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sábado, 1 de junho de 2019

ITABUNA CENTENÁRIA UM POEMA: Outra lira – José Elói Otoni


Outra lira

Meu instrumento a Verdade,
Será o Eterno meu canto.
Voarei à Divindade,
Unge meus lábios, Senhor!

A lira, que à flor dos anos
Consagrei, cantando objetos
Tão fúteis como indiscretos,
Hoje é só vestígio e danos,
Encontra só desenganos
Quem busca em trevas amor;
Mas eu pressinto o calor
De nova luz que me inspira;
Agora dá-me outra lira!
Unge meus lábios, Senhor!

Manda a luz que aponta a lei,
Dá-me o tom que o plectro afaga,
Os caracteres apaga
Que eu por delírio gravei.
Também quantos entoei
Hinos de amor ou vaidade:
Segundo a luz da verdade,
Que brilha de quando em quando,
Ao pó da terra escapando,
Voarei à Divindade.

Heróis, fortuna, grandeza
Que o tempo leva e consome,
Graças que morrem sem nome,
Atrativos da beleza,
Tudo é pó, tudo é fraqueza,
É tudo miséria e pranto,
Ou desdobre a noite o manto,
Ou desponte a luz do dia,
Desenvolvendo a harmonia,
Será o eterno meu canto.

Do que a terra e os céus me’inspiram,
Os pregoeiros são estes,
Todos os corpos celestes,
Que em curvas órbitas giram,
Que inúmeros sóis se viram;
No centro da imensidade,
Na extensão da Eternidade.
Se eu abrangesse a harmonia
A luz meu eco seria,
Meu instrumento a Verdade.

....

José Elói Ottoni
Poeta
José Elói Ottoni foi um poeta e político brasileiro. Poeta, político e professor, foi o primeiro filho do fundidor da Real Casa de Fundição do Serro, Manuel Vieira Ottoni, de descendência genoveza, e da paulista D. Ana Felizarda Pais Leme. 

Nascimento: 1 de dezembro de 1764
Falecimento: 3 de outubro de 1851


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NÓS TAMBÉM TEMOS HERÓIS por Maria Tereza Mendes



Artigo publicado em 20.05.2018

Quando uma amiga francesa me disse que tinha visto uma placa alusiva à participação dos brasileiros na Primeira Guerra Mundial no jardim do Hôpital de Vaugirard em Paris, franzi a testa e a corrigi com um sorriso condescendente: “Segunda Guerra”. Ela me sorriu de volta: “Não, Primeira. Me lembro de ter visto as datas 1914-1918. Tenho certeza.”

Oi? Como assim? Nós não participamos da Primeira Guerra Mundial! Ou participamos? Vasculhei todos os cantos da minha memória procurando uma referência sobre isso e não encontrei nenhuma. Só encontrei o sorriso dela de certeza. Constrangida com minha ignorância, me fingi de morta, mas registrei mentalmente que ia checar aquela informação.

Foi assim que desci na estação de metrô Convention (linha 12) e fui caminhando pela rue Vaugirad em direção à Porte de Versailles. Cinco minutos de caminhada e cheguei ao Jardim do Hôpital de Vaugirard. O lugar é um pequeno oásis verde com uma longa alameda ladeada por gramados verdinhos, muitos bancos e árvores. Flanei pelo lugar a procura da placa e depois de alguns minutos eu a encontrei. Sim, lá estava ela. Meu francês é bem meia-boca, mas deu pra entender o que estava escrito: “Aqui se ergueu o hospital franco-brasileiro dos feridos de guerra criados e mantidos pela colônia brasileira de Paris como contribuição na causa aliada 1914-1918. Placa inaugurada por ocasião do 80° aniversário da presença da Missão Médica Brasileira Especial na França.”

Gelei. Uma Missão Médica Brasileira na França na Primeira Guerra Mundial? Como eu nunca ouvi falar sobre isso? Como é que eu conheço toda a história do American Field Service, uma organização voluntária de norte-americanos para tratar os feridos durante a Primeira Guerra e nunca sequer ouvi falar de uma Missão Médica do meu próprio país? Imperdoável!

Com a ajuda do meu incansável amigo Google, sentei em um dos bancos e pesquisei sobre o assunto. Descobri uma história fantástica de coragem, sacrifício e competência quando um navio brasileiro (La Plata) saiu do porto do Rio de Janeiro em 1918 iniciando uma viagem que seria, difícil, perigosa e trágica.

O perigo rondava os mares com a presença dos famigerados U-boats alemães, submarinos de alta tecnologia que afundavam qualquer barco (política da Guerra Submarina Irrestrita) militar, mercante ou de passageiros, mesmo de países neutros. Inicialmente neutro, o Brasil só se declarou em estado de guerra em outubro de 1917 posicionando-se com os Aliados (EUA, França, Grã-Bretanha) por ter tido vários navios mercantes civis brasileiros afundados pelos alemães. Sem uma marinha ou exército preparado para conflitos da envergadura de potências belicosas como Alemanha, Rússia, EUA e Grã-Bretanha, a ajuda do Brasil para o esforço de guerra foi muito mais voltada à causa humanitária. É aí que entra a Missão Médica Militar Brasileira (MMMB).

O La Plata levava a bordo 168 brasileiros entre médicos, cirurgiões, enfermeiros e farmacêuticos voluntariados para a missão, além de alguns oficiais da marinha e exército, cujo objetivo era chegar a Marsellha e de lá seguir para Paris para instalar e operar um hospital com capacidade para 500 leitos para cuidar dos feridos da guerra.

Os franceses cederam o belo prédio de um antigo convento jesuíta na rue Vaugirard e o hospital brasileiro foi instalado ali recebendo principalmente soldados franceses classificados como “grandes feridos”. Quando a Guerra terminou no final de 1918, o hospital, considerado pelos franceses como de ponta, ainda funcionou até 1919 atendendo a população civil francesa que ainda lutava contra a pandemia da gripe espanhola que varreu a Europa naquele ano. Com a desmobilização do hospital militar, alguns médicos foram convidados a permanecer na França, mas a maioria retornou ao Brasil.

Os franceses jamais se esqueceram desse ato fraterno dos brasileiros e alí estava eu diante da prova, em frente àquela placa. Fiquei envergonhada por desconhecer essa história, que é muito mais emocionante que vocês possam imaginar. Fiquei pensando: Por que não nos falam sobre isso na escola? Por que escondem de nós os nossos heróis? Por que nos autodenominamos “terra do samba e futebol” quando somos tão mais que isso?

Estou escrevendo esse post por duas razões: a primeira é para mostrar como os franceses são gratos por nossa ajuda; a segunda é para desafiar vc a ir além da nossa mediocridade escolar. Se estiver em Paris, visite o Jardin Hôspital Vaugirard (metrô Convention), mas antes, para dar significado à sua visita, conheça essa história em detalhes em http://www.revistanavigator.com.br/navig20/art/N20_art2.pdfe também no livro
“O Brasil na Primeira Guerra” de Carlos Darós (ed. Contexto).

Sim, nós também temos nossos heróis... e não são aqueles que jogam bola ou participam de reality shows.

 
Extraído do Facebook da autora.



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