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domingo, 28 de outubro de 2018

ABL: SEMINÁRIO ‘BRASIL, BRASIS’ DE OUTUBRO DEBATE NA ABL O TEMA LITERATURA E MERCADO, COM AS PARTICIPAÇÕES DE SÔNIA MACHADO JARDIM E PAULO ROBERTO PIRES



Academia Brasileira de Letras dá continuidade à série de Seminários “Brasil, brasis” de 2018 com o tema Literatura e mercado, sob coordenação geral do Acadêmico, professor, escritor e poeta Domício Proença Filho (quinto ocupante da Cadeira 28, eleito em 23 de março de 2006), e coordenação do Acadêmico e romancista Antônio Torres (oitavo ocupante da Cadeira nº 23, eleito em 7 de novembro de 2013). Os convidados para participar do evento são a Presidente do Grupo Editorial Record, Sônia Machado Jardim e o jornalista, escritor e editor Paulo Roberto Pires. O evento está programado para o dia 30, terça-feira, às 17h30, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson 203, Castelo, Rio de Janeiro.

O Seminário Brasil, brasis, com entrada franca e transmissão ao vivo pelo Portal da ABL, tem patrocínio do Bradesco.

 
OS PARTICIPANTES

Graduada em Engenharia Civil pela UFRJ, Sônia Machado Jardim tem Pós-Graduação em Finanças na IAG-PUC/Rio, além de cursar o Mestrado em Administração de empresas na COPPEAD.

Trabalhou por mais de 10 anos em empresa de engenharia antes de ingressar, em 1995, como Diretora Administrativa-Financeira na editora Record – empresa fundada por seu pai, o editor Alfredo Machado, em 1942, e que se tornou um dos maiores conglomerados editoriais da América Latina.

Sônia Machado Jardim foi Presidente do Sindicato Nacional de Editores de Livros (SNEL) entre 2008 e 2014, do Instituto Pró-Livro (IPL) entre 2009 e 2011 e da Associação Nacional dos Editores de Livros (ANEL) entre 2011 e 2014, período em que atuou pelo fim da censura às biografias, pela imunidade tributária dos livros digitais e liderou a realização das bienais internacionais do Livro do Rio de 2010, 2012 e 2014. Desde 2016, é presidente do Grupo Editorial Record.

Paulo Roberto Pires é jornalista, escritor e editor. Professor da Escola de Comunicação da UFRJ, edita a serrote, revista de ensaios do Instituto Moreira Salles, e é colunista da revista Época. É autor das biografias Hélio Pellegrino – A paixão indignada (1998) e A marca do Z: a vida e os tempos do editor Jorge Zahar (2017) e dos romances Do amor ausente (2001) e Se um de nós dois morrer (2011). Trabalha atualmente numa biografia de Millôr Fernandes.

17/10/2018


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TERRAS DA MORTE – Cyro de Mattos


Terras da Morte
Cyro de Mattos


            Queria acompanhar um enterro e ver pela primeira vez como era que enterravam o defunto no cemitério. O enterro às vezes passava pela rua do comércio. As pessoas cabisbaixas atrás seguiam o caixão com o defunto, que era levado pelos homens mais jovens. Quando cansavam, revezavam-se. Outros homens seguravam agora nas alças do caixão, e o cortejo prosseguia em silêncio na rua de chão batido. Contornava a rua do comércio, rumo ao cemitério.

            Gente parava nos passeios, tirava o chapéu em sinal de respeito ao morto, curiosos apareciam na porta das lojas.  Ficavam olhando o enterro passar com as pessoas tristes. Algumas levavam flores nos braços, os parentes e amigos do morto. Quando era enterro de criança, meninos e meninas acompanhavam o cortejo à frente do caixão, vestidos como anjo num camisolão de cetim branco, uma coroa de flores na cabeça. Tinham asas feitas com penas de galinha, presas às costas. Levavam flores alvas e cantavam canto de igreja com os pequenos corações contritos.

            A primeira vez que vi um enterro de criança soube então que menino como eu também morria. Ia para o céu, claro, o padre dizia isso na missa, que Jesus gostava muito das crianças porque eram puras, não tinham os pecados de gente grande.

            Mas o que era a morte, comecei a indagar lá em casa. A mãe falou que era uma mulher feia, mas quem acreditava em Jesus e seguia os preceitos que o filho de Deus ensinava não devia temê-la. Quando ela chegava para carregar uma pessoa para o além, que é o outro mundo, quem foi bom aqui nesta terra, não cometeu pecado pesado, vai ter o seu anjo de guarda para levar a alma para morar na casa de Nosso Senhor. Quem foi mau, cometeu os piores pecados, como matar o semelhante, a morte leva a alma dele para o fogo do inferno. Quem foi ora bom, ora mau, vai ser levado para o purgatório, uma espécie de lugar onde a alma fica sofrendo pelos pecados menos pesados que cometeu até se purificar e alcançar o perdão de Deus.

            Tudo isso que a mãe explicava sobre a morte podia ter sua verdade e até me convencia em parte sobre o que essa mulher feia gostava de fazer a cada pessoa que levava para outras terras... Só não gostava quando perguntava se um menino depois de morto podia voltar de novo para brincar com os amigos aqui na terra, e a mãe revelava que nunca ninguém soube que isso já havia acontecido um dia.

            - Então a morte que vá comer bosta de galinha! – dizia eu, fazendo com que minha mãe desse uma boa risada.

            Quando perguntava ao pai o que era a morte, ele prontamente dizia que com ele a bicha imunda não viesse se fazer de prosa. A taca de couro grosso estava ali mesmo guardada no baú para dar umas boas tacadas na indesejada, se ela algum dia entendesse de querer lhe fazer uma visita.

             Sorria agora eu, satisfeito com a coragem que o pai demonstrava para fazer correr a morte, se ousasse aparecer lá em casa, ia receber na mesma hora uma boa surra aplicada nas costelas dela com a taca de couro grosso.

            Naquele dia resolvi acompanhar o enterro que passava pela rua do comércio com poucas pessoas. No início acompanhei de longe, precavendo-me para que algum amigo de meus pais não me visse e fosse contar depois o que eles certamente não aprovariam. Ficariam zangados e me colocariam de castigo. Proibido de brincar com os amigos por vários dias.

            Quando da ladeira em que o enterro subia vagaroso se avistou o muro do cemitério, aproximei-me por trás das pessoas que participavam daquele cortejo calado, com seus ares tristes. Pouco depois, entrava com o enterro no cemitério, que eu via pela primeira vez e que me deu com seus ares sombrios um frio na barriga, como nunca tinha sentido. Tímido passei os olhos pelas galerias com muitas gavetas tapadas com tijolos, pintadas de cal. O nome do falecido inscrito em cada gaveta. Observei capelas com retrato dos falecidos lá dentro, escultura de homens importantes em cima dos mausoléus de mármore. Lá embaixo, a terra cheia de cruzes indicava covas rasas, provavelmente ali os pobres eram enterrados. Foi para lá que o enterro se dirigiu.

            A cova já estava cavada num buraco para receber o caixão com o morto. Antes de descerem o caixão, a mulher de cabelos brancos, num vestido pobre, pediu que tirassem a tampa. Queria ver o marido pela última vez. Ela passou a mão no rosto do morto, que estava preto feito carvão, os olhos fechados. A mulher começou a chorar alto. Esperei que descessem devagar o caixão no buraco, , estava amarrado com cordas grossas pelas alças...O coveiro jogou depois pás de terra, que aos poucos foi enchendo o buraco. A mulher continuava a chorar alto. Comecei também a chorar e, antes que ouvissem meu choro, fui saindo dali nervoso, tropeçando nos passos. 

* Cyro de Mattos é escritor e poeta. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia. Doutor Honoris Causa da UESC.


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PALAVRA DA SALVAÇÃO (102)


30º Domingo do Tempo Comum – 28/10/2018

Anúncio do Evangelho (Mc 10,46-52)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Marcos.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Jesus saiu de Jericó, junto com seus discípulos e uma grande multidão. O filho de Timeu, Bartimeu, cego e mendigo, estava sentado à beira do caminho. Quando ouviu dizer que Jesus, o Nazareno, estava passando, começou a gritar: “Jesus, filho de Davi, tem piedade de mim!”

Muitos o repreendiam para que se calasse. Mas ele gritava mais ainda: “Filho de Davi, tem piedade de mim!” Então Jesus parou e disse: “Chamai-o”. Eles o chamaram e disseram: “Coragem, levanta-te, Jesus te chama!”

O cego jogou o manto, deu um pulo e foi até Jesus. Então Jesus lhe perguntou: “O que queres que eu te faça?” O cego respondeu: “Mestre, que eu veja!” Jesus disse: “Vai, a tua fé te curou”. No mesmo instante, ele recuperou a vista e seguia Jesus pelo caminho.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.


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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Frei Alvaci Mendes da Luz:

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Tecendo olhares


“Mestre, que eu veja”!’” (Mc 10,51)

Continuamos fazendo caminho com Jesus, rumo a Jerusalém. Estamos na última cena, antes de entrar na “cidade santa”, onde acontecerão os mistérios centrais da nossa fé: Paixão, Morte e Ressurreição de Jesus.

Detenhamo-nos em alguns detalhes que o evangelista Marcos deixa transparecer no evangelho deste domingo, para uma maior assimilação do modo de ser e agir de Jesus.

O cego Bartimeu é o símbolo da marginalização: está fora do caminho, jogado na sarjeta, sem poder se locomover, percebendo como os outros vão passando por ele, dependendo deles, de suas esmolas e de seus cuidados, porque não podia fazer outra coisa. Trata-se de um homem na beira do caminho, que vive às custas da bondade ou da maldade dos outros e, na maioria das vezes, à mercê da indiferença de todos; um homem sem ofício nem benefício e sem serviços sociais que o sustentassem ou o acompanhassem; um ser humano de quem ninguém queria se aproximar porque era tido também como impuro; um cego sem companhia, sem possibilidade de ser amado, habitando na solidão física e psíquica, com o agravante de sentir-se julgado e culpado, sem possibilidade de defesa, porque a sentença já era pública.

A situação de Bartimeu já estava determinada, ou seja, a exclusão; ele aparece aqui como alguém consciente de sua situação desesperada, de seus limites e de que sozinho não poderia superá-los. Mas não fica resignado com sua situação; este é o ponto de partida. Daí o grito por compaixão, quando percebe que Jesus passa por perto.

Como cego, não tem outro meio de chamar a atenção de Jesus senão gritando. Muitas pessoas próximas se irritam e o mandam calar a boca, mas ele o chama mais alto ainda. Ele investe toda sua força nessa oportunidade única e vai até Jesus, expressando assim sua alegria em encontrá-lo e em receber a sua ajuda. 

Jesus é aquele que ouve, para e chama justamente aquele cego cujo grito perturbava e incomodava a “tranquilidade” da multidão que o seguia. Ele interrompe bruscamente a sua caminhada apressada para Jerusalém. Os dois ainda não se conheciam, mas era forte, em ambos, o desejo de se encontrar.

O cego levanta-se de um pulo, deixa de lado seu manto, sem hesitar: sua proteção, sua segurança, seu teto..., e entra na luz do olhar de Jesus. Sai de seu fechamento (o manto era considerado um prolonga-mento da pessoa); desfaz-se do que lhe trazia segurança e recupera sua dignidade: “pôs-se de pé”.

Ao lhe perguntar - “o que queres que eu te faça?” -, Jesus está ativando o protagonismo no outro, estabelecendo um diálogo de tu a tu, sem intermediários, oferecendo-lhe a possibilidade de afirmar-se diante de alguém, de ter uma palavra que é escutada (não só um grito que se instala como música de fundo para os transeuntes indiferentes), de expressar os desejos de seu coração, de “empalavrar” suas aspirações e esperanças. O espaço de diálogo experimentado devolve ao cego a confiança, conecta com suas forças resilientes, lhe confere autonomia e o mobiliza a entrar no caminho de Jesus. 

A capa que antes acompanhava o cego e o protegia, agora é abandonada. Fica lá, na beira da estrada, marcando o lugar da mudança. A imagem que ela representa é coisa do passado. A capa continua lá no mesmo lugar, mas Bartimeu, agora tomado pelo olhar de Jesus, é homem do caminho, discípulo, seguidor. Ao chamado de Jesus, reage dando um salto. Salta para um novo olhar, salta ainda mais para um novo ser. Salta da vida sem graça, limitada a pedinte da margem do caminho, para a graça da vida de caminheiro solidário rumo à transformação.

Bartimeu viveu a experiência de uma profunda “travessia”: antes, cego e sentado à beira da estrada pedindo esmola; agora, com a visão recuperada, pode fazer a sua escolha: “...e seguia Jesus pelo caminho”. Esta frase expressa mobilidade e proximidade. Depois da experiência do encontro com Jesus, Bartimeu passou da imobilidade ao movimento, da exclusão à inclusão, do afastamento à proximidade...

Para ele, a obscuridade se tornou luz; a marginalidade se tornou estrada; o estranho se tornou familiar; a liberdade se tornou gratidão; a exclusão se tornou seguimento... 

Ao “fixar seu olhar” em cada um(a) de nós, chamando-nos pelo nome, seremos movidos(as) a fazer eleições mais radicais e integrais pelo Reino, segundo o modo de ser, de viver e de fazer do próprio Jesus.

“Chamado-resposta” implica, pois, uma troca comprometedora de olhares. O olhar transparente e livre de Jesus ressuscita o nosso olhar tímido e estreito e nos capacita a olhar amplos horizontes: seu povo, seu mundo dividido e excluído... Seu olhar nos predispõe a encontrar motivações saudáveis e maduras que nos permitam olhar e viver no contexto atual plural com amor, com entusiasmo e criatividade.

Precisamos suplicar como o cego do relato de Marcos:  “Mestre, que eu veja!”, para poder reconhecer e agradecer, descobrir portas onde antes víamos muros. Hoje somos afetados por muitas cegueiras: não vemos aqueles que economicamente não são contados, e há milhões de pessoas consideradas invisíveis.

Estamos ameaçados pela cegueira da segurança, da intolerância, do preconceito...,  e aqueles que são diferentes nos parecem estranhos. As telas frias dos aparelhos eletrônicos tiram o brilho e o calor de nosso olhar e petrificam o nosso coração. Vivemos cegos pela pressa e pelo auto-centramento; e as rupturas humanas, as divisões e o ódio, embotam nossos sentidos e nos cegam a respeito de nossa unidade essencial.

É preciso deixar que o Evangelho e os outros vão nos tirando as vendas, vão nos curando a visão, vão nos despertando para que possamos chegar a ser homens e mulheres de olhos grandes, que contemplam a vida em sua profundidade e em sua vulnerabilidade, e também em suas infinitas possibilidades.

Sabemos que toda a realidade nos entra pelas janelas de nossos olhos. Cultivar a espiritualidade em nossa vida cotidiana tem a ver com aprender a olhar de outra maneira, e aprender a observar sem qualificar, sem medir, sem emitir juízo, simplesmente, recebendo o que existe, deixando-o ser, dando-lhe espaço.

Uma visão sadia, é aquela que sabe ver o outro no melhor de si mesmo, em seu mistério único, em sua originalidade, em todo seu potencial latente ainda por acontecer; e que sabe também aceitar suas arestas, sua parte de sombra, sem rejeitar nada. Um olhar que descobre uma sensibilidade por debaixo da aparente aspereza, que reconhece a benção que se oculta por detrás da ferida. Um olhar amável e incondicional que oferece o espaço para que os nós existenciais comecem a se desatar e a vida possa fluir.

Que possamos olhar através dos outros e ativar dentro de nós aquela bem-aventurança: “Ditosos vossos olhos porque vêem” (Mt 13,16).

A oração é o ambiente natural para mobilizar-nos, expandir nosso olhar e preparar-nos para o grande salto da vida: um novo projeto, um novo compromisso, uma nova missão...

Texto bíblico:  Mc 10,46-52

Na oração: Chegaremos algum dia a aprender, como Jesus, a olhar através dos olhos dos simples e pequenos deste mundo?

Quando nos abrimos a outros olhares, quando chegamos a poder olhar pelos olhos daqueles que estão em um lado da vida diferente do nosso, expande-se em nós a capacidade de perceber e agradecer a realidade.

Nosso modo de olhar depende do lugar onde pisamos: olhar burguês, olhar preconceituoso, olhar intolerante...

- Faça um pequeno exercício de “olhar a si mesmo” com o olhar do pobre, do excluído, daquele que pensa e sente diferente... Como você se sente?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

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