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segunda-feira, 8 de maio de 2017

POEMA DE TORCEDOR – Cyro de Mattos



Poema de torcedor
            Penso que um futebol tão rico de jogadores como o daquele tempo, no velho Campo da Desportiva, não deveria ficar esquecido. Merece ser pesquisado e estudado. Comunicado através de teses universitárias, de mestrado e doutorado. É preciso que seja explicado melhor. Como nasceu e se desenvolveu com tão boas qualidades, em seu longo curso de amadorismo. Avaliado nas razões de como jogadores amadores, vivendo no interior baiano, longe de Salvador, do eixo Rio-São Paulo e de outros centros esportivos mais adiantados, deram espetáculos com um potencial técnico surpreendente, movido com arte e emoção. Jogadores amadores que podiam vestir a camisa de grandes clubes brasileiros, se estivessem atuando hoje. Com sorte, alguns poderiam chegar até mesmo à Seleção Brasileira. Como aconteceu com Perivaldo, que surgiu no declínio do Campo da Desportiva, mas já em época mais recente, quando então os meios de comunicação fazem ficar conhecido o atleta que joga em lugares distantes desse imenso Brasil.

            Sem ufanismo, sabem como eu os mais antigos desportistas de Itabuna, alguns deles hoje passando dos oitenta anos, que aqueles jogadores amadores escreveram, no piso esburacado de um estádio acanhado, páginas belas de uma das nossas maiores paixões populares. Basta dizer que meio século depois nenhuma cidade do interior da Bahia conseguiu igualar o feito da seleção amadora de Itabuna, que foi campeã seis vezes seguidas pelo Intermunicipal. Além disso, venceu antes o Torneio Antonio Balbino, em Salvador, do qual participaram as boas seleções de Feira de Santana, Ilhéus, Santo Amaro, São Félix e Alagoinhas.

            O pontapé inicial foi dado com essas memórias relatadas e inventadas, que falam de uma das faces da alma do povo brasileiro, o futebol, jogado com garra e conjunto, classe e algum feitiço, no campinho do interior.

            Resta agradecer de novo àqueles artistas da bola, amadores de ouro, que me deram tantas alegrias no velho e saudoso Campo da Desportiva.

            Terminar com o poema em que falo um pouco deles.

Campo da Desportiva

O drible de Puruca
O maior de minha vida,
O gol de Juca
O maior da minha vida,
A defesa de Asclepíades
A maior da minha vida,
A falta batida por Leo Bríglia
A maior de minha vida,
O nó de Carrapeta
O maior de minha vida,
A catimba de Tombinha
A maior de minha vida,
A investida de Fernando Riela
A maior de minha vida,
O torcedor Rodrigo Bocão
O mais engraçado de minha vida,
Os roletes de cana da desportiva
O doce mais gostoso de minha vida, 
Esse tiro na memória
O gol mais triste de minha vida.


(O VELHO CAMPO DA DESPORTIVA – Edição Comemorativa do Centenário de Itabuna)

Cyro de Mattos,  escritor e poeta. Primeiro Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia, Pen Clube do Brasil, Academia de Letras de Ilhéus e Academia de Letras de Itabuna. Autor premiado no Brasil, Portugal, Itália e México.

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O FIM DE UM ÍDOLO - Arnaldo Niskier


O fim de um ídolo


Dirigir uma revista feminina, como “Sétimo Céu”, foi um dos meus prazeres jornalísticos. Quando cheguei, em 1958, estava com 6 mil exemplares de venda. Mudando o formato e colocando fotonovelas brasileiras a revista deu um enorme salto e logo estava vendendo 150 mil exemplares. Até os patões ficaram assustados com tamanho sucesso.

Foi nessa onda de êxito que se encaixou o então membro da jovem guarda, o cantor Jerry Adriani. Frequentador da redação, então na rua Frei Caneca 511, foi por mim convidado para ser galã de fotonovela.

O seu tipo se encaixava muito bem na ideia – e tudo deu certo. Foi um modelo de sucesso, ao lado de outro astro igualmente aproveitado: Cauby Peixoto. 

Eis que fomos surpreendidos com a morte prematura de Jerry Adriani. Um câncer no pâncreas acabou com a sua vida, aos 70 anos, quando ainda era muito cortejado por suas milhares de fãs. Perdi também um amigo.

Descendente de italianos, Jerry cantava muito bem na língua de Pepino Di Capri e arriscava também imitar Elvis Presley, inclusive com as suas vastas costeletas. Chegou a lançar um disco em 1990 com o título “Elvis vive”, mas o seu destino era mesmo prestigiar a música brasileira, o que fez também nas suas pequenas incursões ao cinema nacional, a convite de Jece Valadão.

Foi parceiro de Raul Seixas. Convenceu a gravadora CBS a empregar Raul como produtor, o que aconteceu entre 1969 e 1971, antes de iniciar sua própria e vitoriosa carreira, o que não impediu de gravar diversas músicas de Raul, como “Tarde Demais”, e “Doce Doce Amor, esta um imenso sucesso, com mais de 200 mil cópias vendidas.

Registre-se que o simpático Jerry foi um dos ídolos da Jovem Guarda, ao lado de outros cantores consagrados como Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Wanderléia e Wanderley Cardoso. Faziam sucesso na televisão, especialmente na TV Record de São Paulo, onde se criou um movimento musical dedicado especialmente aos jovens, com resultados bastante apreciáveis.

O primeiro LP de Jerry Adriani foi lançado em 1964 com o título de “Italianíssimo”. No ano seguinte, veio o primeiro disco com músicas em português: “Um Grande Amor”. Em 1966, seguiu-se outro LP então dedicado ao pop italiano: “Credi a Me”. O talento do jovem cantor sempre foi muito versátil e sempre bem sucedido.

Posso testemunhar que o público adorava as apresentações de Jerry Adriani. A meu pedido, apresentou-se de uma feita no Teresópolis Country Clube, sem nada cobrar, para valorizar as atividades sociais e culturais daquela instituição. Como sempre, foi um êxito comentado por meses seguidos.

Agora, sem ligar para a doença que minava o seu organismo, preparou a sua autobiografia e um novo disco com canções de Raul Seixas (parceiro de Paulo Coelho). Chegou a entregar a autobiografia ao escritor e pesquisador Marcelo Froes, um grande amigo. Toda a sua trajetória ali figura e deve ser publicada ainda em 2017. Infelizmente, não viveu para vibrar com esse lançamento, como merecia.

Jornal do Commercio (PE), 02/05/2017


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Arnaldo Niskier - Sétimo ocupante da Cadeira nº 18 da ABL, eleito em 22 de março de 1984, na sucessão de Peregrino Júnior e recebido em 17 de setembro de 1984 pela acadêmica Rachel de Queiroz. Recebeu os acadêmicos Murilo Melo Filho, Carlos Heitor Cony e Paulo Coelho. Presidiu a Academia Brasileira de Letras em 1998 e 1999.

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