheiro.

Mesmo dentro das igrejas, o maior empenho era pela vida, simplesmente, não pela vida humana que é espiritual, mas pela vida humana no que ela tem de “animal”. “Somos pela vida” era o que mais se ouvia.

Além disso, a sociedade em geral sobrevalorizou a um grau extremo a ideia de que, além da saúde, o importante era ganhar dinheiro e, consequentemente, de que as pessoas, com ou sem vocação, deveriam cobiçar um diploma universitário, em detrimento de outras profissões dignas e indispensáveis à sociedade.

Dr. Plinio Corrêa de Oliveira disse inúmeras vezes que a sociedade estava ficando de tal maneira paganizada, que Deus já não lhe dizia quase nada. Mas que a saúde e o dinheiro diziam tudo. Esse duplo interesse ele o comparou aos dois deuses da mitologia pagã: Bios (o deus da vida, da saúde) e Mamon (o deus do dinheiro).

Esses falsos deuses imperaram até há pouco.

O Sínodo da Amazônia, conforme afirmado por Dom Claudio Hummes, estava preparando uma Igreja com nova fisionomia, não só para a Amazônia, mas para o mundo inteiro. Seria a igreja dos pobres, ela mesma pobre e miserável.

Eis palavras de Dom Hummes na catacumba de Santa Domitila, por ocasião de uma renovação do Pacto das Catacumbas, realizado durante o Sínodo da Amazônia: “Todas as grandes maldades do mundo são por causa do dinheiro; é a corrupção, é o roubo, guerras, conflitos, são mentiras. Tudo para juntar dinheiro, para ganhar dinheiro às custas de qualquer coisa. O dinheiro é o grande inimigo de Jesus, pois você não pode servir a Deus e ao dinheiro.”

Estranha coincidência o fato de todas as medidas preventivas globais contra o Covid-19 serem de molde a empobrecer sensivelmente os povos não comunistas…

Mas como fazer para que uma população mundial ávida de dinheiro e de prazer se resigne a abrir mão de seu dinheiro, dinheirão ou dinheirinho?

A estratégia foi jogar o deus Bios contra o deus Mamon, ou seja, a saúde contra o dinheiro, pois viver é ainda mais forte do que possuir. É preferível empobrecer a morrer.

Se este raciocínio for verdadeiro, não estranharia que as esquerdas tentassem de tudo para aproveitar essa tragédia para empurrar a população mundial rumo a uma pobreza cubana, venezuelana ou chinesa.

Verdade ou não, o certo é que aos olhos dos devotos de Nossa Senhora de Fátima se trata do descumprimento total dos desejos manifestados por Ela em sua Mensagem, ou seja, que os homens fizessem penitência e se convertessem de seus pecados. O que estamos vendo é a degringolada moral pasmosa que atingiu toda a humanidade.

Hoje estamos com todas as igrejas fechadas, inclusive a própria basílica de São Pedro, no Vaticano, fechadas. O clero católico se curvou diante de Bios e mostrou que sua fé é fraca, se é que ainda existe. Porque outrora seus membros iam para junto dos enfermos para atendê-los e confortá-los na hora extrema. E muitos morriam por se exporem heroicamente à contaminação pelo bem das almas.

Como não poderia deixar de ser, Nosso Senhor Jesus Cristo está suscitando clérigos heroicos, com fé ardente e inabalável, capazes de não se vergarem diante de Bios nem de Mamon, nem do Covid-19, mas de cumprir heroicamente sua missão de preencher os tronos do Céu com almas santas.

Embora minoritários, crescem a cada dia. Rezemos a Nossa Senhora de Fátima por eles. E peçamos acima de tudo a Ela que não permita a extinção da Santa Missa e dos demais sacramentos da única Igreja verdadeira e faça vir o quanto antes o triunfo do seu Imaculado Coração.


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