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segunda-feira, 15 de abril de 2019

POEMAS DA PAIXÃO (II)

Poemas da Paixão (II)
Cyro de Mattos


 Este Cristo


É maior que o mundo
este andor feito na dor
dos grandes rumores.
É maior que o mundo
esta luz feita na cruz
dos grandes tremores.
É maior que o mundo
este amor feito no ardor
dos grandes clamores.
Ó peso da terra
cuspe, chicotada, crivo.
E das chagas flores.


Cyro de Mattos escreve crônica, conto, poesia, ensaio e literatura infantojuvenil. Tem no prelo da Editus, editora da UESC, Nada Era Melhor, romance da infância, Pequenos Corações, contos, e O Discurso do Rio, poesia.


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PONTO FORA DA CURVA – Péricles Capanema


15 de abril de 2019
Péricles Capanema

Virou coringa a expressão “ponto fora da curva”, tem sido empregada nas mais diferentes acepções. Umas lisonjeiras; outras, nem tanto, envolvem censura, às vezes até carregam nota depreciativa. Vou usá-la como censura. Boi do couro grosso, de há muito acostumado a bordoadas, mesmo as mais inesperadas, posso bem levar mais umas hoje. Paciência. Segue a vida.

Vem da curva de Gauss (1777-1855), parece, sua origem. É uma fórmula matemática utilizada na Estatística, que se exprime, graficamente, à maneira de um sino. A imensa maioria dos eventos analisados estatisticamente cai dentro do sino. Um ou outro fica fora da curva. É o dito ponto fora da curva. Por analogia, aplica-se aos que se destacam, estão além do universo considerado. Daí “fulano é ponto fora da curva em seu meio”. Sicrano, pelo contrário, desceu muito, ficou “ponto fora da curva entre seus amigos de infância”. E assim por diante. Multiplicam-se ao infinito as aplicações analógicas da expressão com raiz na Estatística.

Vou falar do decreto 9.758 de 11 de abril de 2019, triste ponto fora da curva — bagatela para os superficiais, golpe sério para quem enxerga fundo. O diploma legal obriga os membros do Poder Executivo a um só tratamento: senhor (claro, senhora, senhores, senhoras). Por óbvio, exclui da esdrúxula imposição o Legislativo, o Judiciário, comunicações com autoridades estrangeiras e outras exceções.

Vossa Excelência não pode mais, agora é só senhor. Vossa Magnificência, excluído, basta o senhor. Vossa Senhoria, rifado. Doutor, o simples e familiar doutor, banido, onde já se viu chamar alguém de doutor em comunicação oficial? Já está muito bom o senhor, para que mais? Ilustre, fora. Digno, expulso. Respeitável, idem. O tratamento nivelador vale para todos, presidente, vice-presidente, ministros, reitores, poupa ninguém. Majestade e alteza já haviam sido enxotadas faz mais de século. Ficou mais simples, é bom, ruminam alguns. Caminhemos devagar, escapando das armadilhas simplificadoras; nessa uniformizante e igualitária toada, acabaríamos despencando logo nos buracos do cumpanhero e do camarada para todo mundo. Camarada presidente.

Entro por atalho, um exemplo conhecido vai cortar caminho. À vera, até envolto na legenda, tantas as versões sobre os diálogos, ainda que no cerne concordantes. O protagonista é Talleyrand (1754-1838), o “príncipe dos diplomatas”, causeur, brilhante presença de espírito, inteligência superior. À mesa, em ambiente fidalgo, tratava os assuntos da França e da Europa com rapidez, objetividade, leveza; eficácia. Sob as formas refinadas, um auge de senso prático. Em jantares de convívio ameno, depois de cortar a carne, um de seus recursos, com senso da medida honrava a cada conviva ao regalar um pedaço. Com o pitéu, ia junto nas palavras, no tom e no gesto certos o reconhecimento das superioridades devidas à idade, à condição social e ao mérito. Postura sempre simples e natural; nunca postiça ou enfatuada. A um eclesiástico destacado ou um príncipe: “Monseigneur, me daria a grande honra de aceitar um pedaço?” A um duque: “Poderia ter a alegria de lhe oferecer este pedaço?”. A um marquês: “Me daria a alegria de aceitar este?” E assim ia, até o mais simples dos convivas.

Ambiente de século XIX, restos do Ancien Régime, Paris, outros hábitos, sei bem. Resta uma constatação, sem gosto e cultivo do senso do matizes, sem apreço às variadas fulgurações do espírito, inexiste civilização. O esplendor das formas constituía ali expressão refinada da “unidade na variedade” — a palavra universo vem daí. Busco em Isaac Newton: “A variedade na unidade é a lei suprema do universo”. Variedades harmônicas. Não agridamos inconsideradamente a variedade. Em resumo, o grande espetáculo de cultura do salão de jantar de Talleyrand anos a fio, repetida com variações sem-número de vezes, animou conversas, perenizou-se nas páginas das memórias do tempo, foi degustada em biografias célebres. Chegou viva até nós com seu fulgor de alta civilização. Formou personalidades.

Ao longo dos séculos admirações e imitações sensatas foram nutridas por cenas como a acima descrita em duas pobres pinceladas. Pedagógicas, alimentam o impulso da perfeição pessoal (e social), assim como um exemplo de um santo nutre o desejo da ação virtuosa. E aqui repito: precisamos buscar a simplicidade, mas fugir dos simplismos e simplificações. É raro uma solução niveladora não padecer pelo menos de simplismo; com frequência, empobrece o convívio; e, em decorrência incoercível, a própria personalidade.

Amplio. Valores do Brasil antigo levavam naturalmente a distinguir pessoas e situações com apenas um gesto, uma palavra rápida. Faziam parte do ambiente cultural que encantou muita gente de relevo que viveu por aqui. Sempre me impressionou o comentário de Fernand Braudel, dos maiores historiadores do século XX: “Foi no Brasil que me tornei inteligente. O espetáculo que tive diante dos olhos era um tal espetáculo de história, um tal espetáculo de gentileza social que eu compreendi a vida de outra maneira. Os mais belos anos de minha vida, eu passei no Brasil”.

O que ele viu, espetáculo de gentileza social — de convívio — que fez entender a vida de forma diversa. Para Braudel, o fundamental em um historiador era conservar o coração da criança (maravilhar-se), surpreender-se com os fatos. E olhar o passado como uma criança percebe as primeiras imagens. Entre 1935 e 1937, floriu no Brasil o coração de criança do historiador, aperfeiçoou antenas.

Corta. Vamos ser realistas, o Brasil já não está conseguindo fazer inteligentes os homens potencialmente muito inteligentes. Porque está morrendo a nossa forma própria de enxergar a realidade, sufocados os ambientes familiares, onde ela florescia. Corremos risco iminente de já não termos o olhar que nos distinguia.

E aqui volto ao decreto 9.758 de 11 de abril. Esse malencontreux texto, para ser benévolo, é ponto fora da curva, pois vem de um governo que já editou muitas medidas saneadoras — teve muita coisa dentro da curva. Nivelador, simplificador, aproxima-nos de autômatos. Vira as costas para o Brasil que cultivava matrizes de juízo e conduta, apreciava diversidades, harmonizava-as, sabia estimular umas a fortalecer as outras. E com isso criava condições para convívio enriquecedor de personalidades.

No mesmo pacote do decreto 9.758 veio o revogaço. Sugestão: incluam o 9.758 no revogaço.


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PRINCÍPIO DO VÁCUO – Conceição Trucon




Você tem o hábito de juntar objetos inúteis no momento, acreditando que um dia (nem sabe quando) poderá precisar deles? Você tem o hábito de juntar dinheiro só para não o gastar, pois no futuro poderá fazer falta? Você tem o hábito de guardar roupas, sapatos, móveis, utensílios domésticos e outros tipos de equipamentos que já não usa há um bom tempo?

 E dentro de você? Você tem o hábito de guardar mágoas, ressentimentos, raivas e medos? Não faça isso. É anti-prosperidade. É preciso criar um espaço, um vazio, para que as coisas novas cheguem em sua vida. É preciso eliminar o que é inútil em você e na sua vida, para que a prosperidade venha. É a força desse vazio que absorverá e atrairá tudo o que você almeja. Enquanto você estiver material ou emocionalmente carregado de coisas velhas e inúteis, não haverá espaço aberto para novas oportunidades.

 Os bens precisam circular. Limpe as gavetas, os guarda-roupas, o quartinho lá do fundo, a garagem. Dê o que você não usa mais. Venda, troque, movimente e não acumule. Dê espaço para o novo. (Não estamos falando do capitalismo / consumismo). A atitude de guardar um monte de coisas inúteis amarra sua vida. Não são os objetos guardados que emperram sua vida, mas o significado da atitude de guardar. Quando se guarda, considera-se a possibilidade da falta, da carência. É acreditar que amanhã poderá faltar, e você não terá meios de prover suas necessidades.

 Com essa postura, você está enviando mensagens para o seu cérebro e para a vida: Você não confia no amanhã! Você acredita que o novo e o melhor não são para você, já que se contenta em guardar coisas velhas e inúteis. O princípio de não acreditar que o melhor é para você, pode se manifestar, por exemplo, na conservação de um velho e inútil liquidificador. Esse princípio, expresso num objeto, denota um comportamento que pode também estar presente em outras áreas da sua vida, gerando entraves ao sucesso e à prosperidade. O simples fato de dar para alguém o velho liquidificador, colocando o objeto em circulação, cria um vácuo para que algo melhor ocupe o espaço deixado. Emocionalmente, também.

 Você passa a acreditar que o novo compensará o objeto doado. Gente, uma faxina básica, apesar da trabalheira e do cansaço que provoca, ao final é sempre bem-vinda. Arejar espaços, fora e dentro da gente faz um bem enorme! Vamos lá ... Mãos à obra! Desfaça-se do que perdeu a cor e o brilho e deixe entrar o novo em sua casa e dentro de você!



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