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domingo, 31 de julho de 2022

RECORDAÇÕES DE UMA TERRA MARAVILHOSA - Carlos Pereira Filho



            Carlos Sousa, durante muitos anos, viveu em Itabuna. Teve roça de cacau, fazenda de pecuária, indústrias, e um grande número de amigos. Desfrutou das melhores condições sociais, políticas e econômicas. Não foi feliz, fracassou no comércio, na lavoura, na pecuária. Fracassou, onde todos prosperavam. Faliu, onde todos enriqueceram. Perdeu o nome, ele que poderia ser considerado um homem de bem e onde um simples trabalhador rural conseguia, em pouco tempo, o pomposo título de “coronel do cacau”, título de riqueza e consideração.

            Afastou-se de Itabuna, sem uma queixa, sem mágoa, sem ressentimento. Não havia amealhado o ouro, mas havia vivido numa terra maravilhosa, na convivência de seres humanos, dotados de qualidades, de inteligência, de capacidade de trabalho, um gênio empreendedor.

            Jamais poderia esquecer-se de Oscar Marinho, das suas palestras macias, sutis, maliciosas, da sua objetividade e daquela expressão que usava, quando confessava que tinha dois corações, um do lado direito, que funcionava para os negócios, outro do lado esquerdo, que funcionava para a vida do seu corpo. Carlos Sousa só possuía o coração do lado esquerdo.

            E de outros velhos companheiros, como Zacarias de Sousa Freire, de Ápio Lopes, Nicodemos Barreto, Artur Nilo de Santana, Astério Rebouças, Alfeu Suzart de Carvalho, Martinho Conceição, lutadores do progresso itabunense. Isto para não falar mais do Tourinho da farmácia, das suas palestras, das suas má-criações.

            Nunca ouviu Tourinho falar bem de um companheiro. Dos santos, ele só se referia bem a São José; ao resto não dava a menor atenção. Num tempo em que todo mundo respeitava os “responsos” do Moura Teixeira, para curar moléstias e picadas de serpentes, Tourinho mangava abertamente desses “milagres”.

            Gente ordinária, Carlos Sousa havia também conhecido, em Itabuna, mas preferia esquecê-la, como aquele pecuarista do “Pau Vermelho”.

            Que homem estúpido, malcriado, cheio de si, como se ele no invés do dinheiro, valesse alguma coisa. Também essa gente servia para contraste. Se não fosse um cidadão miserável como esse, como poderia avaliar a bondade de um cidadão, como foi Astério Rebouças?

            Tudo isso pertencia ao passado. Agora, em outra terra, Carlos Sousa tratava de uma vida, exercia outras atividades. O mundo não mudava. Sempre foi assim. No particular, Moura Teixeira talvez estivesse com a razão, quando afirmava que, neste vale de lágrimas, a vida é passageira, é uma provação.

            Em Itabuna ele, Carlos Sousa, passara uma parte da sua vida. Certamente o espírito que vivia no seu corpo era aquele que lhe havia revelado, numa sessão, “D. Ceci”, o espírito de um insatisfeito. Um espírito  que lutava para possuir uma fortuna imensa, para acumular riqueza enorme. Tanto que se metia em dezenas de negócios, com uma ânsia desesperadora de enriquecer. Não se contentava com o pouco, queria muito, dominar o muito, e por isso mesmo caíra como pássaro sem asas. Antes assim. Pior seria que seu espírito fosse atormentado pela ganância furiosa e a sovinice miserável que dominavam aquele médico, Dr. Coriolano Antunes. Que monstruosidade, que sofrimento! O homem  só queria ganhar e não gastar. Era de uma miserabilidade incompreensível. E como sofria a sua mulher! Coitada, não tinha direito a nada, nem a se vestir, nem a comer, nem a se divertir e, ainda, era obrigada a suportar a falta de respeito do marido, com as amas, as visitas, que frequentavam a sua casa. Parecia a Carlos Sousa que a provação do Dr. Coriolano se revestia de uma pena mais severa, mais dura. Quantos corpos, quantas vidas, não necessitaria o espírito do Dr. Coriolano para purificar-se até ao ponto de estender a mão para dar uma esmola?

            Enfim Carlos Sousa não queria pensar muito nestas coisas, com medo de perder o juízo. Estava pobre e fora de Itabuna.

            Consolava-se, é verdade, com as revelações espiritualistas, mas, no fundo, tinha a certeza de que tudo isso era consequência da luta materialista e capitalista. Luta cruel da concorrência, na qual um empobrecia, outro enriquecia. Um acumulava, outro se esvaziava. Homens e nações se empenhavam nessa batalha tremenda de amontoar riquezas e, quando um homem, ou uma nação conseguia amealhar, outro homem e outra nação sofriam as consequências e eram levados à miséria. Os resultados se positivavam em desequilíbrios sociais que levavam à fome, às revoluções e à guerra, de quando em quando.

            Falava-se num mundo melhor que a Rússia estava criando. Não acreditava muito nesse mundo povoado pelos homens secularmente defeituosos.

            Os homens, como as feras, como as serpentes, possuíam qualidades que o nascimento dava e somente a cova tirava. Quantos homens, antes e depois de Cristo, tinham imaginado um mundo mais justo e mais tolerante, no qual a infância não sofresse e a velhice não permanecesse abandonada?

            A cobiça humana sepultava os sentimentos bons. Muitas vezes ele sonhava que a humanidade era um pantanal sem fim, no qual brotava, , de longe em longe, a flor da virtude representada num lírio, alvo, como a luz da manhã, que entrava pela janela do seu quarto na casa que morava â beira do oceano, no bairro proletário do Malhado, na cidade de Ilhéus. Pensava nestas coisas e se contentava. Afinal de contas a felicidade não estava na riqueza como não estava na pobreza. Encontrava-se na paz do espírito. Não havia nas suas mãos dinheiro que desse para comprar o que desejava de luxo ou capricho; existia, todavia, espaço para o seu espírito elevar-se, pairar no reino das coisas belas e maravilhosas, que somente a inteligência pode construir, para lenitivo e paz da consciência.

 

(TERRAS DE ITABUNA – Cap. XXIX)

Carlos Pereira Filho

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