Neste dia 28 de abril, festividade de São Luís Maria
Grignion de Montfort (1673-1716) — grande missionário francês, o doutor marial
por excelência que explicitou magnificamente a doutrina sobre a Sagrada
Escravidão a Nossa Senhora —, rezando a “Oração Abrasada” de repente fui
assaltado pela lembrança do fogo devorador de Notre Dame de Paris.
E, na mesma oração composta por São Luís Grignion (no trecho
que abaixo transcrevo) é impossível não nos recordarmos de um outro “incêndio”,
denominado “auto-demolição”, que vem se alastrando dentro da Santa
Igreja: “a fumaça de Satanás no templo de Deus”… E, novamente, ser
assaltado pela imagem do incêndio que atingiu o coração da Cristandade.
Ainda não se tem certeza se o incêndio em Notre Dame foi
acidental ou criminoso, mas alguns líderes muçulmanos comemoram a desfiguração
de Notre Dame. Por exemplo, os jihadistas do “Estado Islâmico”
celebraram o incêndio da Catedral. O portal Site (que monitora
atividades extremistas na internet) publicou que eles “se divertiram” com a
tragédia e a classificaram como sendo “um golpe no coração dos líderes
cruzados”. (Cfr. “VEJA”, 24-4-19).
Aqui seguem os trechos da parte final da “Oração abrasada”,
que se encontra nas últimas páginas do célebre e extraordinário “Tratado da
Verdadeira Devoção à Santíssima Virgem”:
“E nós, grande Deus! embora haja tanta glória e tanto
lucro, tanta doçura e vantagem em servir-vos, quase ninguém tomará vosso
partido? Quase nenhum soldado se alistará em vossas fileiras? Quase nenhum São
Miguel clamará, no meio de seus irmãos, cheio de zelo pela vossa glória: Quis
ut Deus?
Ah! permiti que brade por toda parte: Fogo! fogo! fogo!
socorro! socorro! socorro! Fogo na casa de Deus! fogo nas almas! fogo até no
santuário! Socorro, que assassinam nosso irmão! socorro, que degolam nossos
filhos! socorro, que apunhalam nosso bom Pai!
Si quis est Domini, iungatur mihi. Venham todos os bons
sacerdotes que estão espalhados pelo mundo cristão, os que estão atualmente na
peleja, e os que se retiraram do combate para se embrenharem pelos desertos e
ermos, venham todos esses bons sacerdotes e se unam a nós. Vis unita fit
fortior, para que formemos, sob o estandarte da cruz, um exército em boa
ordem de batalha e bem disciplinado, para de concerto atacar os inimigos de
Deus que já tocaram a rebate: Sonuerunt, frenduerunt, fremuerunt,
multiplicati sunt. Dirumpamus vincula eorum et projiciamus a nobis jugum
ipsorum. Qui habitat in caelis irridebit eos. Exsurgat Deus, et dissipentur
inimici ejus. Exsurge, Domine, quare abdormis? Exsurge.
Erguei-vos, Senhor: por que pareceis dormir? Erguei-vos em
todo o vosso poder, em toda a vossa misericórdia e justiça, para formar-vos uma
companhia seleta de guardas que velem a vossa casa, defendam vossa glória e
salvem tantas almas que custam todo o vosso sangue, para que só haja um aprisco
e um pastor, e que todos vos rendam glória em vosso santo templo: Et in
templo ejus omnes dicent gloriam. Amém.
- Proclamação do Evangelho de Jesus Cristo + de acordo com
São João.
Glória a você, Senhor.
Na noite daquele dia, sendo a primeira da semana fechada por
medo dos judeus, as portas do lugar onde estavam os discípulos, Jesus apareceu
no meio deles e disse-lhes: Paz seja convosco. Dito isto,
mostrou-lhes as mãos e o lado. Os discípulos ficaram felizes em ver o
Senhor.
Jesus disse novamente: "A paz esteja convosco. Como o Pai me
enviou, eu também te mando".
Depois de dizer
isso, ele soprou sobre eles e disse: "Receber o Espírito Santo. A
quem perdoais os pecados, eles são perdoados; a quem você os retém, eles
são retidos. ” Tomé, um dos Doze, chamado de Gêmeo, não estava com
eles quando Jesus veio. Os outros discípulos disseram-lhe: "Nós vimos
o Senhor".
Mas ele respondeu: "Sim. Eu vejo em suas
mãos a impressão das unhas, e colocar o dedo na marca dos pregos, e
coloquei minha mão no seu lado, I vai não acredito". Oito dias
depois, eles foram novamente seus discípulos dentro e Tomé com
eles. Jesus se apresentou no meio das portas fechadas e disse: "A paz
esteja convosco". Então ele disse a Tomé: "Põe o dedo aqui
e olha para as minhas mãos; traz a tua mão e põe-na ao meu lado, e não
sejas incrédulo, mas crente. Respondeu-lhe Tomé: Senhor meu e Deus
meu.
Disse-lhe Jesus: Porque me vistes e
creste. Bem-aventurados os que não viram e creram. "
Jesus realizou muitos outros sinais na presença dos discípulos que não
estão escritos neste livro.
Estes foram escritos para que creiais que Jesus é o Cristo, o Filho de
Deus, e para que, crendo, tenhais vida em seu nome.
Ligue o vídeo abaixo a acompanhe a reflexão do Frei Alvaci Mendes da Luz:
---
Experiência
de Ressurreição: tocar as chagas da humanidade
Hendrick Jansz ter Brugghen (1622)
“...mostrou-lhes as mãos e o lado” (Jo 20,20)
Os relatos das Aparições nos advertem de que não se trata de
uma crônica de acontecimentos. O que João quer nos comunicar são vivências
internas dos discípulos reunidos; o que ele quer nos transmitir está mais além
daquilo que entra pelos sentidos ou podemos imaginar.
Destacamos algumas das expressões do relato de João para
formular a fé no Crucificado/Ressuscitado.
O relato deste domingo se revela como uma catequese muito
rica em conteúdo. Por uma parte, vincula a ressurreição com a paz, o dom do
Espírito, o perdão, a fé, a missão... Por outra, parece querer responder
aos cristãos da “segunda geração”, que já não haviam conhecido o Jesus
histórico, nem haviam participado daquela primeira experiência “fundante”. É a
eles, representados na figura de Tomé, que lhes é dito:
“Bem-aventurados aqueles que creram sem terem visto!”
São muitos os que se sentem escandalizados com o Evangelho
deste 2º. Dom. de Páscoa. Não é possível que Jesus Ressuscitado conserve as
chagas no seu corpo! Pode-se tocá-lo como se tocam as feridas sangrentas de um
torturado, as mãos frias de um moribundo, os pés feridos de um imigrante?
Frente aos riscos de um falso espiritualismo que quer
esquecer-se da “carne”, frente a todas as tentativas de entender a Páscoa como
pura mudança de consciência, o Evangelho de João quis ressaltar a corporalidade
do Cristo Ressuscitado e o faz desta forma, ou seja, dando um destaque especial
às chagas das mãos e do lado aberto; o mesmo corpo do amor vivido e da entrega,
o corpo ferido com cravos e lança, se converte assim em um sinal visível de
Ressurreição, sinal que continua presente na realidade das pessoas.
A morte de Jesus não foi um acidente de percurso, não é algo
que se esquece, sinal de sua condição humana; o Senhor ressuscitado continua
sendo Aquele que leva em suas mãos e em seu lado as feridas de sua entrega, os
sinais de seu amor crucificado em favor da humanidade. O Senhor ressuscitado
continua sendo Aquele que sofre em todos os que sofrem no mundo. Como cristãos,
professamos: “o Ressuscitado é o Crucificado”; por isso é necessário “tocar
suas feridas”, ali onde Ele sofre naqueles que sofrem. Portanto, contemplar o
Ressuscitado chagado impulsiona a continuar encontrando o mesmo Jesus nas
chagas de todos os sofredores da história.
É surpreendente que o evangelho de João tenha conservado o
registro da experiência de Madalena; mas, mais surpreendente ainda é o fato de
que tenha recolhido a experiência de Tomé, para assim revelar-nos que a Páscoa
significa tocar com mais força, de um modo mais profundo, as chagas de Jesus
ressuscitado.
Maria Madalena havia “tocado em Jesus” no horto pascal,
porque o amava e pela alegria de saber que Ele estava vivo. Mas, depois teve
que deixar de tocá-lo fisicamente (“não me toques”), a fim de tocá-lo e
conhecê-lo de um modo diferente, levando a mensagem da Vida de Jesus aos
discípulos, fechados numa casa. Ela que o tocou com amor, foi a primeira das
ressuscitadas com Jesus no jardim de Vida da Páscoa.
À diferença de Madalena, Tomé precisou aprender a ativar os
sentidos: olhar, escutar, tocar...; precisou descer do pedestal dos
seus dogmas, das ideias separadas, para retomar a experiência concreta do amor
de Jesus, que é a vida entregue pelos outros, amor chagado. Não basta crer em
Jesus, separado de sua vida de compromisso em favor da vida; para crer nele é
preciso querer tocar suas chagas, que são as chagas do mundo ferido por falta
de amor.
Tomé começou sendo o apóstolo de uma espiritualidade sem
compromisso social, sem entrega profética, sem solidariedade com os pobres e
excluídos. Não era um apóstolo “cristão” de Jesus crucificado, mas um
praticante da religião desencarnada que alguns, ainda hoje, continuam
defendendo.
“Tocar” em Jesus, colocar o dedo em suas chagas e a mão no
seu lado aberto, é descobrir a ferida sangrenta da história humana, vinculando
assim a ressurreição com a dor dos homens e mulheres oprimidos(as), torturados,
enfermos, assassinados... Jesus Ressuscitado continua levando em suas mãos e em
seu peito a ferida da história, não só as chagas dos cravos e o corte da lança
em seu próprio corpo, mas a chaga dos enfermos e expulsos, dos famintos e
oprimidos e a infinidade de pessoas que continuam sofrendo ao nosso lado.
O Ressuscitado se faz reconhecível, é o mesmo Jesus, é o
crucificado, é seu corpo chagado. Trata-se de crer no Crucificado. Suas feridas
são inseparáveis da morte e da entrega a uma causa: o Reino. Não é a passagem a
uma condição superior à do ser humano, mas a mesma condição humana levada a seu
cume, assumindo sua história anterior. As chagas, sinal de seu amor extremo,
evidenciam que é o mesmo que morreu na cruz. Já não há lugar para o medo da
morte. Ninguém poderá tirar de Jesus a verdadeira Vida, nem tirá-la dos seus
discípulos. A permanência dos sinais de sua morte indica a permanência de amor;
elas são as cicatrizes de um compromisso com a vida. Além disso, elas garantem
a identificação do Ressuscitado com o Jesus Crucificado.
Concluindo, podemos dizer que a experiência de Tomé, que é
também a nossa, tem um valor importante para nós, seguidores(as) do
Ressuscitado. Hoje, ressuscitado, Jesus continua expondo-se, deixando-se tocar
sem resistências, mostrando suas feridas, permitindo que, como Tomé,
“coloquemos o dedo na ferida”. Quê paradoxo! Os sinais da Ressurreição se
encontram aí onde antes se encontravam os sinais de dor e morte. Só quando assumimos
esta realidade, poderemos testemunhar, como os primeiros discípulos, que o
“Crucificado ressuscitou!”.
São estas suas feridas e chagas nas mãos e no lado aberto os
sinais que o Ressuscitado nos mostra para que possamos reconhecer as cicatrizes
que também nós carregamos em nossos corpos. São estes os sinais que Ele nos
mostra para que possamos pôr também nossas mãos nas feridas que continuam
abertas em nosso mundo, nas mãos e lados de tantas irmãs e irmãos, de tantos
povos, de nós mesmos. O Ressuscitado continua carregando todas as chagas e
convida-nos a tocá-las, a acariciá-las, a acolhê-las, a reconciliar-nos com
aquelas que ainda não foram integradas e pacificadas, a empenhar-nos na
transformação daquelas que são fruto da injustiça e do mal.
Páscoa é tocar e acompanhar Jesus nos chagados da vida.
Páscoa é também (ao mesmo tempo) sentir nas mãos e nos dedos, no coração e no
olhar, o abraço de amor de todas as pessoas. Não há Páscoa de Jesus sem
corpo-a-corpo de intimidade e proximidade, de homens e mulheres, de crianças e
idosos, nos diversos tipos de encontro e comunhão, não para possuir mas para
compartilhar, não para impor-se, mas para juntos abrir caminhos sempre novos de
respeito e admiração. Assim nos toca Jesus, assim se deixa tocar por nós.
Texto bíblico: Jo 20,19-31
Na oração: Trazemos gravadas em nossa geografia
corporal infinitas pequenas mortes e feridas; às vezes tão pequenas que não
deixam cicatrizes visíveis, mas estão aí, cravadas em nosso corpo.
Contemplando as chagas do Ressuscitado, seremos capazes de
reconhecer que fomos criados para ressuscitar, com as nossas feridas
integradas, pacificadas, iluminadas...; nossa sensibilidade será ativada o
suficiente para poder reconhecer esses mesmos sinais de dor em outros corpos e
rostos.
- “Fazer memória” das cicatrizes na sua história corporal,
unindo-as às “feridas do Ressuscitado”.
Isso já é ressurreição, plenitude do mistério da comunhão
através dos gestos, da proximidade, do abraço...
A cada abraço sentido, uma ressurreição também vivida!