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sexta-feira, 24 de fevereiro de 2017

CARTA DE AMOR - Por Luisa Geisler

Carta de Amor


Meu Querido,
Não sei por onde começar. Nós nos falamos tanto e tão pouco. Talvez eu deva usar um começo clichê pra cartas como estas. Peço desculpas por isso, sei como é algo que te fere.
Mas sinto tua falta.

Tu, que aceitou e aceita minhas esquisitices, minhas escolhas gaúchas.

Um amigo me disse que a ideia de fazer um mestrado em Criação Literária, em Creative Writing era um pouco absurda.
Ele mesmo se considerava fluente e dizia que não se sentiria confortável. A questão não era fluência em si, ele dizia.

Mas tu perdoou e compreendeu, como sempre, como até hoje. Tu sabe que comecei a me relacionar com outros muito cedo. Uma geração que nasceu ouvindo a lenga-lenga toda de globalização, uma geração de anjos alfabetizados em inglês.

Ignorei meu amigo, segui em frente com as applications. Achava que seria mais fácil. Tu sabe que trabalho e trabalhei com tradução do Inglês e do Francês. Só aí já te traio com tanta frequência. Já passei longos períodos de tempo longe de ti. Uso expressões gringas o tempo todo. Fiz 96,8% de acertos totais no TOEFL, Test of English as a Foreign Language. Mas, como já diria Wesley Safadão, aquele 1%… (No caso, 3,2%.) Não é o mesmo sem o teu calor em torno. Algumas palavras que em inglês pareciam ajudar a ilustrar um ponto agora parecem atrolhar tudo. Atrolhar, olha que linda palavra.

Não que faltem palavras, não que eu não consiga me expressar. Não me vejo como uma pessoa que inventa moda com linguagem. Ah, inventar moda, olha que bela expressão. Amo Guimarães Rosa, Manoel de Barros, mas meu vocabulário total em português deve ter umas trinta e cinco palavras — talvez cinquenta se contar as expressões pra comida. Uso no máximo três tempos verbais. Então não é o vocabulário, e não é a fluência, como disse meu amigo.

Consigo discutir com os coleguinhas em aula — e, ah, discutiria mesmo se não conseguisse em certos momentos. Escrevo meus assignments em inglês, os professores conversam comigo depois da aula, corrigem alguns ons que são ins, dizem que algumas coisas são bastante publicáveis e que eu deveria começar a pensar nisso. I can get the message across, entende?

Existem um milhão de memes sobre palavras em inglês e em francês e em alemão e em japonês que significam sentimentos específicos, ideias tão complexas. Como a famosa Schadenfreude — literalmente, alegria do dano — e traz a ideia de satisfação e alegria dado pelo sofrimento ou infortúnio de um terceiro. Como L’esprit de l’escalier, Tsundoku e a menos famosa Leidenschaft, que meu pobre editor Marcelo Ferroni conhece há tanto tempo.

Mas a gente tem tantas palavras for granted o tempo todo.
Tipo atrolhar. Tipo chamego, dengo. Existem milhões de autores geniais em inglês, mas esses tempos quis mencionar um negócio que o Luiz Ruffato falou e fiquei parecendo a pessoa que lê as coisas mais underground do mundo. E Guimarães Rosa? E Machado de Assis? Referências indie, todos.

Não que nós não soubéssemos que ia ser assim. Era óbvio que seria. Não que eu esteja me queixando. Por mais que estejamos distantes, sei que nossa relação cresce, cresceu, vem crescendo e crescerá ainda mais. Mas fazes-me falta, entende? Preciso deixar claro.

Em agosto, não só tenho que entregar uma tese quanto tenho que entregar um projeto criativo, um romance. E vai ser sobre nós, sobre os deslocados, somos os emigrantes e imigrantes. Só que não sei se vou saber fazer sem a tua ajuda.
Apesar de fazer tudo com o outro, ainda sonho contigo todas as noites.

Espero que não te ofenda, mas talvez mais do que de ti, Português, eu sinta falta da Língua Brasileira. Língua Brasileira, como diz no título do livro do Sérgio Rodrigues. Talvez mais do que tua falta, eu sinta falta de ser brasileira.
Talvez não.

Fique bem.
Com saudades (essa palavra intraduzível),
Luisa
* * * * *

Luisa Geisler nasceu em Canoas (RS) em 1991. Publicou Contos de mentira(finalista do Jabuti, vencedor do Prêmio SESC de Literatura), Quiçá (finalista do Prêmio Jabuti, do Prêmio São Paulo de Literatura e do Prêmio Machado de Assis, vencedor do Prêmio SESC de Literatura). Seu último livro, Luzes de emergência se acenderão automaticamente, foi publicado pela Alfaguara em 2014. Tem textos publicados da Argentina ao Japão (pelo Atlântico) e acha essa imagem simpática.



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BEM-TE-VI! BEM-TE-VI! – Marília Benício dos Santos

Bem-te-vi! Bem-te-vi! 


Todas as manhãs acordo com a insistência desse passarinho afirmando que me viu.

Quando, onde e como você me viu, passarinho?

A janela do meu quarto, além de persiana tem cortina. O meu apartamento é de fundo e fica no primeiro andar. Então quando você me diz que me viu, penso que talvez você tenha pirado. E chego a ficar irritada porque gostaria que fosse verdade. Que pelo menos, eu pudesse vê-lo. Mas tudo bem, passarinho. É bom acordar com sua fala, é gostoso fazer de conta que você me viu e que eu o vejo.

 O mais positivo nisto, é que você me lembra que eu estou viva. Que o dia amanheceu. Que cada dia é um recomeçar. Então quando você me diz que me viu bem, eu acordo feliz. Dou graças a Deus por estar viva, por ouvir o seu canto.
Imediatamente pulo da cama e vou para a praia para melhor curtir a vida. Ohar o céu se encontrando com o mar, lembrando o infinito. O sol derramando os seus primeiros raios sobre as águas do mar, sobre a areia que às vezes se torna cristalina. Algumas pessoas, que também querem aproveitar o espetáculo oferecido pelo Pai, também já estão lá; andando, fazendo ginástica ou mergulhando nas ondas do mar. Será que também foram despertadas por você, meu bem-te-vi?

Obrigada meu bem-te-vi, você cumpriu sua missão. Sua voz é a manifestação do amor de Deus. Você não se incomodou que eu o visse ou se a sua voz iria ou não ser ouvida.

 E você continuou insistindo: bem-te-vi, bem-te-vi.

Obrigada meu bem-te-vi, você não me viu, mas Deus vê, em qualquer circunstância. Ao ouvir o seu canto, lembro-me de Deus que está sempre a escutar-me. O importante é descobri-lo nos pequenos acontecimentos como num canto de pássaro.


(CARROSSEL)

Marília Benício dos Santos

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O PAGADOR DE PROMESSA! - Antonio Nunes de Souza

O pagador de promessa!


Roubei esse título do filme nacional inesquecível, ganhador do maior prêmio internacional da cinemateca brasileira, para aplicar ao terrível e inacreditável prefeito da cidade, senhor Fernando Gomes que, na sua última campanha, prometeu um carnaval antecipado para sua galera de eleitores, e, com o município cheio de problemas em todas as áreas, atropelou, sugestões das leis constituídas, algumas alas da sociedade e outras coisas mais, realizou o tríduo momesco, alegrando os foliões e o povão da vizinhança!

Sem que essa crônica seja para elogiá-lo como administrador, mas, com certeza, é para demonstrar que, quando se deseja, politicamente, as coisas acontecem. Talvez até seja preferível se ter um “ficha suja” operante, que um ficha limpa incompetente que não respeita o povo que o elegeu, entregando a administração nas mãos de outros interesseiros políticos que deixam e deixaram a desejar!

Essa já é a segunda promessa cumprida em sua gestão de sessenta dias. A primeira foi super imediata a sua posse, reabrindo a passagem do rotatório do S. Caetano. Agora, logo após o famoso carnaval antecipado, que foi realizado como um rolo compressor em cima dos adversários, o prefeito, nosso pagador de promessa, fez mais uma que, com certeza, será de grande valia: “JERICO GATE”, ou seja, mais popularmente falando: "A PONTE DO JEGUE”.

Como todos devem ter visto nos noticiários, o prefeito “pentacampeão”, prometer inaugurar no aniversário da cidade, uma passarela utilizando a Ilha do Jegue como suporte, que irá do bairro da Conceição para a Praça Olinto Leone, facilitando, assim, a passagem dos moradores do bairro para o centro, inclusive, economizando o pagamento do transporte urbano.

Quanto aos problemas básicos de saúde, segurança, saneamento, ruas esburacadas, escolas, educação, etc., estes até agora nada foi feito de significativo, mas, todos sabem que, entra e sai governos e continuam as mesmas coisas, parecendo que já fazem parte da vida normal do povo!

O fato é que ele pode não ser o “salvador da pátria”, mas, sem dúvida, está sendo o pagador de promessa!


Antonio Nunes de Souza, escritor
Membro da Academia Grapiúna de Letras – AGRAL  

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A LEI E OS DRAMAS HUMANOS - João Baptista Herkenhoff

A lei e os dramas humanos


O jurista não lida com pedras de um xadrez, mas com pessoas, dramas e angústias humanas


          Em outros tempos o cidadão comum supunha que o território do Direito e da Justiça fosse cercado por um muro. Só os iniciados – os que tinham consentimento dos potentados – poderiam atravessar a muralha. O avanço da cidadania, nos últimos tempos de Brasil, modificou substancialmente este panorama.

           O mundo do Direito não é apenas o mundo dos advogados e outros profissionais da seara jurídica. Todas as pessoas, de alguma forma, acabam envolvidas nisto que poderíamos chamar de "universo jurídico".  Daí a legitimidade da participação do povo nessa esfera da vida social.

           Cidadãos ou profissionais, todos estamos dentro dessa nau. De minha parte foi como profissional que fiz a viagem.
Comecei como advogado, integrei depois o Ministério Público. Após cumprir o rito de passagem, vim a ser Juiz de Direito porque a magistratura era mesmo o meu destino. Eu seria juiz no Espírito Santo, como juiz foi, não no Espírito Santo, meu avô pernambucano – Pedro Carneiro Estellita Lins. Esse avô, estudioso e doce, exerceu tamanho fascínio sobre mim que determinou a escolha profissional que fiz.

            Meu caminho, nas sendas do Direito, foi marcado de sofrimento em razão de conflitos íntimos.

            Sempre aprendi que o juiz está submetido à lei. E continuo seguro de que este princípio é verdadeiro. Abolíssemos a lei como limitação do poder e estaria instaurado o regime do arbítrio.

            Não obstante a aceitação de que o "regime de legalidade" é uma conquista do Direito e da Cultura, esta premissa não deve conduzir à conclusão de que os juízes devam devotar à lei um culto idólatra.

            Uma coisa é a lei abstrata e geral. Outra coisa é o caso concreto, dentro do qual se situa a condição humana.

            À face do caso concreto a difícil missão do juiz é trabalhar com a lei para que prevaleça a Justiça.

            Não foram apenas os livros que me ensinaram esta lição, mas também a vida, a dramaticidade de muitas situações.

            Há uma hierarquia de valores a ser observada.

            Não é num passe de mágica que se faz a travessia da lei ao Direito. Muito pelo contrário, o caminho é difícil. Exige critério, sensibilidade e ampla cultura geral ao lado da cultura simplesmente jurídica.

            O jurista não lida com pedras de um xadrez, mas com pessoas, dramas e angústias humanas. Não é através do manejo dos silogismos que se desvenda o Direito, tantas vezes escondido nas roupagens da lei. O olhar do verdadeiro jurista vai muito além dos silogismos.

            Da mesma forma que os cidadãos em geral não podem fechar os olhos para as coisas do Direito, o estudioso do Direito não pode limitar-se ao estreito limite das questões jurídicas. O jurista que só conhece Direito acaba por ter do próprio Direito uma visão defeituosa e fragmentada.

             Estamos num mundo de intercâmbio, diálogo, debate.

             Se quisermos servir ao bem comum, contribuir com o nosso saber para o avanço da sociedade, impõe-se que abramos nosso espírito a uma curiosidade variada e universal.


João Baptista Herkenhoff, 81 anos, magistrado aposentado, é Professor da Faculdade Estácio de Sá de Vila Velha (ES) e escritor. Autor do livro Dilemas de um juiz: a aventura obrigatória (Rio, GZ Editora, 2009).



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A CALMARIA QUE PRECEDE AS TEMPESTADES

21 de fevereiro de 2017
Leo Daniele

Na Cova da Iria, na sexta aparição de Nossa Senhora de Fátima, em outubro de 1917, a multidão testemunhou o impressionante “Milagre do Sol”



Do fictício triângulo Putin, Trump e Papa Francisco, hoje no ápice do poder mundial, qualquer coisa se pode esperar: ou o tudo, carregado de vermelho-sangue, ou o nada de uma água parada, onde só se ouve o coaxar dos sapos.

Mas entre esse “tudo” e esse “nada” temos um terceiro elemento: o caos. Que é o caos? É confusão, pandemônio, acontecimento sem nexo, desordem, bagunça, vazio, frenesi etc. Tem ainda sentidos eruditos, como anarquia, acédia, pós-modernidade, niilismo, budismo, despersonalização!

O referido “triângulo” está estabelecido no ano do centenário das aparições de Nossa Senhora de Fátima, nas quais Ela previu catástrofes; mas que, por fim, seu Imaculado Coração triunfará. Será 2017 mais um ano de calmaria?

Lembremos as palavras de Plinio Corrêa de Oliveira em sua famosa obra Revolução e Contra-Revolução: “Essas calmarias são meras metamorfoses da Revolução. Os períodos de tranquilidade aparente, supostos interstícios, têm sido em geral de fermentação revolucionária surda e profunda” (cfr. Parte I, cap. IV).

Na sexta aparição de Nossa Senhora em Fátima, quando ocorreu o “Milagre do Sol”, Ela se fez ver revestida com o Escapulário do Carmo.

No contexto de Fátima, este ano de 2017 será também o centenário do extraordinário Milagre do Sol — ocorrido por ocasião da última aparição, no mês de outubro. Eis as palavras da irmã Lucia a respeito: “Das mãos sagradas d´Ela partiu uma luz que marcava o próprio sol. Isto durou apenas um instante. A imensa bola começou a ‘bailar’”. A palavra bailar está entre aspas e foi tirada do próprio depoimento das crianças, bem como de todas as pessoas que presenciaram o milagre.

“Qual gigantesca roda de fogo, o sol girava rapidamente”.

“Parou por certo tempo para recomeçar, em seguida, a girar sobre si mesmo vertiginosamente. Depois, seus bordos tornaram-se escarlates e deslizou no céu como um redemoinho, espargindo chamas vermelhas de fogo”.

Inicia-se, então, uma nota de ameaça. A partir de certo momento o globo se torna escarlate, e começa a espalhar fogo pelo céu. É uma coisa que, naturalmente, causa terror. E depois continua:

“Essa luz refletia-se no solo, nas árvores, nos arbustos, nas próprias faces das pessoas, e nas roupas, tomando tonalidades brilhantes e diferentes cores.

“Animado três vezes de um movimento louco, o globo de fogo pareceu tremer, sacudir-se e precipitar-se em ziguezague sobre a multidão aterrorizada.

“Durou tudo uns dez minutos. Finalmente o sol voltou em ziguezague para o ponto de onde se tinha precipitado, ficando novamente tranquilo e brilhante, com o mesmo fulgor de todos os dias. O ciclo das aparições havia terminado.”

O que significa toda essa simbologia de Fátima? Porque, evidentemente, é uma simbologia; não se pode negar, disse Dr. Plinio. Nos dias atuais, talvez a realidade supere a simbologia, esperemos que seja para o bem!

Fátima faz parte da realidade, e o Milagre do Sol, como é indiscutível, faz parte de Fátima. Temos aqui um tema para nossas reflexões e conclusões, neste chamativo centenário.


http://www.abim.inf.br/a-calmaria-que-precede-as-tempestades/#.WLA21m8rLIU

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