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domingo, 26 de maio de 2019

ANEMIA DO ABRIL VERMELHO - Péricles Capanema


25 de maio de 2019

Péricles Capanema

Desde 1997 o MST promove o chamado “abril vermelho”. Financiado com dinheiro público, o gigantesco show de agitações reclamou sempre a radicalização da reforma agrária e a implantação de outras pautas da esquerda, etapas para a sonhada sociedade socialista (caminho para a presente situação da Venezuela, na realidade). O MST, na linha de frente, era ajudado em particular pela CPT e INCRA, trinca do barulho…

Há muitos lustros o agro tem sido atacado por vários meios —, um dos quais, invasões de fazendas —, em especial pela ação concertada dessas três entidades. O MST (primeira), organização comunista, braço do PT, e a CPT (segunda), extrema-esquerda eclesiástica, protegida pela CNBB (à vera, não apenas protegida, é órgão dela). A terceira, o INCRA.

Nos governos de esquerda, no INCRA diretoria, superintendências e enxames de funcionários solícitos encarniçadamente conluiados com PT, MST e CPT agrediam a propriedade particular no campo. No governo Temer, infelizmente continuou o INCRA a favorecer objetivos do MST (um pouco menos escancaradamente). Agora, sofreu uma trava. Continuam, porém, agentes do órgão em obstinada atuação deletéria, pipocam aqui e ali funcionários efetivos e superintendências empurrando no rumo antigo. As três organizações formaram na prática um pactum sceleris (formaram no passado; a realidade ainda existe hoje, diminuída).

Assomou para desgraça do Brasil respiro importante para o MST. Em encontro com representantes da organização criminosa em fevereiro passado, Rodrigo Maia, presidente da Câmara, comprometeu-se a não pautar (colocar para votação) projetos que o criminalizem. Criminalizar a atuação do MST ficou para as calendas. Foi promessa de campanha — espera-se que apenas de momento arquivada. “Toda ação do MST e do MTST deve ser tipificada como terrorismo”, repetia o candidato Jair Bolsonaro. Com o incumprimento do compromisso, o MST preservaria suas possibilidades de ação no futuro.

Amarelou em 2019 o “abril vermelho”. Só pequena agitação em Salvador, onde um petista, Rui Costa, é inquilino do Palácio de Ondina. A própria Abin não julgou necessário alertar o governo sobre possíveis agitações. Por quê?

Porque o “abril vermelho” desde sempre foi show totalmente artificial, viveu do dinheiro público. Não representa em nada o sentimento do homem do campo. Em parte, o INCRA, por causa da nova direção, já não impulsiona abertamente a ação concertada do MST-CPT. Ficaram ainda focos infeccionados, já disse. O presidente Jair Bolsonaro apontou outro fator: “Incra registra só 1 ocupação no 1º trimestre diante 43 ações no mesmo período de 2018. O MST está mais fraco pela facilitação da posse de armas, iniciativa que terá derivações pelo governo, falta de financiamento do setor público e de ONG”.

O ponto maior é esse, faltou dinheiro público para o “abril vermelho”. Por exemplo, acabou a farra dos convênios. Contudo, estão intactas as leis e, em boa medida, as estruturas utilizadas pelas mencionadas três organizações. A anemia acabará no dia em que o dinheiro público voltar a fluir.

Lamento prever, gostaria de estar errado, mas vai continuar intacta a legislação e boa parte das estruturas. Não é politicamente correto acabar com a infecção. Temos no Brasil tumores de estimação. São cancerígenos, matam as possibilidades de avanço, prejudicam os pobres, mas são nossos tumores de estimação. Um dos mais virulentos é o programa da reforma agrária.

É, repito, politicamente incorreto enunciar o óbvio ululante: desde o início, lá pelos anos 60, a implantação da reforma agrária representou retrocesso monumental, um atraso de proporções amazônicas. Se nunca no Brasil se tivesse falado de reforma agrária, os pobres hoje estariam mais bem de vida no campo e na cidade, os alimentos estariam mais baratos, seríamos hoje potência agrícola mais poderosa. E as montanhas de dinheiro que foram desperdiçados no programa maluco poderiam ter atendido larga e beneficamente a saúde e a educação.

Inexistisse o xodó pelo tumor, a medida mais comezinha e lógica seria acabar imediatamente com o programa da reforma agrária. Aqui não. E continuam as declarações bestas do tipo: “Vamos aplicar a legislação, o programa da reforma agrária não parou, vai ficar sério”. “Vamos aproveitar os lotes abandonados”.

Todos sabem, são centenas de milhares de lotes com contratos de gavetas, abandonados, empregados para outros fins, produtividade baixíssima. Já foram utilizados 880 mil quilômetros quadrados nessa doidice (o Estado de Minas Gerais, 586.528 km2, área do Rio Grande do Sul, 281.748 km2; soma dos dois 868.266 km2). Ou seja, se somarmos a área de Minas Gerais e do Rio Grande do Sul não dá a área esperdiçada na maluquice do programa de reforma agrária (disseminação de favelas rurais, roubalheira, pobreza, clientelismo de movimentos sociais). O agronegócio salva a economia brasileira, garante a balança comercial, distribui riquezas, dá empregos. Sabem com que área? Vejam esse dado: em 2016, a Embrapa Territorial havia calculado a ocupação com a produção agrícola em 7,8% (65.913.738 hectares. 659.137 km2.

Relatório do TCU de 2016 indicava que o valor das áreas com indícios de situação irregular dentro do programa de reforma agrária era de R$159 bilhões, utilizada a avaliação do IBGE. Se for em valor de mercado, pode facilmente chegar a R$300 bilhões. Terra tratada na esbórnia, na desorganização, no desconhecimento. Advertia que bilhões de reais emprestados poderiam não ser pagos (claro, nunca foram). Vejam o disparate nas palavras do relatório do TCU: “Conforme informado pelo INCRA, os créditos eram concedidos a estruturas associativas formais ou informais e distribuídos entre os integrantes dos PAs (projetos de assentamento), não havendo registro individualizado organizado sobre quem recebeu os créditos, ou seja, o prejuízo pode ser muito maior.” Entenderam? Sociedades informais (patotas de privilegiados dos movimentos sociais), sem registro individualizado recebiam dinheiro público.

R$300 bilhões de terras na bagunça. Coloque os empréstimos não devolvidos, os perdões de dívidas, a assistência técnica estatal para aproveitadores, o controle tirânico dos assentamentos pelos agentes do MST, a venda ilegal de madeira. Os escândalos do mensalão e do petrolão são fichinha perto do escândalo do programa da reforma agrária.

Mas, é claro, não se pode extinguir o programa. Razão técnica? Nenhuma. Não aumenta a produtividade. Razão social? Nenhuma. Piora a situação dos pobres. Razão de paz social? Nenhuma. Tensiona a região em que se implantam os assentamentos. Mas trona e sobrepassa tudo uma razão inamovível. É tumor de estimação. Tumores de estimação são intocáveis.


* * *

NÃO SE CALE – Ruth Borges



Engole o choro. 
Engole sapo. 
Cala a boca. 
Cala o peito.
Mas o corpo fala, e como fala. 

Fala a ponta dos dedos batendo na mesa. Falam os pés inquietos na cama. Fala a dor de cabeça. Fala a gastrite, o refluxo, a ansiedade. Fala o nó na garganta atravessado. Fala a angústia, fala a ruga na testa. Fala a insônia, o sono demasiado.

Você se cala, mas o falatório interno começa. As pessoas adoecem porque cultivam e guardam as coisas não digeridas dentro de seus corações. 
O normal do ser humano seria a comunicação e conseguir dizer o que está sentindo. Mas nem todos se habilitam para esse difícil exercício. Nem sempre digerimos bem aquelas pequenas coisas, como mensagens mal respondidas, as palavras que machucam...

Você finge que não ouviu, engole e tudo isso vai se acumulando até que um dia enche. Esses pequenos fatos indigestos percorrem a garganta, entram no estômago, invadem o peito, e se deixarmos, calará nossa boca e nossa paz. 

O importante é não deixar acumular ou achar que simplesmente vai aliviar com o passar dos dias. O tempo até tem um papel importante, mas não resolve tudo. Tentar mostrar que tudo sempre está bem requer muita energia, o desgaste emocional é grande.

Não dá para engolir tudo e dizer amém! Eu sei. 

Também não dá para cometer sincericídios por aí e sair vomitando as coisas entaladas na sua garganta.

Mas dá para se expressar. 

Tem hora que o sentimento pede pra ser dito, entendido, descodificado, traduzido. 

Tudo que ele quer é ser exorcizado pela palavra ou pela via que lhe cabe melhor. Expressar tranquiliza a dor. Dor não é para sentir para sempre. Dor é vírgula.

Então faz uma carta, um poema, um livro. Canta uma música. Pega as sapatilhas, sapateia. Faz uma aquarela. Faz uma vida. Faz piada, faz texto, faz quadro, faz encontro com amigos. Faz corrida no parque. Fala pro seu analista, fala para Deus, para o universo... se pinta de artista.

Conversa sozinho, papeia com seu cachorro, solta um grito pro céu, mas não se cale.

 Pois “se você engolir tudo que sente, no final você se afoga”.

  

 Ruth Borges.

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PALAVRA DA SALVAÇÃO (132)


6º Domingo da Páscoa – 26/05/2019

Anúncio do Evangelho (Jo 14,23-29)

— O Senhor esteja convosco.
— Ele está no meio de nós.
— PROCLAMAÇÃO do Evangelho de Jesus Cristo + segundo João.
— Glória a vós, Senhor.

Naquele tempo, disse Jesus a seus discípulos: “Se alguém me ama, guardará a minha palavra, e o meu Pai o amará, e nós viremos e faremos nele a nossa morada. Quem não me ama, não guarda a minha palavra. E a palavra que escutais não é minha, mas do Pai que me enviou.
Isso é o que vos disse enquanto estava convosco. Mas o Defensor, o Espírito Santo, que o Pai enviará em meu nome, ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito.
Deixo-vos a paz, a minha paz vos dou; mas não a dou como o mundo. Não se perturbe nem se intimide o vosso coração.
Ouvistes o que eu vos disse: ‘Vou, mas voltarei a vós’. Se me amásseis, ficaríeis alegres porque vou para o Pai, pois o Pai é maior do que eu. Disse-vos isso, agora, antes que aconteça, para que, quando acontecer, vós acrediteis”.

— Palavra da Salvação.
— Glória a vós, Senhor.

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Ligue o vídeo abaixo e acompanhe a reflexão do Pe. André Teles:

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Deus não é nosso hóspede, mas a essência do nosso ser

“...e nós viremos e faremos nele nossa morada” (Jo 14,23)

Continuamos com o discurso de despedida de Jesus, depois da Última Ceia. O tema do domingo passado era o amor manifestado na entrega aos demais. Terminávamos dizendo que esse amor era a expressão de uma experiência interior, relação com o mais profundo de nós mesmos que é Deus.

Hoje o evangelho nos fala do que significa essa vivência íntima. A Realidade que somos, é nosso verdadeiro ser. O verdadeiro Deus não é um ser separado que está em alguma parte da estratosfera, mas o fundamento de nosso ser e de cada um dos seres do universo.
Tudo está admiravelmente condensado e expresso nesta frase com a qual se inicia o evangelho de hoje: “viremos a ele e faremos nele nossa morada”. O ser humano está habitado por Deus, no sentido mais profundo que possamos imaginar.

Quem toma consciência de sua identidade profunda, descobre-se habitado e amado pelo Mistério e não pode fazer outra coisa senão amar e experimentar a unidade com todos. Na linguagem do quarto evangelho, Deus e Jesus são o “centro” último do nosso interior, o que constitui nossa identidade mais profunda. Deus Trindade abraça e se expressa em toda a realidade; habita tudo e em tudo se manifesta; envolve tudo e em tudo está presente. É o que experimentaram e proclamaram os místicos: “Meu Eu é Deus e não reconheço outro Eu que a Deus mesmo” (S. Catarina de Gênova).

João da Cruz escreve: “A alma mais parece Deus que alma, e ainda é Deus por participação”. Não se trata, portanto, de que Deus habite unicamente naqueles que cumprem a palavra de Jesus, num retorno à religião dos méritos e das recompensas. Deus habita já todos os seres: nada poderia existir “fora” d’Ele. Tudo é morada de Deus.

Segundo S. Inácio “Deus habita nas criaturas: nos elementos dando o ser; nas plantas, a vida vegetativa; nos animais, a vida sensitiva; nas pessoas, a vida intelectiva. Do mesmo modo em mim, dando-me o ser, o viver, o sentir e o entender. E também fazendo de mim o seu templo” (EE. 235).

Tudo está inundado de Deus; tudo é sagrado, nada é profano.

Deus não permanece exterior nós, mas habita no mais profundo de cada um; somos o que somos devido à presença de Deus em nós. A dignidade e o significado último de cada ser humano não provêm dele mesmo, mas da presença de Deus em seu interior.

Além disso, nós nunca estamos fora de Deus. Tudo que somos e temos é manifestação de sua força, bondade e amor. Com-viver com Deus tem sempre algo de aventura que assusta e encanta. É a chamada “experiência numinosa”. Pois, Deus e o ser humano não são adversários, mas “diferenças que se amam”. Por isso, ao abraçarmos cada pessoa, estaremos tomando nos braços não apenas os seus limites, fragilidades e sombras, mas também o seu infinito mistério: Deus mesmo.

Igualmente, distanciar-se do outro é expulsar-se de Deus, e quem se fecha à novidade do outro, inevitavelmente limita a ação do Criador no próprio interior. E para onde quer que olhemos, lá está Ele: silencioso, como nosso próprio mistério. Está presente na distante profundeza do universo como suprema fecundidade e nosso Pai, na proximidade dos seres humanos como humildade e nosso irmão, em nós mesmos como sentido e o vigor que nos faz viver.

Jesus viveu uma profunda identificação com o Pai que não podemos expressar com palavras. “Eu e o Pai somos um”. Nós também somos chamados a viver essa mesma identificação. Fazer-nos uma coisa só com Deus, que é presença e que não está em nós como hóspede agregado que chega e sai, mas como fundamento de nosso ser, sem o qual nada pode existir em nós. Essa presença de Deus em nós não altera em nada nossa individualidade. Nós somos totalmente nós mesmos e totalmente de Deus. Viver esta realidade é o que constitui a plenitude do ser humano.

Uma coisa é a linguagem e outra a realidade que queremos manifestar com ela. Deus não tem que vir de nenhum lugar para estar no mais profundo de nosso ser. Está aí desde antes de existirmos. Não existe “alguma parte” onde Deus possa estar, fora de nós e do resto da criação. Deus é Aquele que torna possível nossa existência. Somos nós que estamos fundamentados n’Ele desde o primeiro instante do nosso existir. Deus já não é esse Outro ao qual temos que ir ou esperar que venha, senão que forma parte de nossa realidade, um espaço do qual podemos nos diferenciar, mas não separar.

Descobri-Lo em nós, tomar consciência dessa presença, é como se Ele viesse a nós. Esta verdade é a fonte de toda experiência espiritual. Os místicos ousam dizer: “temos Deus dentro de nós; é tão unido a nós que Ele é a nossa própria profundidade”.

Aqui está a grande novidade da mensagem e da experiência de Jesus: revelar que o lugar da presença de Deus é o ser humano. Ele é experimentado dentro de nós; mas também é preciso descobri-Lo dentro de cada um dos outros seres humanos. A presença surge de dentro e nos sensibiliza a percebê-Lo no outro.

 “Deixar Deus ser Deus em nosso interior” significa entrar no fluxo da dinâmica divina, ou seja, viver encontros divinizados, sendo presença divinizada, expressando palavras e atos divinizados...

A presença de Deus em nosso interior fica atrofiada quando nossa vida é carregada do veneno do preconceito, da intolerância, do julgamento, da suspeita e do medo do diferente. É justamente essa presença divina no eu profundo que nos diferencia e nos torna originais. Encontrar-nos com Deus na própria morada interna não é fechar-nos num intimismo estéril; implica ampliar o espaço do coração para acolher o outro que pensa, sente e ama de maneira diferente, porque também ele é morada da Trindade.

O Espírito é o garantidor dessa presença dinâmica do Pai e de Jesus em nós: “Ele vos ensinará tudo e vos recordará tudo o que eu vos tenho dito”. O verdadeiro Mestre – nosso “mestre interior” – que nos irá conduzindo até a verdade é o Espírito de Deus, que se expressa no mais profundo de todo ser humano. É a “voz” de Deus em nós, à qual temos acesso a partir da abertura e disponibilidade interior.

O teólogo Schillebeeckx afirmou: “Se pudesse tirar de mim o que há de mim, ficaria Deus; se pudesse tirar de mim o que há de Deus, ficaria nada”.

Ao nos reconhecermos nessa morada interior, podemos receber a paz da qual fala Jesus; não só isso: descobrimos que somos Paz. Não é a “paz do mundo”, que sempre será oscilante e inconstante, senão a Paz que abraça todas as situações da vida, porque estamos ancorados naquilo que realmente somos.

O “shalom” judaico é muito mais rico que nosso conceito de paz; mas o evangelho de João acrescenta um “plus” de significado sobre o já rico significado judaico. A paz, de que fala Jesus, tem sua origem no interior de cada um. É a harmonia total, não só dentro da pessoa, mas com os outros e com a criação inteira. Corresponde ao fruto primeiro das relações autênticas em todas as direções; expressa a consequência do amor que é Deus em cada um, descoberto e vivido. A paz não é buscada diretamente; ela é fruto do amor. Só o amor, ativado e manifestado no próprio interior, conduz à paz verdadeira. Poder-se-ia dizer que esta “paz” não é algo diferente do Espírito. É a paz de quem permanece ancorado em sua identidade profunda, sem identificar-se com os altos e baixos das circunstâncias, nem perder-se com o “vai-e-vem” da mente.

É a paz que supera toda razão, porque nasce de um “lugar” que está mais além da razão, mais além da mente, na compreensão do Mistério que somos, e que não se vê afetado pelo que ocorre em nosso eu.

Texto bíblico:  Jo 14,23-29
Na oração: Considerar, como devo, de minha parte, amar as pessoas de tal maneira que me faça transparente, para que através de mim os outros possam conhecer quem é Deus.

- Eu devo deixar “transparecer” a imagem de Deus, através da bondade, justiça, serviço... Deus “habita em mim”, deixando suas pegadas; através delas sou movido a dar testemunho de quem é Deus.

Pe. Adroaldo Palaoro sj


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