Auditório passou por varredura da polícia. Debate na
programação paralela nesta sexta tratou da expansão da leitura em novos meios e
público jovem.
Por Luís Filipe Pereira, G1, Paraty
28/07/2017
Anderson França participa por videoconferência de mesa na
programação paralela na Flip 2017; ele recebeu ameaça de morte e cancelou sua
vinda (Foto: Luís Filipe Pereira/G1)
Misturando analógico e digital, a mesa "Literatura em
todas as plataformas" foi realizada nesta sexta-feira (28), em programação
paralela à Festa Literária Internacional de Paraty (Flip).
Presencialmente, participaram Cássio Aguiar, criador da
TRENDR no Medium e a escritora Chris Salles, mas as atenções do público que
compareceu ao auditório da Casa da Cultura estavam voltadas ao escritor e
empreendedor social Anderson França, o Dinho, que participou por
videoconferência. Ele cancelou sua vinda à Paraty após receber ameaça de morte.
O risco à segurança preocupou a organização da Flip. Fontes
ouvidas pelo G1 disseram que o auditório da Casa da Cultura passou
por uma varredura feita por policiais e equipes de segurança privada.
A assessoria do evento não confirmou a medida, informando
que não poderia dar detalhes sobre as medidas tomadas. No hall de entrada do
prédio, além dos seguranças contratados, havia dois policiais militares.
Em nota divulgada nesta quinta-feira (27) pela assessoria do
evento e pela Globo, que promovem em parceria os debates na Casa de Cultura de
Paraty, foi informado que “a presença está confirmada através da entrada, ao
vivo, por videoconferência".
“A decisão foi tomada em comum acordo com o escritor a fim
de garantir a sua participação e o diálogo com o público presente", dizia
o texto (leia a íntegra abaixo).
O debate
"Antes da internet, quem propagava o discurso de ódio
precisava usar um capuz. A internet dá esse capuz nos dias de hoje, é o
IP", afirmou França durante o debate, mediado pelo jornalista do G1 Cauê
Fabiano.
"Os odiadores também fizeram um upgrade no seu modo de
agir e eu me questiono se o próprio Lima Barreto se estivesse vivo, estaria na
Flip, pelos temas que defendia, como o discurso da pluralidade e diversidade.
Não me preocupo se as pessoas se preocupam com a minha vida ou com a morte.
Porque eu vou passar e os temas a serem debatidos vão ficar."
O autor de "Triste fim de Policarpo Quaresma" é o
homenageado da Flip 2017.
O encontro tratou da expansão da leitura em novos meios e o
envolvimento com o público jovem, oferecendo exemplos de outros formatos de
literatura.
No entanto, a conexão esteve instável em alguns momentos,
prejudicando algumas falas de Anderson, que começou respondendo um
questionamento sobre o "fetiche" da juventude pelos livros fisicos, o
que traria certa resistência aos meios digitais.
"Antes de entrar nessa questão, é preciso esclarecer
que boa parte da juventude brasileira não teve acesso ao fetiche pelo livro
porque ainda é pobre e sofre com a violência nas cidades. No mês de maio, a
integralidade das escolas municipais só funcionou por seis dias", disse.
"O jovem está na escola e pode ser alvejado e há uma
questão econômica a ser resolvida. Sem isso não dá para ter acesso a
livro." Foi aplaudido.
Analógico e digital
A integração entre analógico e digital permeou boa parte da
conversa. "A literatura traz esse canal democratizador. Ela é uma só e aí
vem os formatos. Com as redes sociais, chega um novo processo, um novo modelo
que está em constante construção. A grande questão é produzir e ser
relevante", afirmou Cássio.
Chris Salles lembrou a influência do público e das redes
sociais na construção do seu trabalho como autora e o desenvolvimento de um
novo modelo de criação, capaz de cativar o leitor de uma maneira incomum.
"Conforme vão comentando, você tem percepção daquilo
que escreveu. Com isso, a gente vê novas formas dar fluência àquela história,
mas isso não significa que o leitor é o grande ditador. Isso é feito em caráter
colaborativo e no geral tenta seguir uma linha, a partir do que o público está
sentindo".
No encerramento da mesa, o jornalista Edney Silvestre foi
chamado ao palco, depois de ser citado por Anderson.
Ameaças estão sendo investigadas
A Delegacia de Repressão a Crimes de Informática (DRCI) está
investigando ofensas e ameaças recebidas por Anderson França. Ele afirma que
recebeu e-mail e ameaças de perfis falsos em redes sociais.
Em uma das mensagens, uma pessoa não identificada dizia que
pagaria R$ 30 mil para que Anderson fosse morto na Festa Literária
Internacional de Paraty. França registrou o caso na DRCI durante esta semana.
Post no Facebook
Em 19 de julho, Anderson havia publicado em seu perfil no
Facebook a imagem de anúncio anônimo com ofensas racistas em que eram
oferecidos R$ 15 mil a quem assassinasse o escritor.
No post, França escreveu: "Gente, tô divulgando aí,
mandando um jobs, caso alguém precise. 15 conto pra me matar na Flip. Acho
digno. Sei de gente que faria isso de graça".
Em sua página, ele tem tem mais de 100 mil seguidores, que
acompanham suas crônicas e textos sobre o cotidiano do Rio e o combate ao
racismo.
Leia a nota sobre o cancelamento da vinda de Anderson
França:
Atendendo a uma orientação da Flip, a Globo redefiniu a
participação do escritor Anderson França na mesa "Literatura em todas as
plataformas", realizada em parceria pelas duas instituições e prevista na
programação da FlipZona. A sua presença está confirmada através da entrada, ao
vivo, por videoconferência. A decisão foi tomada em comum acordo com o escritor
a fim de garantir a sua participação e o diálogo com o público presente.
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