Total de visualizações de página

segunda-feira, 14 de maio de 2018

DOIS CRAQUES GRAPIÚNAS NA ELITE DO FUTEBOL BRASILEIRO - Cyro de Mattos


                      

          Refiro-me a Nandinho e Tuta, dois jogadores grapiúnas que brilharam   na elite do futebol brasileiro,  na  época do pré-estádio do Maracanã. Os jogos mais importantes no Rio eram realizados  até então em São Januário, o maior estádio de futebol carioca. O futebol nacional vivia a transição do amadorismo  para o profissional.
  
            O jogador Nandinho atuou  no Flamengo, formando com Zizinho e Pirilo o célebre  trio do primeiro  tricampeonato do rubro-negro carioca. No entanto, deu   seus primeiros passos no caminho do futebol jogando pelada no campo das pastagens de Berilo Guimarães, em Itabuna.  Foi para Salvador e ingressou no time juvenil do Bahia onde mais tarde faria parte da equipe profissional. Sagrou-se campeão no time profissional do tricolor baiano em 1940. Quando retornava a Itabuna, treinava para manter a forma no Campo da Desportiva.  Do Bahia transferiu-se para o Flamengo. Depois de passagem destacada no rubro-negro carioca foi jogar no América mineiro onde se sagrou campeão e  se tornou ídolo em  várias temporadas.

            O jogador Tuta veio de Uruçuca, antiga Água Preta.  Atuou  no futebol de Ilhéus e  de Itabuna, onde vestiu a camisa da Associação, poderoso time que dominou o futebol amador do  Sul da Bahia na década de  40.  Foi jogar em Salvador no Bahia e, no tricolor baiano,  sagrou-se  também campeão. De lá chegou ao Vasco da Gama, na época em que o   esquadrão de  São Januário   formou  um dos times mais importante de sua história, conhecido como  Expresso da Vitória.  Nessa equipe lendária,   jogavam  Barbosa, Augusto, Ely, Danilo, Friaça,  Ademir Menezes e Chico, que foram servir à Seleção Brasileira de 1950, vice-campeã mundial.
 
            Importa lembrar que o  grande derby do futebol mineiro era América  e Atlético até meados de 1960. O Cruzeiro ainda não havia surgido como uma potência do futebol brasileiro, com aquele famoso time integrado pelo goleiro  Raul,  os craques Tostão e  Dirceu Lopes, Natal, Zé Carlos e  Euvaldo. O América chegou a se sagrar  dez vezes campeão na época que o seu grande rival  era o Atlético.

            Para comemorar a reinauguração do Estádio da Alameda, modernizado e ampliado em março de 1948, de cinco mil para 15 mil espectadores, o América  promoveu um torneio quadrangular, que ficou conhecido como o  Torneio dos Campeões. A disputa reuniu os campeões estaduais de Rio de Janeiro (Vasco), de São Paulo, representado pelo São Paulo, Minas Gerais pelo Atlético, campeão dois anos antes, além do anfitrião América, que se sagrou campeão do torneio e de  Minas Gerais, no final daquele ano.
 
            Nandinho fez parte do esquadrão do América,  campeão mineiro em 1948, que tinha como técnico o polêmico Yustrich. Já  Tuta jogou no  Vasco da Gama, que tinha como técnico Flávio Costa,  no Torneio dos Campeões , realizado  naquele mesmo ano em Belo Horizonte

América -  Campeão Mineiro - 1948

Em pé : Humaitá , Lazzarotti,  Esteves, Aldo Gaia,
        Lusitano. Agachados:  Valinho,  Nandinho, 
             Fernando, Celso,  Murilinho


Vasco da Gama – Torneio dos Campeões – Minas Gerais - 1948
                
Em pé: Rafanelli, Barbosa, Augusto, Ely, Jorge e Danilo; Agachados:  Djalma, Maneca, Friaça, Tuta,  Chico e o massagista Mário Américo.

              
            Enquanto isso,  em 1949 o time  do Arsenal, o mais popular da Inglaterra,   fez uma excursão ao Brasil onde em São Paulo enfrentou o  Corinthians, derrotando-o,  e o Palmeira, que conseguiu um empate a duras penas. Restava enfrentar o Vasco e o Flamengo no São Januário, o gigante da colina.   Na noite de 25 de maio de 1949, uma quarta-feira, São Januário recebeu o maior público de sua história, no amistoso entre o Vasco e o Arsenal.

            A excursão do time britânico era cercada de grande expectativa.  Havia uma mística, que corria no tempo,   alardeando  que o time britânico era o melhor do mundo, e os próprios ingleses julgavam-se  os donos do futebol, pois foram eles os inventores desse esporte.  Por tudo isso, a partida entre Vasco e Arsenal foi cercada de um interesse  enorme, adquirindo até um sabor de decisão de mundial de clubes,  uma vez que,  no ano anterior, o Vasco havia conquistado o título de campeão sul-americano  invicto, no torneio realizado no Chile. Para enfrentar o time da Inglaterra, o  Vasco (foto abaixo) entrou em campo com uma das formações mais fortes da sua história, saindo vencedor da partida  por um a zero, gol de Nestor aos 33 minutos do segundo tempo.
E o baiano grapiúna  Tuta participou desse time lendário do gigante da colina.
           
Time do Vasco da Gama que Derrotou o Arsenal em 1949

Em pé, Eli, Augusto, Jorge, Danilo, Barbosa e Sampaio; agachados, Mário   Américo  (massagista), Nestor, Maneca, Ademir, Ipojucan e Tuta.


*Grapiúna é aquele que nasceu  no Sul da Bahia, na época da conquista da terra e do povoamento. E o que se identifica com uma civilização singular forjada pela lavoura do cacau, ao longo dos anos.
===

** Cyro de Mattos é ficcionista e poeta. Membro efetivo  do Pen Clube do Brasil e Academia de Letras da Bahia. Premiado no Brasil,  Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália,  França, Alemanha e Espanha. Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz (Bahia)

* * *

OS 130 ANOS DA ABOLIÇÃO – Marco Antonio Villa


11/maio/18

O Brasil novamente vai ignorar uma importante efeméride: os 130 anos da abolição da escravatura. O 13 de maio de 1888 foi uma ruptura revolucionária em um País marcado pelo conservadorismo, pela conciliação entre as elites, pela enorme dificuldade de enfrentar as graves contradições sociais. Não é possível falar da abolição sem recordar o primeiro movimento de massas da nossa história: o abolicionismo. A mobilização popular nos anos 1880 foi fantástica. Jornais, panfletos, livros — o célebre “O Abolicionismo”, de Joaquim Nabuco, foi um marco —, reuniões, músicas, peças teatrais, passeatas, transformaram a última década do Império em um momento especial. O abolicionismo entusiasmou o Brasil. Três províncias — como eram chamados os estados durante o período imperial – aboliram a escravidão muito antes da Lei Áurea (denominação dada por José do Patrocínio): Amazonas, Ceará e Rio Grande do Sul. No Ceará — a primeira província a abolir a escravidão —, a grande figura foi Francisco José do Nascimento, o dragão do mar. Liderou os jangadeiros que se recusaram transportar escravos para os navios que se dirigiam ao sul do País.

Nas principais cidades foram formadas associações que lutaram pelo fim da escravidão. Em São Paulo marcou época a Sociedade dos Caifazes, liderada por Antônio Bento, que, com o apoio dos ferroviários, transportou milhares de escravos fugitivos para o quilombo do Jabaquara, em Santos. Raul Pompeia e mais 80 colegas abolicionistas foram obrigados a terminar o curso de Direito em Recife, tendo em vista a perseguição que sofreram por parte de professores escravocratas das Arcadas.

Com a República, o 13 de maio acabou entrando no calendário dos feriados cívicos. Foi passando o tempo e a data acabou sendo esquecida. Mais que a data, o acontecimento, seu significado para a nossa história — não custa recordar que o Brasil foi o último país a abolir a escravidão no continente americano — foi apagado, como se não tivesse importância. Como se a abolição fosse uma concessão da elite dominante e não produto da maior mobilização popular que o País tinha assistido até então.

Hoje, com o domínio da (medíocre) sociologia produzida nos EUA, falar no 13 de maio é considerado démodé. Os ventríloquos do novo imperialismo cultural querem fomentar uma guerra racial. Até os negros não são mais brasileiros; agora são afrodescendentes.



Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos (1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993). É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia (USP) e Doutor em História (USP)

* * *