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terça-feira, 10 de abril de 2018

EDITORIAL DE "O GLOBO" - Garantida a normalidade na prisão de Lula


Apesar de ameaças, nem sempre veladas, ex-presidente se entrega à Polícia Federal, mas o combate à corrupção continua a correr riscos em várias frentes

POR EDITORIAL
10/04/2018 0:00

“Lula foi condenado e preso sem que ruas ficassem intransitáveis pelo país afora. A ação do tal ‘exército do Stédile’, termo do próprio Lula, não passou de obstruções temporárias em algumas estradas e que seriam facilmente removidas caso se tornassem mais sérias. As instituições continuaram a funcionar, e a ordem tem sido garantida por todo o país. Ao se entrincheirar no Sindicato dos Metalúrgicos do ABC, em São Bernardo do Campo, sexta e sábado, Lula deu seu show para a militância, que continua a ouvi-lo como é característico em lideranças carismáticas e de seitas.

Pôde copiar construções de oratória de Martin Luther King Jr., plagiar a carta-testamento de Getúlio Vargas e distribuir ameaças antidemocráticas à imprensa profissional — repetiu a promessa de ‘regular a mídia’ —, enquanto era venerado pela cúpula petista, por seguidores e até pelos pré-candidatos a presidente Guilherme Boulos (PSOL) e Manuela D’Ávila (PCdoB). Lula destilou radicalismos e entregou-se à Polícia Federal, como teria de ser.

Encerrou-se mais uma etapa na luta que organismos do Estado, com amplo apoio da sociedade, travam contra a corrupção. Mas o enfrentamento continua em diversas frentes. Na principal delas, no momento, a do Judiciário, poderá haver outro embate importante, amanhã no Supremo, se de fato for tentado, mais uma vez, mudar a jurisprudência saneadora do início do cumprimento da pena a partir da condenação em segunda instância. Que pode beneficiar Lula e incontáveis presos. Aguardemos.”



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UM VELHO AMIGO - Helena Borborema

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Um velho amigo



            Gardênia colocou um ponto final nas páginas que rabiscava. Nem sabia mesmo porque estava passando para o papel aquelas  estórias tantas vezes ouvidas contar. Talvez uma maneira de deixar as horas passarem, de encher o tempo nesses dias acinzentados e frios de inverno. Enquanto vestia um agasalho, foi se chegando automaticamente à janela, de onde vislumbrou uma nesga do manso Cachoeira, estirado como branco lençol um pouco adiante. Veio-lhe então a reminiscência  de sua meninice quando, às margens daquele rio, ficava a mirar a paisagem multicolorida dos lajedos atapetados de lençóis, vestidos,  toalhas que as lavadeiras, e eram muitas, ali espalhavam a secar. Era um vasto mosaico de formas e cores variegadas que alegravam a vista. Ela nascera e se criara perto desse rio. A vida toda foi sua vizinha, por isso o conhecia tão bem, tanto nas épocas calmas como no furor das enchentes. Quantas estórias ouviu sobre grandes nadadores que o desafiaram e foram, implacavelmente tragados pelos redemoinhos e “peraus” traiçoeiros. Saiu-lhe do fundo da lembrança a figura de Exupério, caboclo forte, empregado na roça de sua avó, vítima da enchente. Numa atitude exibicionista, ele lançou-se ao rio num dia de grande cheia, diante de uma assistência  que das margens acompanhava apreensiva a sua fanfarrice. Quis nadar, mas logo perdeu as forças, descendo aos trambolhões, gritando por socorro, enquanto a multidão a tudo assistia aflita e impotente, vendo-o descer rápido, levado pela correnteza até sumir num sorvedouro.

            E as cabeçadas d ‘água!

            Quantas vezes as lavadeiras não saíram correndo, catando rapidamente as peças de roupa estendidas, ao ouvirem o grito de alerta dos boiadeiros que passavam vindos de Ferradas: - Corram! A cabeçada d ‘água vem vindo perto!

            Diante do perigo, todos fugiam espavoridos das margens e a notícia se espalhava:

            - A cabeçada d’ água vem aí!

            De repente, toda a placidez do Cachoeira desaparecia. A massa líquida subia num crescendo violento, não respeitando os limites de suas margens. Em pouco tempo os lajedos desapareciam, árvores eram arrancadas, canoas desatadas de suas amarras e animais arrastados  na correnteza brutal. Enraivecido, ele passava da calma  à violência,  despertando comentários da parte da população que, curiosa,  corria a espiá-lo das margens. As abundantes chuvas na cabeceira e afluentes provocavam o fenômeno inesperado. Um ruído que metia medo avisada que o velho Cachoeira estava enfurecido e disposto a matar quem o enfrentasse.

            Mas agora ele anda calmo. Sua selvageria foi domada, os homens o enquadrara m em seus limites e lhe deram outro visual, até mais bonito. As suas margens à noite perderam a tristeza que a escuridão lhes imprimia. Desapareceram as luzinhas vermelhas e tremulas dos fifós dos pescadores,  substituídas pela claridade das lâmpadas elétricas que se refletem no espelho de suas águas, em imagens invertidas de beleza e fantasia.

            Gardênia ainda olhava o velho Cachoeira, seu amigo de infância, quando ouve, vinda do passado, a voz enérgica de sua mãe: - “Menina, você não toma mais banho no rio. Pode pegar febre maligna!” Ah! Como era bom mergulhar naquelas águas rasas e claras para catar pedrinhas lisas no fundo ou filhotes de camarão escondidos em pequenas locas nos lajedos. São as estórias do rio, são as estórias da terra que lhe chegam à memória com a saga dos imigrantes plantadores de cacau que, acompanhando o caminho do rio e buscando suas margens férteis, nelas se estabeleceram para dar começo à história vibrante da gente Grapiúna.

            E Gardênia busca no vazio aquelas figuras  heroicas do passado. Busca mentalmente ver a casa tosca do pioneiro Félix Severino, a primeira de Tabocas, levantada naquelas margens, marco inicial de uma civilização. E o que foi feito do “sobrado do coronel”, alma e cérebro de Itabuna nascente? Era ali perto do rio que ele também se erguia com a sua sóbria dignidade. Também voltada para o Cachoeira estava a Igreja Matriz. Que ideia fazem as novas gerações dessa Igreja, para cuja construção muita gente piedosa ajudou, carregando pedras na cabeça, numa manifestação humilde de fé? O que é feito desse Templo, símbolo da crença religiosa de um povo? Que lembrança o tempo guardou dos homens valentes que desbravaram essa terra e geraram riquezas? Que sabem deles essas novas gerações? É uma pena, diz Gardênia para si mesma. O tempo irá se encarregando de a tudo envolver no silêncio do esquecimento.

            Retornando ao interior do seu quarto, vai relendo as notas que escrevera. Muitos anos se passaram desde o dia em que os dois destemidos desbravadores se fixaram na gleba verde das margens do Cachoeira. De lá para cá, as terras do Sul se transformaram num imenso cenário de incontido progresso. Quantos centros  de povoamento brotaram no meio do mato, quantas rodovias rasgaram essas terras! Todo o Sul da Bahia passou a vibrar numa ânsia frenética de crescer e engalanar-se numa roupagem nova. As morosas tropas de trote cadenciados que transportavam sacas de cacau, já quase não são vistas. Os homens trocaram o lombo dos cavalos pela velocidade  dos automóveis. Hoje é a rapidez dos carros e aviões que prevalece, é a pressa de economizar tempo, vencendo rapidamente grandes distâncias, de fazer-se bons e múltiplos negócios.

            Novas riquezas surgiram na região além do cacau,  novos tempos vieram e gente de todos os cantos do país ainda busca esperançosa os favores dessas terras pródigas. O progresso a tudo transformou. Só o homem parece não ter mudado muito. Não será ele ainda o menino do passado, no tempo do “trabuco” o da “repetição”? que dizem os jornais? Não são as notícias de crimes de mortes, de tocaias,  ataques a propriedades, invasão de terras o que enche diariamente as páginas que se lê?

            Gardênia volta à janela a olhar de longe o seu velho amigo. E fica a pensar. Sim, novos e melhores tempos virão. Terão  de vir. Afinal, essas terras foram trabalhadas por homens que as amaram e lutaram com muita vontade de vencer. O seu destino será grande porque os velhos pioneiros, aqueles homens empreendedores, corajosos, não morreram de todo. Eles ainda vivem e labutam no sangue e na alma dos seus descendentes, e com eles há os que vão chegando, como num ciclo perpétuo e renovador, abrindo novos caminhos para novos tempos.

            O velho Cachoeira, que viu acampar nas suas margens os primeiros desbravadores e viu as primeiras casas de Tabocas, assistiu à passagem das primeiras tropas e boiadas, presenciou crimes e gigantesco  trabalho de pioneirismo, será a mesma testemunha muda de uma bela histórica no futuro.

(TERRAS DO SUL)
Helena Borborema
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HELENA BORBOREMA -  Nasceu em Itabuna. Professora de Geografia lecionou muitos anos no Colégio Divina Providência, na Ação Fraternal e no Colégio Estadual de Itabuna. Formada em Pedagogia pela Faculdade de Filosofia de Itabuna. Exerceu o cargo de Secretária de Educação e Cultura do Município.

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