“Jesus Cristo entrega as chaves dos Céus a Pedro”, Perugino (1450-1523).
Padre David Francisquini*
Nada mais consentâneo com a condição sacerdotal do que fazer
uso da autoridade divina das verdades reveladas para cumprir a missão de
ensinar, guiar e santificar as almas neste vale de lágrimas.
Com efeito, a crise espiritual que assola o homem
pós-moderno — qualificativo utilizado para causar expectativa de “bons fluidos”
— é a fonte de tantos males. O ensinamento dos santos ao longo dos séculos
consistiu em advertir e instruir os fiéis a propósito da falta de vida interior
e de ocupação com tudo aquilo que norteia as almas, a fim de conduzi-las ao seu
fim último, que é Deus.
A disposição dos evangelhos, abrindo e fechando o ano
litúrgico, nos mostra a importância desses ensinamentos: “Vigiai e orai para
não cairdes em tentação” (Mt 26, 41), para o qual as pessoas devem se ater
sempre, já que a insistência do inimigo infernal é contínua e implacável contra
uma pessoa e mesmo povos inteiros.
Não é bem isto que vem acontecendo hoje, em todos os
ambientes frequentados por nós? Não é verdade que com suas artimanhas
envolventes os asseclas infernais dispersos pela Terra procuram levar-nos para
o abismo, ora por meio de ideologias, ora por manobras políticas ou falsas
religiosidades? Fica, portanto, a advertência: “Vigiai e orai”!
Eis as maravilhosas afirmações da Escritura, sustentáculo da
nossa fé, a nos asseverar com as palavras de São Paulo: “Toda Escritura
divinamente inspirada é útil para ensinar, repreender, corrigir, formar na
justiça, a fim de que o homem de Deus seja perfeito, apto para toda boa
obra” (II Tim. 3, 16-17).
Ademais, é-nos imensamente vantajoso deixar-nos conduzir por
Aquele que é o caminho, a verdade e a vida: “[…] andai enquanto tendes
luz, para que não vos surpreendam as trevas; quem caminha nas trevas não sabe
aonde vai. Enquanto tendes luz, crede na luz para que sejais filhos da luz” (Jo
12. 35-36).
Reflita, caro leitor(a), quão benfazejas são essas palavras
nesses dias de tanta perplexidade diante das crises que nos assolam, a fim de
estabelecermos as balizas do pensamento e o critério de nosso peregrinar pela
terra. Podemos ver, tanto no evangelho de São Mateus, quanto no de São Lucas, a
narração do último domingo do ano litúrgico, dos acontecimentos que se abateram
sobre Jerusalém, como prefigura de todas as épocas de crise.
Pode-se constatar que, de crise em crise, a Igreja
instituída por Cristo Nosso Senhor chegou aos tempos atuais. Foram muitas e
clamorosas tentativas de subverter sua ordem e ensinamentos no decorrer das
centúrias, mas a Santa Igreja preservou e ensinou seus filhos, ministrando-lhes
os sacramentos e mostrando-lhes os caminhos da salvação eterna.
No Ofício Divino, São Jerônimo comenta as palavras do
evangelho, dizendo: “Quando virdes a abominação da desolação no lugar
santo predita pelo profeta Daniel, quem ler entenda. ”Estas palavras se
referem ao transtorno da fé que abalou os fundamentos do povo judeu, abolindo o
sacrifício e a oblação, deixando o templo desolado por ter perdido a sua
função.
Compreende-se, portanto, por que Pilatos colocou no Templo
as estátuas de César e de Adriano. Segundo a Escritura, a abominação é chamada
de ídolo, e a desolação é por ele ter sido posto no templo desolado e deserto.
Alguém ousaria contestar a semelhança com fatos do nosso
cotidiano? Não é bem verdade que assistimos hoje à introdução de ídolos e a
realização de cultos idolátricos no interior das nossas igrejas?
A história recente nos traz à memória, por exemplo, o
encontro interreligioso em Assis (1986), acontecimento-símbolo da mentalidade
nova que revolucionou o conceito infalível da existência de uma só religião
revelada, fora da qual não há salvação. É dogma de fé!
Tem-se, então, um pecado contra a fé, com uma agravante: a
introdução de ídolos pagãos, algo abominável diante de Deus, escândalo para
incontáveis almas, transtorno da ordem natural e divina que proclama o culto do
verdadeiro Deus. Tais acontecimentos, que significam um largo passo rumo à
panreligião, constituem uma ameaça cada vez maior para inúmeros fiéis.
Essas considerações devem nos fazer temer as consequências da
vida desregrada de nossos dias, que abrange todos os campos da ação humana. Em
todos eles os critérios divinos são sistematicamente rejeitados.
Meditemos, por exemplo, nesta advertência de Nosso Senhor,
referindo-se aos tempos do anticristo ou prefiguras dele que agem contra Deus,
promovendo a desolação em toda a terra: “Quando virdes estabelecida no
lugar santo a abominação da desolação” (Mt. 24, 15).
Ao ler comentários feitos pelos Padres da Igreja, podemos
adiantar-nos em outras considerações que se aplicam bem aos dias atuais, como a
introdução da Pachamama no templo de Deus. São Luís Grignion
de Montfort já predissera profeticamente: “Vossa divina fé é
transgredida, vosso evangelho desprezado; abandonada vossa religião; torrentes
de iniquidade inundam toda a terra, e arrastam até os vossos servos; a
terra toda está desolada; a impiedade está sobre um trono; vosso santuário é
profanado, e a abominação entrou até no lugar santo.”
Aqueles que buscam viver segundo a sã Doutrina de Nosso
Senhor não devem descer às coisas mais baixas pelo desejo mundano. “O
que está no campo, não volte atrás para tomar o seu manto”, isto é, não
volte às preocupações antigas, tornando a conviver no meio dos pecados
passados, que manchavam seu corpo e perdiam sua alma.
Daí a importância da verdadeira fé, da boa orientação
católica e da aquisição do senso do discernimento a fim de conhecer o momento
de fugir da abominação e se proteger dos perigos de condenação eterna — “Então
os habitantes da Judéia fujam para os montes” (Mt 24, 16).
Cumpre salientar que ouvimos com frequência interpretações
protestantes de textos bíblicos atribuindo aos fatos trágicos, mas naturais, ou
ainda da inter-relação humana, como sinais da segunda vinda do Messias, muito
embora se trate de algo que sempre aconteceu na história do mundo. Estas são
interpretações subjetivas.
Na realidade, quando Cristo diz que haverá sinais no sol, na
lua, nas estrelas e que as virtudes dos céus serão abaladas, a interpretação
mais lógica e prudente está em aplicar essas predições à própria Igreja, com o
efeito benéfico de não nos expormos ao debique dos inimigos a propósito de
considerações sobre calamidades tantas vezes ocorridas no mundo.
Afinal, a Igreja se assemelha ao sol, à lua e às estrelas.
Seu brilho poderá fenecer um tanto, em decorrência da violência inaudita de
seus perseguidores e do apodrecimento moral no campo religioso e civil, mas as
portas do inferno não prevalecerão contra Ela.
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*Sacerdote da Igreja do Imaculado Coração de Maria –
Cardoso Moreira (RJ).
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