Total de visualizações de página

segunda-feira, 11 de junho de 2018

ESTATAIS A SERVIÇO DO BRASIL – Marco Antonio Villa


08/jun/18


A greve dos caminhoneiros recolocou a questão da privatização da Petrobras e — por tabela — de todas as estatais. O tema entrou na pauta meio de contrabando. Afinal, a questão envolvia diversas questões e o ataque às empresas estatais foi somente mais um pretexto na longa luta em defesa do que os liberais chamam de Estado enxuto. Os liberais brasileiros sempre foram meio fora da curva clássica: apoiaram ditaduras, fecharam os olhos às graves violações dos direitos humanos, à censura e, quando lhes convinham, à presença estatal na economia.

Não é possível falar em história do desenvolvimento econômico brasileiro no século XX sem falar do Estado. Foi ele o grande indutor da economia. Qual empresário quis fundar a Companhia Siderúrgica Nacional? E a Petrobras? E a Embraer e a Embratel? E a vale do Rio Doce? E Itaipu? A lista é quilométrica e, para economizar espaço, fico somente nessas empresas.

Todas elas exigiram investimentos de longa maturação e, inicialmente, as taxas de lucros eram baixas. Tudo o que o empresariado brasileiro não gosta.

O lucro fácil é o seu principal objetivo e a história do Brasil é farta em exemplos que reforçam essa afirmação. Portanto, não estamos no terreno da ideologia, mas sim trabalhando com dados muito conhecidos e inquestionáveis.

Ao longo do tempo — e é um problema sério — as empresas estatais foram ocupando espaços que deveriam estar reservados à iniciativa privada. É um fato. Também as estatais foram perdendo seus objetivos originais e acabaram, boa parte delas, tomadas por interesses político-partidários, o que também é um fato de conhecimento geral.

Sendo assim, a questão que se coloca não passa pela privatização indiscriminada de todas as estatais, pelo grito inconsequente de privatize tudo. Não! O Estado, até por razões de segurança nacional, mas não só, tem de continuar controlando com eficiência e competência setores que são fundamentais para o País. É urgente despartidarizar as estatais, limpá-las da corrupção e colocá-las à serviço do desenvolvimento nacional. Essas empresas não devem ser dirigidas com o objetivo de atender prioritariamente os investidores. Se agirem assim é melhor que deixem de ser estatais. O grande desafio é recolocar as estatais no seu papel de indutor do desenvolvimento. Entregá-las de mãos beijadas para investidores — principalmente estrangeiros — será um crime de Lesa-pátria.

---------
Marco Antônio Villa é historiador, escritor e comentarista da Jovem Pan e TV Cultura. Professor da Universidade Federal de São Carlos (1993-2013) e da Universidade Federal de Ouro Preto (1985-1993). É Bacharel (USP) e Licenciado em História (USP), Mestre em Sociologia (USP) e Doutor em História (USP)



* * *

PROFESSOR MUNIZ SODRÉ FALA NA ABL SOBRE INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL, NA SEGUNDA PALESTRA DO CICLO ‘A CULTURA EM PROCESSO’



A Academia Brasileira de Letras prossegue com seu ciclo de conferências do mês de junho de 2018, intitulado A cultura em processo, sob coordenação do Acadêmico e professor Domício Proença Filho, com palestra do professor Muniz Sodré. O tema escolhido foi Inteligência artificial e cultura. O evento está programado para quinta-feira, dia 14 de junho, às 17h30min, no Teatro R. Magalhães Jr., Avenida Presidente Wilson 203, Castelo, Rio de Janeiro. Entrada franca.


A Acadêmica e escritora Ana Maria Machado, Primeira-Secretária da ABL, é a Coordenadora-Geral dos ciclos de conferências de 2018.


Serão fornecidos certificados de frequência.


A cultura em processo terá mais duas conferências no mês de junho, sempre às quintas-feiras, no mesmo horário e local, com os seguintes palestrantes e temas, respectivamente: dia 21, Acadêmico eleito Joaquim Falcão, Aspectos da cultura brasileira contemporânea; e 28, Acadêmico Domício Proença Filho, Língua, cultura e identidade nacional.


Muniz Sodré adiantou parte de sua palestra: “Trata-se, inicialmente, de apresentar a noção de cultura como um fenômeno moderno, uma forma alinhada com outras (a democracia, a escola, a mercadoria etc.) constitutivas da sociedade contemporânea. Mais precisamente, cultura como a forma assumida pelo conhecimento que se assenta no comum da Modernidade. A sua singularidade está no fato de ser uma forma que passa transversalmente por todas as outras ao modo de uma “trans-forma”, isto é, de algo que modifica a percepção, mais do que é reconhecido ou absorvido. Cultura não é, portanto, o mesmo que conhecimento: É, antes, um mapa, uma carta de navegação, com balizas e faróis. Só que a inteligência artificial deixa aflorar a sua face tecnológica, em que se desenvolvem novas formas de vida, em que a própria realidade circundante pode ser “aumentada” por aplicativos técnicos.  Isso nos leva a conceber uma cultura do autômato”.

O CONFERENCISTA


Muniz Sodré é Professor Emérito da Universidade Federal do Rio de Janeiro, com mais de 36 livros publicados nos campos dos estudos de mídia, cultura nacional e ficção. É professor-visitante de várias universidades estrangeiras, com livros traduzidos na Itália, Espanha, Bélgica, Cuba, e Argentina.


Livros mais recentes: A Ciência do Comum (Editora Vozes) e Pensar Nagô (Editora Vozes). Foi presidente da Fundação Biblioteca Nacional (2005-2010). 
         
08/06/2018

* * *

O FUTEBOL NOSSO DE CADA CRONISTA – Cyro de Mattos


O futebol nosso de cada cronista
                    Cyro de Mattos      


              Disputado por dois times, o  futebol tem como objetivo fazer entrar a bola  no gol defendido pelo adversário. Como arte nascida do pé na bola descreve  linhas e curvas incríveis no decorrer da partida. Nos dois tempos com intervalo, ora faz parte do jogo a ginga e o toque sutil, ora o passe preciso e o tiro certeiro. As cenas que causam espanto aos que estão no estádio resultam do empenho e suor gasto no esforço de cada lance. A bola rola macia no tapete verde ou salta na grama maltratada do campo de várzea. Uma das proezas do futebol consiste em impulsionar o coração para as zonas em que uma gente apaixonada transpira pulsações alegres e dramáticas.

            Provoca uma febre que lateja em sua brasa verdejante e se expande por toda a extensão dos meses no ano. Como gosta de criar apreensões, ritmos frenéticos quando se trata  de uma Copa do Mundo, até mesmo se for uma disputa de dimensão  nacional, estadual ou municipal. Tremores,  clamores, rancores. Vaias da galera formada de todas as gradações sociais.

            Surpreende quando  irrompe das gargantas no grito de gol,  pura curtição da felicidade. Tamanha é uma flor nesse grito ferindo e atordoando que ela se torna mais bela quanto mais sonora. O grito de gol irrompido com tanta força tremula nas bandeiras com o escudo do clube ou a cara do ídolo. Ele é carregado até as nuvens com gritos e ovações.  De repente, lá do alto, derrama uma água que  molha de amor o mundo fero e solitário aqui embaixo.  Esse mesmo mundo que nós os humanos teimamos  em forjar com lances de tristeza, rasteiras e carrinhos impiedosos, todos os dias, no duro embate  dos dias. Assim levado pelas nuvens,  lá vai o futebol em seu percurso de paixão do qual faz descer uma chuva  que alaga de emoção a vida, cheia de explicações duvidosas, mas feita também de poesia, inexplicável, tão dela.

            Nos textos  de alguns de nossos  craques das letras,  aqui vestindo as cores de um timaço das letras, vemos como o futebol  seduz com suas artimanhas, feitiços e sustos esplêndidos. O quanto é amoroso e imprevisível. Cria situações inusitadas, tornando as coisas relativas, escreve Luís Fernando Veríssimo. Maltrata  com a mesma mão que afaga. Renuncia às necessidades materiais do cotidiano. Fica radiante de beleza no  lado onde se alojou a vitória,  faça sol ou chuva. No lado dos pesares, a turma deixa o estádio inconformada,  não querendo acreditar no que viu e sentiu. Nessa romaria de frustrações lá vai o futebol em silêncio,  mastigando as amarguras da derrota.

            Nesse jogo que tantas vezes imita a vida,  cheia de calor e pressentimentos,   é que o futebol imprime em todos nós suas marcas de encantamento,  entre o alegre e o triste.  Assim o vemos agora,  de crônica em crônica. Com Armando Nogueira, por exemplo,  um pouco da história de nosso futebol sai dos bastidores para que se conheça  o heroísmo de Vavá, o Leão da Copa de 58, nos gramados da Suécia. Em Carlos Drummond de Andrade,  de repente o ódio faz-se alegria, o futebol afugenta mazelas, não quer saber da morte. O coração do poeta  está feliz no México e com o dele o de milhões de brasileiros, que sente do lado de cá  como é bom chover papéis picados pelas ruas e explodir fogos de artifício  loucos no céu  quando se ganha uma copa do mundo. Melhor ainda se o feito  é creditado a uma seleção inigualável  de craques,  comandados por Pelé, o “sempre rei republicano”.

            O futebol chega a ter sabor de obra-prima quando  é descrito  por  Fernando Sabino em Iniciada a Peleja. Se impõe nesse momento  de reunião importante dos executivos para tratar de assunto sério. Fala mais alto  em cada lance vibrante,  chegando ao ouvido do torcedor atento e nervoso, através de um pequeno rádio de pilha. Já Carlos Heitor Cony mostra  como o  futebol é muito perigoso. Tem dessas coisas que ultrapassam o óbvio ululante de qualquer criatura sensata quando se trata de salvar a pele.  Abala uma nação inteira que quer ver o diabo em sua frente do que o bandeirinha brasileiro que marcou um impedimento dos mais graves e tirou o título de campeão sul-americano  dos nossos “hermanos”, em território argentino, favorecendo  os arquirrivais uruguaios, no último minuto.

            Na trama que prende do princípio ao fim, aqui está, nestas referências  de  alguns cronistas bons de bola,  nossa maior paixão popular. Esses craques das letras brasileiras mostram, em breves passagens,  como o futebol  é tão íntimo da vida. Se possui seus imprevistos sob os instantes do sol ou da chuva,  depende do carinho para sobreviver naquele espaço verde que encanta.  Com frequência está a dizer que vencer torna a vida leve. Quando se perde, meu Deus, como machuca.
 
            De qualquer maneira, com sorte ou azar, seu refrão diz que vale como paixão e diversão.     

 ......
Cyro de Mattos é contista, poeta, cronista, ensaísta, romancista, organizador de antologia,  autor de livros para crianças e jovens. Membro efetivo da Academia de Letras da Bahia.  Doutor Honoris Causa pela Universidade Estadual de Santa Cruz. Premiado no Brasil, Portugal, Itália e México. Tem livro publicado em Portugal, Itália, França, Alemanha, Espanha e Dinamarca.

* * *