Um Brasil menor
Éramos jovens. Nos
conhecemos no Rio de Janeiro, na Rua Otaviano Hudson, onde José Aparecido
mantinha uma pensão estudantil, udenista, com ramificações pela esquerda.
Pertence era mais ligado a seu irmão Modesto, da UNE, onde tinha posições de
liderança. Eu começava minha carreira como deputado federal, ligado a Magalhães
Pinto, de quem Aparecido era secretário particular. Era um tempo em que eu
chamava Pertence de "Zé Paulo", e ele a mim de "Zé"; quando
nos encontrávamos e não tinha abelhudo por perto, eu repetia os tratamentos da
mocidade: "Ministro Zé Paulo". E ele, "Excelência Zé". Na
Presidência da República tudo isso terminou.
Pertence era uma
enciclopédia de Direito. Sabia tudo, raciocinava tudo pelo lado jurídico, que
aliava a uma personalidade digna, ética, honrada e sem concessões morais de
nenhuma natureza.
Como advogado,
competente; como juiz, impecável. Isso não prejudicava a personalidade do
contador de histórias de Minas, de mineiros. Excepcional e sedutora
personalidade, amigo que não deixava esta misturar-se aos seus deveres jurídicos
e a sua impecável retidão.
Em 1960, fomos dos
primeiros a nos mudar para Brasília. Ele vinha de Minas Gerais, onde fizera um
brilhante curso de Direito, para iniciar sua extraordinária carreira de
advogado. Tínhamos muitos amigos comuns, sobretudo no grupo mineiro, sempre
coeso, entre eles Carlos Castello Branco — mineiro de Teresina —, Vera Brandt,
Benedito Coutinho, Otto Lara Resende, Magalhães Pinto, José Aparecido de
Oliveira e uma imensidão de amigos e, mais do que amigos, de admiradores de
suas qualidades inexcedíveis. Tive a honra e a sorte de torná-lo meu amigo;
sobretudo, ele tinha uma grande capacidade de dar conselhos quando solicitado.
Eu muitas vezes me socorria a ele em momentos de dúvidas.
Ele entrou para o
Ministério Público e passou um tempo no Supremo como assessor de Evandro Lins e
Silva. Foi cassado em 1969 pelo regime militar e voltou à advocacia dividindo a
banca com Victor Nunes Leal, também ele atingido pelo AI-5 — o autor do
imperdível Coronelismo, enxada e voto era então um dos grandes nomes do Supremo
Tribunal Federal —, e Cláudio Lacombe, José Guilherme Vilela, Pedro Gordilho.
Em tudo que fez na
vida, José Paulo mostrou-se um predestinado. Assim, Pertence casou-se com uma
extraordinária figura humana, Suely Castello Branco, pessoa de imensa bondade,
formando uma família exemplar, com os filhos Pedro Paulo, Evandro e Eduardo.
Tancredo Neves o
convidou para Procurador-Geral da República, deixando-me a missão de nomeá-lo
para o cargo em que teve, entre outras tarefas, a de encaminhar na Constituinte
as transformações do Ministério Público da União, que ele depois repetia:
Golbery dizia que fundou o SNI, um monstro, e ele, o Ministério Público, uma
medusa.
Dei a ele todo o
meu apoio, mesmo quando, algumas vezes, deixou o governo em posição
desconfortável. Ele cumpria o seu papel, eu, o meu.
Em 1989 surgiu no
Supremo Tribunal Federal a vaga deixada por Oscar Dias Correia — ainda um
mineiro. Indiquei José Paulo Sepúlveda Pertence. Não poderia ter indicado
ninguém melhor — e orgulho-me de minhas outras indicações, todos grandes
ministros: Carlos Madeira, Célio Borja, Paulo Brossard, Celso de Mello.
O Supremo era o
lugar certo para o homem certo, inverto o lugar-comum para exprimir o casamento
perfeito entre o homem e a Instituição. Lá ele se tornou mestre, professor e
exemplo, transformando-se num dos maiores ministros que já teve o Supremo
Tribunal Federal. Seu conhecimento jurídico, sua compreensão do fato julgado,
sua interpretação da Constituição e do Direito, sua percepção do contraditório,
sua visão de humanista, seu conhecimento da História, tudo contribuía para a
perfeição do seu voto. Todos o ouviam com o respeito que se deve a um oráculo;
mesmo se algum discordava, sabia que tinha pela frente uma análise difícil de
superar. Com poucas exceções, seu voto era o voto vencedor. A jurisprudência
saía dele mais rica — e, algumas vezes, reformada em nova e definitiva direção.
Sua palavra foi de
equilíbrio, bom senso, boa direção. Conversamos muito. Era um excelente
ouvinte, mas melhor ainda contador de histórias. E tinha sempre uma pontuação
inteligente, de fino e preciso humor.
José Paulo
Sepúlveda Pertence foi um homem de caráter irretocável, de absoluta integridade
moral, com o mais arguto senso do que era justo.
Embora permaneça
conosco em sua figura íntegra e irretocável, fará falta. Muita, muita falta!
O Brasil está
menor.
Imirante,
04/07/2023
https://www.academia.org.br/artigos/um-brasil-menor
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José Sarney - Sexto ocupante da Cadeira nº 38 da ABL, eleito
em 17 de julho de 1980, na sucessão de José Américo de Almeida e recebido em 6
de novembro de 1980 pelo Acadêmico Josué Montello. Recebeu os Acadêmicos Marcos
Vinicios Vilaça e Affonso Arinos de Mello Franco.
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