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domingo, 27 de novembro de 2022
Raquel
Cyro de Mattos
É uma criatura afável, que sorri com prazer quando o assunto
é literatura, em especial poesia. Comunicadora social de mão cheia. Integra o
corpo de membros efetivos da Academia de Letras de Itabuna, na qual ocupa a
cadeira 25, cuja patrona é Elvira Foepel.
Com os seus gestos atenciosos e ao mesmo tempo vibrantes, a entidade
ganha brilho, reveste-se com generosos cantos, cores suaves. Trescala bem-estar
por entre os seus pares.
Ficamos seduzidos com o que ela faz pela Academia.
Disponibilidade anímica, muitas vezes com sacrifício pessoal, está sempre de
prontidão pelo bom fazer da Academia de Letras de Itabuna. Emerge dela com uma
candura que impressiona a todos que recebem sua presteza.
Exerce a profissão de psicanalista, é querida
pelos pacientes, que muito agradecem seus cuidados e acertos para afugentar os
bichos temerários da alma. Eles fogem com as maneiras competentes de Raquel, os
ramos de luz que se entreabrem dos fundos de sua alma e molham de alento os que
vão em busca de seu auxílio.
Sua casa está sempre iluminada,
ventilada, juntamente com o maridão Wald e às filhas Mel e Lunna, duas
pérolas. O convívio ameno dos quatros
demonstra que o sentimento mais forte que temos só pode ser o amor,
principalmente quando se propaga entre o homem e a mulher por anos lavados de
entendimento, sem medos.
Conheci Raquel quando era presidente da Fundação Itabunense
de Cultura e Cidadania. Certa vez, ao adentrar em meu gabinete encontrei em
cima da mesa um DVD, a secretária disse-me que foi uma moça que havia deixado
para que eu quando pudesse e quisesse fosse assistir o documentário que ela
fez. Foi o que fiz em casa. Era um documentário sobre a Amazônia,
dirigido por Raquel, que demonstrava com as tomadas de cena um talento e
sensibilidade marcantes, de cineasta que sabe das coisas. Assim nasceu nossa admiração e amizade.
Indiquei mais tarde Raquel para que dirigisse um documentário sobre Itabuna, para constar da programação do centenário da cidade. Foi outra maravilha que ela realizou para ser exibida na tela. Os que lotaram as dependências do teatro do Centro de Cultura Adonias Filho de Itabuna vibraram a cada lance das entrevistas tomadas com pessoas simples e significativas de uma cidade do interior, seus hábitos e falares que faziam rir, alguns comoventes. A cineasta colocava na tela com toques de humanidade capturados do cotidiano o cidadão puro e verdadeiro, advindo do bom relacionamento que se tem pela vida.
Criatura leve, leitora proveitosa da boa literatura. É isso aí o que por enquanto tenho a dizer sobre a amiga e confreira Raquel. Vocês saberão mais quando tiverem a sorte de conhecê-la de perto.
Cyro de Mattos é escritor e poeta. Premiado no Brasil,
Portugal, Itália e México. Publicado nos Estados Unidos, Dinamarca, Rússia,
Portugal, Espanha, Itália, França e Alemanha. Membro efetivo das Academias de
Letras da Bahia, de Ilhéus e Itabuna.
Doutor Honoris Causa da UESC.
* * *
LÍNGUA TURCA: AMA AZUN! - Marco Lucchesi
Idioma de densas camadas
Entrei cedo na
escola dos ventos, nas ondas frias e atrevidas. Não sei aonde me vou, se nas
águas do Bósforo ou da Guanabara.
Tecida de onda e
vento, a língua de Istambul. Ouço rumores do livro didático: tekneler
yavas geçiyor, nos barcos que deslizam vagarosos.
Rio de Janeiro,
também uma Istambul dos trópicos. Leio o diário de Baghdãdĩ, ao narrar a
chegada de um navio otmano, vindo para uma secreta missão ao império do Brasil.
Disfarçados, assistem à missa de Páscoa na antiga Igreja da Sé.
Guardo de
tudo hüzün e saudade. Leio Machado e Tapinar, íntimos de Sterne, como
se amigos fossem entre si. A música do Memorial de Aires e do Instituto de
regulação dos relógios (Saatleri ayaarlama enstitüsü). E reúno versos de
Drummond e Nâzım Hikmet, Yunos Emre e Henriqueta Lisboa. Vizinhos potenciais,
nas prateleiras, no mundo aberto.
O turco é língua de
densas camadas. Pedra acesa na escuridão; fosforescente quanto ao timbre das
vogais. Tremas que cobrem o "o" e o "u"; formas longa
e breve do "a"; o "i" com ou sem ponto. Não há vogal de
férias. São oito que trabalham. Delas depende a vocação aglutinante, conduzida
pela harmonia vocálica. Quase demissonárias, as proporções. Porque os casos
gramaticais resolvem tudo, ou quase. Como os desenhos de um tapete universal.
No início, o turco
parece um mosaico. Um tipo de quebra-cabeça rigoroso, até ficarmos íntimos das
peças. Da língua escura nasce a luz de Caravaggio.
A parte desse undo
dedique Bizâncio. Fiz amizade ou traduzi vários poetas: Bejan Matur, Ataol
Behramoğlu, Tozan Alkan. Passei a traduzido e interrogado. Sem falar com Yunus
e o citado Nâzım.
Minha proximidade
com o árabe e o persa foram determinantes, para cantar Yine bir gülnihal,
de Dede Efendi.
Tenho o
livro-monumento dos poetas otomanos, o divã de Eliot, quase outra língua,
sortidae plural. Forma sagrada, corânica, no alfabeto persa.
Mais tarde, com a
decisão fonocêntrica, iniciada no século 19 e ultimada com a reforma de
Atatürk, ocorreu uma das maiores aventuras língua adentro. Dois autores, dentre
outros, levaram-me ao coração do processo, Geoffrey Lewis (The turkish
language: a catastrophic success) e Negris Ertürk (Grammatology and literary
modernity in Turkey).
Fantasmas sonoros,
imagéticos, redivivos, sonhos de laços míticos, laboratório, tubos de ensaio,
espelho côncavo.
O mito de Instambul
serviu, como Florença, a imprimir na cera a forma de uma língua. Ao mesmo
tempo, a chuva torrencial de neologismos, empréstimos das línguas asiáticas
afins. E as tantas sugestões de Ataç, Atay, Sayılı. A língua com seus jogadores
de cartas.
Depois veio a
teoria do sol, a güneş dil teorisi, sonho, baliza e represa ao processo
radical de substituição semântica, das palavras persas e árabes, em prol de uma
ilusória pureza (öz türkçe). A teoria de Kergic, distante da ciência e
pura ideologia, fez do turco a mãe de todas as línguas. Criava, a bem dizer,
uma trégua no campo da reforma linguística. Dois espectros de uma suposta fala
adâmica de origem turca (sem base etimológica): yaltrik > elétrico
e Ama uzum ("Mas é grande") > Amazônia!
Não morreram certas
franjas ideológicas. Um olho no Ocidente e outro na mítica Turan, com Ziya
Gökalp.
Os relógios de
Tanpınar batem hoje bem mais livres. O instituto perde a razão de ser. A
língua mede o presente infinito, porque dispõe de um vasto patrimônio. Cidades
invisíveis, como as de Calvino, de Xinjiang e Sarajevo. Não lhe faltam
recursos. Importa o modo de aplicar tanta riqueza. Não faltaram poetas, prontos
a gastar a generosa herança.
Comecei dizendo que
entrei cedo na escola dos ventos, nas ondas frias e atrevidas. O Bósforo e a
Guanabara.
O vento de
Instambul. Sopra incessante em toda parte. É brisa delicada ou temporal. Corre
para um destino irreverssível. Flecha do tempo, abraça agora passado e futuro.
Entre o Flamengo e Üsküdar. Ventro que varre as velhas ruas de Bizâncio. Sopra
nas ilhas Maricá e na torre de Gálata. Vento que nada pede para si. Apenas
beleza de seu torso nu.
comunitàitaliana | novem, 19/11/2022
https://www.academia.org.br/artigos/lingua-turca-ama-uzun
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Marco Lucchesi - Sétimo ocupante da cadeira nº 15 da ABL,
eleito em 3 de março de 2011, na sucessão de Pe. Fernando Bastos de Ávila , foi
recebido em 20 de maio de 2011 pelo Acadêmico Tarcísio Padilha. Foi eleito
Presidente da ABL para o exercício de 2018, 2019, 2020 e 2021.
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