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domingo, 27 de outubro de 2019

O PRIMEIRO CONVERTIDO DE SANTA TERESINHA – Plinio Maria Solimeo


27 de outubro de 2019

Plinio Maria Solimeo

No dia 17 de março de 1887, um crime monstruoso ocorrido na Rua Montaigne, em Paris, abalou a França. Num tríplice assassinato, uma cortesã, sua criada e uma filha desta foram cruelmente mortas.

Quatro dias depois a polícia de Marselha anunciava a prisão do suspeito, um italiano de nome Henrique Pranzini, que disse conhecer a vítima, mas jurou inocência, apesar de a polícia ter encontrado roupas sujas de sangue em suas acomodações.

À medida que as investigações prosseguiam, outras evidências surgiam contra Pranzini. Contudo, ele continuava a negar o tríplice assassinato, dizendo que passou a noite do crime com sua concubina, que confirmou a história. Entretanto, ela encaminhou depois ao magistrado uma carta na qual se retratava, afirmando que no dia seguinte ao assassinato fora procurada por Pranzini, que lhe pediu dinheiro para poder deixar Paris, sendo atendido. Assim, em vez de inocentá-lo, incriminava-o ainda mais.

Quem era Pranzini

Segundo as investigações da polícia, Pranzini nasceu em 1856 na colônia italiana de Alexandria, no Egito. Trabalhara no correio daquele país, mas fora expulso por roubo. Depois serviu de intérprete na Rússia e no Sudão. Girou também pelo Afeganistão e por Burma. Em todos esses lugares circulavam rumores de crimes que ele teria cometido.

Pranzini chegou a Paris em 1886, sem um tostão. Mas aos poucos foi se relacionando com várias mulheres, sobretudo no bas-fond, entre as quais “Madame de Montille”ou Marie Regnault, uma de suas vítimas no tríplice assassinato.

O Julgamento

O julgamento de Pranzini ocorreu em meados de julho, tendo sido acusado de assassinar no dia 17 de março Marie Regnault, sua criada, que procurara socorrê-la, e uma filha desta de doze anos. Como agravante, era acusado também de roubo de jóias e dinheiro, e de tentativa de arrombar um cofre.

No dia 13 de julho o júri deu seu veredicto: Pranzini foi julgado culpado e condenado à morte. A sentença capital deveria ser executada no final de agosto.Tanto a imprensa nacional quanto a internacional deram farta cobertura a todo o caso.

Santa Teresinha e Pranzini

Por isso, o eco dessas trágicas notícias chegou até os Buissonnets, em Lisieux, onde vivia a família Martin. E comoveu muito a adolescente Teresinha, então com 14 anos [foto ao lado com 13 anos].
Ora, ela passava na época por uma grande experiência mística, relatada em sua autobiografia como “a graça de Natal”, um de cujos frutos é assim descrito: “Senti a caridade entrar em meu coração. […] Jesus […] fez-me pescadora de almas. Senti o grande desejo de trabalhar pela conversão dos pecadores, desejo jamais sentido tão vivamente”.

Esse desejo encontrou exatamente em todo o caso Pranzini uma ocasião de se manifestar: “Para excitar meu zelo, Nosso Senhor mostrou-me que meus desejos Lhe eram agradáveis. Ouvi falar de um grande criminoso que acabava de ser julgado por crimes horríveis. Tudo levava a crer que ele morreria na impenitência. Quis a todo custo impedir que caísse no inferno. Para consegui-lo, empreguei todos os meios imagináveis. Sentindo que não podia nada por mim mesma, ofereci a Deus todos os méritos infinitos de Nosso Senhor, os tesouros da Santa Igreja, enfim, pedi a Celina [irmã de Sta. Teresinha] que mandasse celebrar uma Missa nas minhas intenções”.

Acreditava, mas queria um sinal

Quando se aproximava o dia da execução de Pranzini, Teresinha estava convicta de que seria atendida. Diz ela: “Sentia no fundo do coração que nossos desejos [dela e de Celina] seriam satisfeitos. Mas, a fim de aumentar minha coragem para continuar a rezar pelos pecadores, disse a Nosso Senhor que estava certa de que Ele perdoaria o pobre e infeliz Pranzini. E que eu cria, ainda que ele não se confessasse e não desse nenhuma prova de arrependimento, de tal modo eu tinha confiança na misericórdia infinita de Jesus. Todavia, eu pedia somente um ‘sinal’ de arrependimento, para minha simples consolação”.

Chegado o dia da execução, na manhã de 31 de agosto de 1887, dois guardas e um capelão levaram o condenado ao pátio da prisão, onde estava montada a guilhotina.

 Sta. Teresinha reza pela conversão do condenado
Pranzini realmente não se confessou, nem deu mostras de arrependimento. Entretanto, chegando ao pé do cadafalso, virou-se inesperadamente para o capelão, pediu-lhe o crucifixo que levava, e o osculou três vezes antes de receber o golpe fatal que lhe deceparia a cabeça.

Esse foi o “sinal”. Narra Santa Teresinha: “No dia seguinte ao de sua execução, tomo o jornal ‘La Croix’, abro-o ansiosamente, e o que vejo? […] Pranzini não se confessara. Subira ao cadafalso e estava prestes a passar sua cabeça pelo lúgubre orifício da guilhotina quando, tomado por súbita inspiração, volta-se de repente, toma o Crucifixo que lhe apresentava o padre, e beija por três vezes as chagas sagradas!… Em seguida, sua alma foi receber a sentença misericordiosa d’Aquele que declarou que haverá no Céu mais alegria por um só pecador que faz penitência, do que por 99 justos que não necessitam dela”.
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PALAVRA DA SALVAÇÃO (154)


30º Domingo do Tempo Comum – 27/10/2019


Anúncio do Evangelho (Lc 18,9-14)
— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo Lucas.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, Jesus contou esta parábola para alguns que confiavam na sua própria justiça e desprezavam os outros: “Dois homens subiram ao Templo para rezar: um era fariseu, o outro cobrador de impostos.
O fariseu, de pé, rezava assim em seu íntimo: ‘Ó Deus, eu te agradeço porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos. Eu jejuo duas vezes por semana, e dou o dízimo de toda a minha renda’.
O cobrador de impostos, porém, ficou à distância, e nem se atrevia a levantar os olhos para o céu; mas batia no peito, dizendo: ‘Meu Deus, tem piedade de mim que sou pecador!’
Eu vos digo: este último voltou para casa justificado, o outro não. Pois quem se eleva será humilhado, e quem se humilha será elevado”.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Padre Roger Araújo:

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A impiedosa leveza de sentir-se superior aos outros
“...porque não sou como os outros homens, ladrões, desonestos, adúlteros, nem como este cobrador de impostos” (Lc 18,11) 

Na pregação e na prática de Jesus nós nos deparamos com uma espiritualidade que vem de “baixo”,  que brota do encontro com a fragilidade humana. Ele, conscientemente, se compromete com os publicanos e pecadores, com os pobres e doentes... porque sente que eles estão abertos ao amor de Deus. Os “justos” (praticantes da lei e observantes das normas religiosas), pelo contrário, vivem centrados em si mesmos e são aqueles que entram em permanente conflito com Jesus.

Os “fariseus” são os típicos representantes de uma espiritualidade legalista, distante da realidade humana. Eles não percebem que, observando detalhadamente todas as leis, não estão pensando em Deus, mas sim, em si mesmos. No fundo, não tem necessidade de Deus. Acreditam que cumprindo perfeitamente todos os mandamentos por suas próprias forças, tem o direito de exigir de Deus uma recompensa. Não buscam viver o encontro com o Deus de misericórdia; o que mais lhes interessa é o cumprimento minucioso das normas e ideais que se impuseram a si mesmos. De tanto se fixarem sobres as leis, esquecem o que Deus realmente deseja do ser humano, tornam-se frios, insensíveis... e assumem o papel de juiz para julgar o comportamento dos outros. Por isso Jesus os condena duramente, enquanto para os pecadores e fracos Ele se apresenta manso e misericordioso.

A parábola do “publicano e do fariseu” é como o espelho interior que nos desvela (tira o véu), nos ajuda a descobrir e acolher o que somos na realidade. Os personagens são muito simples, somente dois, estilizados, quase caricaturados: o “justo” e o “pecador”. Com os dois personagens e uma eloquente imagem na qual se vê refletida a atitude de cada um na oração, Jesus consegue nos colocar diante do espelho de nossa interioridade, desmascarando a estupidez da prepotência e nos animando a ativar a atitude da humildade, a mais humana das virtudes.

Cada um dos personagens se retrata a si mesmo em seu modo de orar. Porque, diante de Deus, por um lado, vê-se com maior claridade o absurdo de querer se colocar acima dos outros, e, por outro, a humanidade da humildade. Mas o espelho mostra que os papéis estão invertidos. Aquele que afirma ser “justo” e perfeito cumpridor das leis, na realidade é o desumano. E aquele que se reconhece pecador, prostrando-se ao solo, na realidade é o mais humano. Este, porque “desceu” do pedestal do ego, encontra a reconciliação.

Segundo Lucas, Jesus dirige esta parábola a alguns que se apresentavam serem “justos” diante de Deus e desprezavam os outros. Os dois protagonistas, que “subiram ao templo para orar”, representam duas atitudes religiosas contrapostas e irreconciliáveis. Mas, qual é a atitude justa e verdadeira diante de Deus? Esta é a pergunta de fundo. 

Quando nos vemos demasiadamente legalistas, demasiadamente perfeitos, exigentes, rígidos, ansiosos, agressivos, intolerantes..., agiríamos bem perguntando-nos o quanto do “fariseu” nos habita. Na parábola acima mencionada, os dois personagens correspondem a dois aspectos de nossa própria pessoa. Vive em cada um de nós um eu prepotente, que se considera justo e rejeita todo o imperfeito; é o eu rígido, fruto da super exigência, que se identifica com a imagem idealizada de si mesmo e se alimenta do orgulho. Mas junto a ele, e com frequência sufocado, vive “outro eu” que teve de esconder-se porque não se sentiu reconhecido em sua verdade, nem aceito em seus limites.

Somente quando integrarmos e nos reconciliarmos com os aspectos que tínhamos negado ou até rejeitado – o publicano - poderemos alcançar a paz e a harmonia estáveis.  Portanto, nosso grande empenho não consiste em sermos “perfeitos”, mas “completos”. Na medida em que somos mais “completos”, porque aceitamos de maneira integral toda a nossa verdade, vamos nos tornando mais compassivos e humanos.

A parábola nos revela que a reconciliação virá por esse lado. Precisamos abraçar toda a nossa frágil realidade em toda a sua verdade e, a partir dessa humildade, começar a viver em gratuidade e em gratidão. Deus tem mais facilidade de entrar em nossa vida pela porta da fragilidade e da limitação; ao contrário, não encontra acesso à nossa vida quando estamos petrificados em nosso perfeccionismo e fechados em nossa soberba. 

Será justamente a partir da consciência de nossa pobreza e de nossa negatividade que poderemos nos abrir à experiência da gratuidade divina; é quando nos encontramos sem nada que sentimos mais necessidade de nos abrir para cumular-nos dos dons da graça divina.

A parábola nos fala da necessidade de acolher o desprezível que descobrimos em nós, de receber amorosamente em nossos braços o pobre “publicano interior”, de contemplá-lo com olhos compassivos e alimentá-lo. Desse modo, iremos reduzindo nosso abismo interior e avançaremos para a totalidade a que Deus nos chama em Jesus. 
Em outras palavras, a transformação interior só pode acontecer quando tudo quanto está em nós é referido a Deus, ao Deus que nos ama e nos conduz à verdade de nossa existência. Tudo quanto pensamos e sentimos acontece na presença de Deus, Aquele que nos olha com bondade e compaixão e que vê até o fundo de nossos pensamentos e sentimentos. 

A humildade é o coração mesmo da mensagem bíblica; ela é a transparente verdade que enobrece e engrandece, porque dá a exata medida de nossa fraqueza e limitação. Ela é o segredo da paz interior.

Sabemos que uma das fontes de angústia e ansiedade é constatar a diferença entre o que pretendemos ser, o que gostaríamos de ser e o que realmente somos. 

“A humildade é a verdade” (S. Tereza d’Ávila); ser o que se é, nada acrescentar, nada tirar, aceitar seu húmus, sua condição terrosa, suas grandezas e seus limites; maravilhar-se de que esta argila infinitamente frágil seja habitada pela santidade e seja capaz de amar. “Todo aquele que se exalta será humilhado, e quem se humilha será exaltado” (Lc. 18,14). 

A humildade, portanto, implica reconciliar-nos com a nossa condição terrena, com o mundo de nossos instintos e paixões, com o nosso lado sombrio. Nós temos necessidade de bastante contato com o chão de nossa existência para que o salto para Deus possa acontecer. O caminho para Deus passa sempre pela experiência da própria fraqueza. Quando não conseguimos mais nada, quando tudo nos foi retirado das mãos, quando somos forçados a constatar que fracassamos, aí é também o lugar onde já não nos resta outra coisa senão entregar-nos nas mãos de Deus, abrir nossas mãos e apresentá-las vazias a Deus.

A experiência de Deus nunca é uma recompensa pelo nosso esforço, mas sim, a resposta à nossa própria indigência. Entregar-nos a Deus é a meta de todo caminho espiritual. 

Texto bíblico:  Lc 18,9-14 

Na oração: Na perspectiva cristã nada se perde; na oração, aprendemos a acolher e a conviver com os cacos e fragmentos de nossa vida, e a partir daí, com a graça de Deus, podemos construir algo novo e surpreendente.
- Deixe-se “desvelar” por Deus: quanto há de “fariseu” em seu coração? Quanto há de “publicano”?
  Em quê circunstâncias de sua vida transparece o “fariseu” ou o “publicano”?

Pe. Adroaldo Palaoro sj

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